Na educação infantil, comunicação com família é chave para manter criança aprendendo na quarentena
Conversas não devem se resumir a entrega de lista de atividades e precisam envolver os objetivos de aprendizagem
por Vinícius de Oliveira 3 de junho de 2020
Nas transmissões ou nos grupos de WhatsApp, as perguntas sobre educação infantil sempre estão presentes. Com o isolamento social causado pela pandemia do coronavírus (COVID-19), professores desta etapa ficaram muito mais dependentes das famílias para promover o aprendizado e desenvolvimento das crianças. Criar a rotina de estudos não é fácil porque famílias precisam coordenar a vida profissional e os afazeres domésticos com uma infinidade de porquês por minuto vindos das crianças. Por mais que a tecnologia ajude, o distanciamento entre professor e aluno nestas horas traz uma série de dificuldades.
Educadores ouvidos pelo Porvir descrevem um cenário inicial de tentativa e erro, que passa por adaptar a linguagem e os processos para explicar às famílias que a rotina de estudos para crianças pequenas em casa não tem como repetir os horários da escola, nem no período regular e muito menos no integral. Mais do que isso, não dá para adotar aula online 100% desse tempo.
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“A gente tentou criar uma rotina para essas crianças e viu que era necessário adaptar também a família. Enviamos um cronograma de atividades muito simples, que mostra por quanto tempo os pais tinham que ter atividades para os filhos – sem ser por uma manhã ou tarde inteiras”, diz Alessandra Santos, coordenadora pedagógica da Plataforma Eleva, que ressalta que mais do que cumprir uma lista de atividades como acontece na escola, o momento deve ser usado para a família brincar e conversar com a criança, de modo a reforçar socialização.
Algumas famílias podem achar reduzido o tempo de atividades diárias para educação infantil, no entanto, Alessandra lembra que a etapa tem suas peculiaridades. “Ela é um acréscimo de estímulos, de brincadeiras e interações. Por isso, não dá para imaginar que a criança vai se sentar diante do computador e ficar olhando para a professora por muito tempo”. Um estranhamento que famílias sentem, segundo a educadora, tem a ver com a falta de uma grade horária fixa para esta etapa. “A família não percebeu isso (de início) e achou que se não houvesse tempo dividido em casa, a criança não iria aprender”, descreve.
Papel do professor
Diante deste cenário, o papel do professor precisa deixar de ser centralizador e se concentrar na orientação, sem esperar resultados rápidos. “Não existe nesse momento o que precisa acontecer obrigatoriamente”, diz Alessandra. “A comunicação deve servir para orientar, entregar sugestões e explicar a importância dos objetivos de aprendizagem definidos para a idade da criança. É dizer que a brincadeira faz sentido cognitivo e não só de prazer social”, afirma. Para dar conta desta tarefa, recomenda, também vale a ideia de que menos é mais. É mandar vídeos e não apresentações de PowerPoint ou PDF de muitas páginas ou até usar o WhatsApp para ter retornos mais rápidos das famílias.
No Colégio São Luís, em São Paulo (SP), o roteiro com orientações para as rotinas da semana seguinte é enviado todas as sextas-feiras, ao final da tarde. “Sempre tem pai que acha que é muita coisa e outro que é pouco”, diz Denise Curi, coordenadora de ciências. “Eles são acompanhados de vídeos explicativos feitos pelas professoras. Se o aluno precisa construir um termômetro das emoções, a professora faz um vídeo mostrando como fez o dela”, exemplifica.
Com um tempo bem menor que no ensino fundamental, o colégio também criou pequenas rodas de conversas entre as crianças e seus professores. ”As sessões nunca são com a classe inteira e sim com grupos menores. Dessa maneira, a professora consegue olhar e ter uma ideia de como cada criança está avançando”, afirma Denise.
A importância dos retornos
A parceria e a confiança com pais é importante também para que o professor tenha clareza sobre o que tem sido feito em casa. Neste momento, os pais ficam responsáveis por fazer o registro pedagógico das atividades, seja das brincadeiras ou do que a criança fez no livro didático.
“Por meio desse processo, a gente consegue ver que famílias estão participando, seja na hora de ir até a cozinha para apresentar novos sabores à criança para que ela descubra o doce e o azedo, ou até mesmo plantar o milho e o feijão para ver qual tem germinação mais rápida e iniciar a uma horta em casa”, diz a educadora do São Luís.
Alessandra, da Plataforma Eleva, ressalta que tudo o que a criança faz pode ser usado para o professor compor o portfólio da criança. “Ela cantou uma música e a mãe gravou um áudio? É uma evidência e isso precisa chegar ao professor”, diz. Por sua vez, o retorno do professor precisa trazer elogios e o reconhecimento. “Não existe o bonito ou feio. Basta um retorno sobre pontos fortes e aquilo que ainda é preciso desenvolver”.
Por mais que o momento gere ansiedade para os professores da educação infantil, a ideia nestas trocas com as famílias sobre as atividades feitas pelas crianças deve evitar o clima de cobrança. “Nessa idade, o mais importante não é a quantidade de trabalho, mas sim manter viva a curiosidade e a paixão que a criança tem pelo mundo. A criança é uma pesquisadora por natureza porque faz pergunta o tempo inteiro. Ela sempre quer saber como as coisas são e como elas funcionam”, lembra.