Moocs mudam o ensino dentro e fora da universidade
Anant Agarwal, presidente do edX, que esteve no Transformar, fala como os cursos superiores on-line e gratuitos estão alterando a lógica do diploma
por Mariana Fonseca 4 de abril de 2013
O Brasil recebe hoje, pela primeira vez, Anant Agarwal, presidente do edX e palestrante que encerra o Transformar, evento que o Porvir, o Inspirare e a Fundação Lemann realizam em São Paulo. Agarwal é indiano, professor do Departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação no MIT e, não por acaso, a pessoa que está à frente dos Moocs (cursos on-line, grátis e de nível superior dados a grandes públicos) criados por Harvard e MIT e que hoje contam com um grupo mais amplo de universidades: Texas, Berkeley, GeorgeTown, Universidade Nacional da Austrália, entre outras.
Em um ano de existência, as aulas dessas universidades chegaram a 800 mil pessoas, de 192 países do mundo. Apenas no primeiro curso on-line da plataforma, ministrado pelo próprio Agarwal, 155 mil alunos se inscreveram e 7.200 foram aprovados. Achou que poucos terminaram? O MIT levaria 35 anos para formar esse contingente nesta disciplina. E não se iluda quanto ao público principal que frequentou esses e os outros cursos do edX. Ao contrário da expectativa inicial, que era atender majoritariamente estudantes universitários, metade das pessoas que fazem os Moocs está acima dos 25 anos e busca um complemento à formação inicial. Dado esse perfil de usuários, não é de se estranhar que as horas em que mais alunos estão on-line não sejam de manhã ou à tarde. Os picos de acesso estão entre meia noite e 2h da manhã.
O que isso impacta no ensino superior? Não só viabiliza o acesso em massa a uma educação de qualidade, oferecida por instituições extremamente seletivas e cobiçadas, mas também altera completamente a forma como se ensina nas universidades. A possibilidade que os Moocs está trazendo é transformadora, acredita o professor, mas a experiência presencial tem um valor importante que precisará ser repensado – o que já está acontecendo.
Com os cursos on-line, as universidades passam a usar o ensino híbrido (ou blended learning) e a serem mais cobradas por seus próprios alunos, que já chegam com mais conhecimento na sala de aula. Elas também precisam rever a forma como creditam alguns curso. E não é só. Agarwal chega a dizer que cursos universitários blocados nos tradicionais 4 e 5 anos podem deixar de fazer sentido, assim como os diplomas fechados.
Segundo ele, com o ensino on-line, quase tudo será possível. Seja a tão discutida avaliação de cursos das áreas de humanas, que o edX já começa a praticar, até modalidades mais inusitadas de testes, como sensores de movimento para dar e avaliar aulas de tênis. Por que não?
Confira entrevista exclusiva com o professor, que fala hoje, às 17h, no evento que será transmitido ao vivo pelo YouTube.
Quem são as pessoas usando os Moocs?
O edX foi planejado para ser acessado por estudantes de todo mundo. Nós temos mais de 800 mil usuários, de 192 países. Fora do campus, temos vários tipos de pessoas fazendo os cursos. Temos 5% de estudantes de ensino médio e 45% de universitários, entre 18 e 25 anos. O grupo majoritário, 50%, é formado por pessoas em busca de aprendizado contínuo, usuários acima dos 25 anos, que estão fazendo os cursos por eles mesmos, fora da universidade.
E claro, os cursos também são usados por universidades, como é o caso da San José State University, na Califórnia, que licenciou cursos para ensiná-los no seu campus. No total, 86 estudantes fizeram o curso do edX, mesmo pagando mensalidade para a universidade. Os resultados foram muito bons: os estudantes assistem aos vídeos, vão para laboratórios, fazem os exercícios na plataforma. Depois vão para a sala de aula, interagem com professores e colegas, no modelo de ensino híbrido.
Como as universidades parceiras do edX estão usando o Moocs? O que muda na experiência de aprendizado dentro dessas instituições?
O aprendizado on-line é uma força disruptiva que muda completamente como as universidades funcionam. Nossos parceiros estão experimentando ideias para ver como isso tudo vai mudar a forma como ensinamos no campus. Dou um exemplo: quando ensinamos o nosso primeiro curso sobre circuitos eletrônicos, 155 mil estudantes de todo mundo participaram. Ao mesmo tempo, 22 estudantes fizeram um formato ensino híbrido (blended learning) no campus. Meus colegas e eu, que estávamos ensinando o curso em formato Mooc, também éramos os responsáveis pelas aulas presenciais na universidade no modelo blended. No campus, os estudantes assistiam os vídeos e faziam os exercícios nos seus dormitórios. Na sala de aula, resolvíamos problemas juntos e tínhamos discussões sobre os temas.
O que os alunos acharam desse modelo híbrido? E dos Moocs?
Fizemos uma pesquisa com os alunos e coisas interessantes apareceram. Primeiro, a maioria dos alunos disse que preferia a aula no formato de ensino híbrido do que no tradicional. Segundo, um número grande de alunos de engenharia mecânica estava fazendo o Mooc, apesar de ser um curso eletivo da engenharia elétrica. Perguntamos por que eles estavam assistindo a aula. Eles disseram que, normalmente, os cursos obrigatórios começavam ao mesmo tempo e que era preciso escolher. Agora, o fato de o curso de elétrica ser on-line lhes deu a possibilidade de participar.
O aprendizado on-line tem o potencial de quebrar barreiras entre as disciplinas. Muitos dos nossos estudantes hoje, diferentemente dos da minha geração, querem aprender de forma multidisciplinar. Eles querem aprender várias coisas, não só mecânica ou engenharia elétrica, mas também política, gestão, energia. Os Moocs deixam dão flexibilidade para que escolham o que querem fazer. Além disso, o maior acesso aos conteúdos do curso acontece de meia noite às 2h.
E como isso muda o tempo e a ideia dos cursos?
A maioria dos cursos universitários hoje têm duração de quatro anos. Por que quatro é o número certo? Não dois ou um? Eu vou para a universidade por quatro anos e depois trabalho por 15 anos. Como eu sei que o que eu vou precisar daqui a quatro anos é o que estou aprendendo hoje? Ninguém sabe isso. O que eu acho é que existe uma chance de, no futuro, termos uma nova forma de aprender. Nela, os estudantes que já fizeram um curso on-line, por exemplo, chegam à universidade e talvez não precisem fazer todas as matérias do primeiro ano. Eles vão direto para o segundo ou terceiro ano. E, se for o caso, no último ano, eles vão para uma empresa trabalhar ou viver uma experiência bem prática, em vez de ficarem na universidade. Depois, ao longo da vida, esse aluno vai fazendo cursos e Moocs sobre temas e conhecimentos que ele vai sentindo necessidade.
Vocês estão preocupados com o número de alunos que desistem no meio do processo?
Gostaríamos de ter mais pessoas passando no curso. No de circutos, com 155 mil alunos, 7.200 passaram no curso. Eu precisariam dar aulas no MIT por 35 anos para chegar ao mesmo número de alunos. Não dá para dizer que não é muita coisa, mas estamos buscando formas de aumentar esse número. Começamos por contar o número de estudantes ativos, que são os que clicaram em pelo menos um dos exercícios, pessoas que levam o curso mais a sério. No curso de circuito tivemos 26 mil estudantes ativos. Os 7.200 são 30% desse total, o que não é ruim.
Como será a universidade presencial no futuro?
O aprendizado on-line é transformador, leva mais acesso a educação de qualidade para pessoas no mundo todo e também melhora as aulas dadas dentro das universidades. Estudantes no campus têm experiências importantes que não terão on-line, mas acho que o campus vai se transformar no futuro. Os estudantes no campus vivem experiências importantes, aprendem a trabalhar em equipe, conhecem professores, se inspiram com os seus professores, fazem pesquisa, trabalham em grupos, aprendem a debater, fazer perguntas, convencer outras pessoas, todas as habilidades que são necessárias no mundo do trabalho. Além disso, fazem conexões com estudantes que estarão com eles para o resto da vida. Por isso eles vão para o campus.
Como você vê a sustentabilidade dos Moocs?
O edX é uma organização sem fins lucrativos que recebeu, inicialmente, uma doação de US$ 60 milhões de Harvard e do MIT e, posteriormente, outros valores dos novos parceiros. Mas queremos, sim, nos tornar sustentáveis. Eu já tive cinco empresas, o edX é a minha primeira sem fins lucrativos. Estamos buscando formas de conseguir recursos como, por exemplo, pela ideia de cobrar por certificados, que por ora são de graça, mas que podem passar a ter um pequeno custo por emissão. Outra fonte de renda seriam os cursos licenciados para outras universidades. Pegamos um curso que pode ser licenciado para a universidade de San Jose ou qualquer outra e cobramos por isso. Chamamos esse modelo SPOC, Small Privaty On-line Course.
Como fica o diploma nesse caso?
O processo do diploma também vai mudar. Se pensarmos no que é feito hoje para a medicina nos Estados Unidos, podemos imaginar o que vai ser no futuro. Hoje, quem tem um diploma de medicina de qualquer lugar do mundo e chega nos EUA precisa passar por um exame antes de atuar no país como médico. Podemos fazer algo parecido com os Moocs.
O que já vem acontecendo são as próprias universidades falando em dar créditos para alunos dos campus que fazem os Moocs. Entre elas, a Universidade do Texas e Universidade Nacional da Mongólia, que já deu crédito para 10 alunos que fizeram o primeiro curso de circutos, por exemplo. Além disso, temos um serviço, os Proctored Exams [provas realizadas por empresas especializadas em ensino on-line], no qual o aluno chega num desses centros, faz a sua prova e obtém um certificado. Com isso, é possível que eles consigam obter mais créditos e até diplomas em outras universidades.
E como dar e creditar cursos de humanidades on-line?
Já ensinamos muitos cursos de humanidades no edX. Estamos dando, nesse momento, um curso de história grega, que é muito bom. Estamos usando três formas de avaliação para creditar o curso. A primeira delas é a Artificial Intelligence Assessment [ou avaliação por inteligência artificial], quando o próprio computador dá as notas e um feedback imediato para os estudantes. Uma segunda é o Peer Assessment [avaliação feita por pares], quando os próprios colegas dão nota e avaliam os demais alunos. E, por fim, a autoavaliação. Uma ideia que também tem funcionado bem para humanas são os Cohorts, grupos pequenos de alunos que criamos nas salas de aula on-line e que fazem com os que os estudantes participem de fóruns de discussão menores, troquem informações, aprendam juntos e possam ser avaliados.
E sobre o Brasil? Estão conversando com algumas universidades?
Temos a forte intenção de adicionar novas universidades ao edX. Por outro lado, temos estudantes do mundo todo, incluindo o Brasil. São 23 mil alunos brasileiros usando a plataforma. E a América do Sul é uma região que nos interessa muito, porque temos uma demanda grande de estudantes. Eu nunca fui ao Brasil, estou interessado em conhecer as pessoas, temos bastante interação com os estudantes on-line. É diferente vê-los ao vivo.