Negócio social do Ceará ensina jovens a colocar em prática ideias e sonhos - PORVIR
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Como Inovar

Negócio social do Ceará ensina jovens a colocar em prática ideias e sonhos

Educadores do Social Brasilis usam técnicas de gamificação e o ensino híbrido para incentivar alunos a desenhar, prototipar e realizar projetos

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 5 de março de 2018

Criado em 2015 no Ceará, o Social Brasilis cumpre várias etapas de um ciclo de inovações: a ideia foi desenvolvida dentro de um laboratório – o Social Good Brasil –, é capitaneado por dois jovens e tem esse público como alvo, é pioneiro no seu Estado, usa o ensino híbrido, organiza pilotos para testar seus projetos e gera resultados sobre seu impacto.

Nascido do sonho de sua diretora, a educadora Emanuelly Oliveira, 31, que queria mudar a vida das pessoas pela educação, o negócio social cria metodologias de ensino de empreendedorismo social e de uso positivo da tecnologia. Utiliza técnicas de gamificação para ensinar como desenhar, prototipar e realizar projetos. Desenvolve, durante os treinamentos, habilidades como protagonismo e autonomia. O objetivo é que os alunos saiam capazes de colocar em prática as próprias ideias e sonhos.

Para gerar dados qualitativos e quantitativos sobre o trabalho e provar que os cursos geram impacto social, todas as metodologias passam por testes. Produzem, com isso, relatórios que trazem porcentagens, estatísticas e informações detalhadas. “Acreditamos que todos podem ser protagonistas sociais, desde que seja em um projeto significativo, que possa aproveitar no dia a dia dele”, diz Emanuelly.

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A jovem participa desde cedo de movimentos sociais. Aos 9 anos já visitava comunidades nas periferias da sua cidade natal, Quixadá, no sertão do Ceará. Depois disso, criou uma cooperativa de mulheres, que confeccionavam bijuterias com sementes do semiárido para gerar renda para elas e para um projeto social. “Foi o primeiro protótipo do meu projeto, que na época se chamava Brasilis.” O Brasilis se transformou em Social Brasilis em 2015, quando Emanuelly, que é formada em letras pela UFC (Universidade Federal do Ceará), já atuava há quase quatro anos como professora da EJA (Educação e Jovens e Adultos) no bairro Pirambu, na zona oeste de Fortaleza.

Tinha um processo de exclusão digital e social, mesmo com as pessoas estando conectadas. O problema não era mais o acesso. Eles tinham smartphones, mas não sabiam usar a favor deles

“Abandonei os projetos sociais e o empreendedorismo social para me dedicar à docência. Quando comecei, era a professora mais jovem da escola, com 25 anos. Quando cheguei, tive um baque. Via muitos alunos meus abandonando a escola para sustentar a família. Outros faziam algo no tempo livre para tentar reinserir os jovens, para tirar da violência. Faziam sem conhecimento, só porque queriam fazer. Fui conhecer o bairro, as pessoas, onde os alunos viviam. Percebi que o que via na infância ainda acontecia quase vinte anos depois. Tinha um processo de exclusão digital e social, mesmo com as pessoas estando conectadas. O problema não era mais o acesso. Eles tinham smartphones, mas não sabiam usar a favor deles. Faziam projetos que morriam com o tempo porque não tinham sustentabilidade, nem base”, conta Emanuelly.

A educadora iniciou então um projeto de inclusão digital na escola. O trabalho começou a crescer, a ter visibilidade e a ganhar outras proporções. “No final de 2015, resolvi largar a escola. Lá, tinha só minha classe de 40 alunos. Com o projeto, eu poderia atingir mais escolas, mais salas, outros professores e jovens.”

No mesmo ano, Emanuelly levou a ideia ao Social Good Brasil, em Florianópolis, em busca de orientação. Com turmas anuais, o laboratório oferece apoio a empreendedores que querem desenvolver projetos que usam a tecnologia para gerar impacto social. O trabalho tem quatro meses de duração e inclui aprendizagem em ambiente virtual e encontros presenciais.

“Durante a aceleração, realmente aprendi, mais do que validei minhas ideias. Fui tentando absorver várias coisas. Escutei muitas pessoas dizendo que não ia dar certo, em bancas. Senti que talvez não desse certo, que a ideia iria falir. Meu Estado não tinha cultura de empreendedorismo. Era um trabalho pioneiro. Foi durante o lab que vi que podia reinventar o projeto e fazer um negócio social, talvez o primeiro cearense, com tecnologia exponencial, mas teria que trabalhar isso, e que seria algo que ninguém estava fazendo naquele momento. Ia passar por muitas coisas até conseguir validar isso. Foi o que aconteceu. Passei por muita coisa. Cheguei a pensar em desistir várias vezes”, lembra Emanuelly.

socialbrasilis3Crédito: Átila Ulisses

Game Olhares
Ela decidiu convidar Elvis Alves, hoje com 27, que já conhecia de movimentos sociais, para trabalhar com ela. Ele topou. Formado em publicidade, Elvis levou ao Social Good Lab de 2016 ideias de projetos sociais criados por ele no passado. Um deles era o “Olhares Daqui Pra Nós”, que propunha que jovens da comunidade Grande Bom Jardim, onde ele vive em Fortaleza, fizessem vídeos sobre sua realidade. O outro era o “Olhares da Gente”, uma evolução do primeiro que se tornou uma coletânea de textos, com a publicação de 15 histórias de jovens da periferia.

No laboratório, Elvis desconstruiu as ideias dos projetos e começou a desenhar o “Game Olhares”. “Fizemos processos de design thinking, entrevistas com jovens, para construir projetos com olhar na inovação e introduzir tecnologia e empreendedorismo social para jovens atores sociais, mas sempre com um olhar para a comunidade. Sentimos que a gamificação era o caminho para isso”, explica o jovem.

O jogo tem sete fases. Cada uma delas trabalha uma habilidade, como gerenciamento de projetos, de tempo e de pessoas, captação de recursos, comunicação, liderança e trabalho em equipe. Culmina na ação, com a aplicação de um projeto ou ideia na escola ou no bairro. O treinamento funciona como um game real e ao mesmo tempo virtual. É mediado por uma plataforma virtual de aprendizagem, usando o ensino híbrido. “O público-alvo é a juventude que quer ganhar voz. Tem uma ideia, um hobby, e gostaria de desenvolver na sua comunidade”, explica Emanuelly.

O primeiro teste foi feito com uma turma de 35 jovens, de 12 a 18 anos, do 9o ano do ensino fundamental, em parceria com a ONG Quero na Escola, que aproxima escolas públicas e voluntários por meio de demandas feitas por alunos e professores. “O jogo tem um caráter lúdico com a proposta de colocá-los no centro da aprendizagem e da tecnologia. É baseado no olhar e percepção do jovem. Ele vai aprender vivenciando as novas formas de se desenvolver, utilizando vários recursos. Tivemos uma resposta muito legal. Foi uma oportunidade de ver que eles sentem a necessidade de se enxergar não só como alunos mas como membros ativos da comunidade escolar”, conta Elvis.

No total, o “Game Olhares” foi testado com 250 pessoas, em turmas diferentes, incluindo alunos do ensino fundamental 2 e de ensino médio, participantes de projetos sociais na capital e no interior do Ceará. A partir disso, o Social Brasilis gerou um relatório de impacto, com números e relatos sobre o que os estudantes mais aprenderam, se aplicaram o projeto, quais seus sonhos para o futuro. Um dos principais dados, segundo Emanuelly, é que 40% dos participantes sonham em entrar na universidade, mas destes, quase 40% enxergam o ensino superior muito longe deles.

O jogo virou um referencial de que cursos procurar, universidades, de que profissionais gostariam de se tornar. Não sabíamos que teríamos esse tipo de impacto

“Percebemos que o jogo em si não só desenvolveu habilidades, mas apontou caminhos para a formação continuada. Antes, eles não sabiam o que queriam fazer quando o ensino médio acabasse. O jogo virou um referencial de que cursos procurar, universidades, de que profissionais gostariam de se tornar. Não sabíamos que teríamos esse tipo de impacto”, afirma Emanuelly.

Segundo o relatório, parte dos jovens dizia que não tinha e-mail, apesar de ter rede social. “Um jovem disse que nunca tinha visto uma plataforma de ensino. Para ele, internet era sinônimo de Facebook. Eles têm acesso à tecnologia mas não sabem usar. Isso tem a ver com o bullying no cyber espaço e com o uso negativo da web”, alerta a educadora. No interior do Estado, segundo Emanuelly, havia jovens que realmente não tinham acesso à internet. “Traziam os desafios escritos, como se fosse trabalho de escola. Disseram que o jogo ajudou a saber o que queriam e a terem contato com a internet, na instituição social que faziam parte.”

Ainda em 2016, o Social Brasilis passou por incubação da Fundação Telefônica Vivo, contando com investimento e assessoria para o desenvolvimento de capacidades de gestão. “Trabalhamos de domingo a domingo. Vivíamos entre Fortaleza, São Paulo, Florianópolis e o interior de Ceará. Não tivemos vida para colocar o projeto para rodar e mostrar que poderíamos gerar números a partir disso”, afirma Emanuelly.

socialbrasilis2Crédito: Divulgação

Outras metodologias

Além do “Game Olhares”, o Social Brasilis já desenvolveu outras quatro metodologias de ensino. Uma é a “Formação Empreendedora de Base Tecnológica”, um ciclo empreendedor de cinco módulos, com 80 horas de duração. Vai desde a introdução à era digital, passando pelo cyber espaço, projetos de vida, empreendedorismo social com construção de projetos e ação. O curso é uma formação introdutória para empreendimentos de impacto. O piloto ocorreu em 2016, para jovens e líderes comunitários.

A metodologia “Projetos de Vida” é um planejamento pessoal estratégico, baseado na pessoa do empreendedor. Busca autoconhecimento, desenvolvimento na carreira, estratégia de vida e profissional. Até agora, já foram aplicadas cinco turmas. Outra deve acontecer em abril deste ano.

O “Lab” é uma pré-aceleração de negócios de impacto. Voltado para quem tem uma ideia de empreendimento que gere impacto social, usa ferramentas como o design thinking para levar a pessoa para participar de aceleradoras e incubadoras. A primeira turma acontece a partir de abril deste ano. A metodologia “Inovação Criativa” é voltada para empresas que querem desenvolver o intraempreendedorismo. Ensina como inovar e ser criativo dentro do ambiente de trabalho, como criar na empresa. O primeiro teste será feito em 2018.

Reconhecimento

Em 2017, o Social Brasilis ganhou o Prêmio Ozires Silva de Empreendedorismo Sustentável, realizado pelo ISAE (Instituto Superior de Administração e Economia) – Escola de Negócios, do Paraná, como melhor metodologia de empreendedorismo na educação, dado à “Formação Empreendedora de Base Tecnológica”, além de menção honrosa para o “Game Olhares”.

No mesmo ano, o negócio social fechou contrato com a prefeitura de Fortaleza para dar assessoria e acompanhamento a um edital de microcrédito para jovens. Depois disso, foi contratado pela organização social ChildFund Brasil. que apadrinha crianças e jovens, para aplicar o “Game Olhares” em cinco instituições sociais. Em outubro, ganhou a “Comenda Transformando Vidas”, na área de educação, do Fórum IEP de Sustentabilidade, maior evento do setor do Norte e Nordeste. A comenda é uma homenagem a personalidades que contribuíram para o desenvolvimento e melhoria de vida da população ceareanse.

Embaixadores

Para mobilizar mais jovens e fomentar as ações do Social Brasilis, o negócio social conta com jovens embaixadores em Fortaleza, e nas cidades de Sobral e Tejuçuoca, no interior do Ceará. Moradora da comunidade Jardim Iracema, Kaciane Silva, 23, é a embaixadora de Fortaleza. A jovem, que já foi beneficiária do Projeto Criança Feliz, mantido pela ChildFund Brasil, agora faz estágio como facilitadora de juventude na instituição.

No ano passado, Kaciane conseguiu o acompanhamento do Social Brasilis ao ter um projeto aprovado no edital Ação Jovem, da prefeitura de Fortaleza. Tinha R$ 4.000 para usar em um mês. A ideia, dela e de seu grupo de 25 jovens – o Resistência Jovem –, era criar uma roda de conversas para falar sobre o extermínio de jovens e apresentar um show com talentos da comunidade, “para mostrar que existe um outro lado, com jovens resistindo à violência por meio do hip hop, do teatro e da dança”.

“A ajuda foi muito importante. A gente não entendia nada de prestação de contas, de design. Tinha que ter equipe preparada para um evento grande. Eles nos ensinaram a chamar a atenção das pessoas, a fazer o orçamento. A gente se encontrava uma vez na semana para discutir o andamento do projeto. Fizeram todo o acompanhamento”, explica Kaciane. O evento reuniu 325 pessoas, bem mais do que as cem esperadas. Além disso, uma peça de teatro criada pelo grupo passou a ser convidada para apresentações fora da comunidade.

socialbrasilis1Crédito: Divulgação

Kaciane acompanhou a aplicação do “Game Olhares” para um grupo de cerca de 30 jovens no final do ano passado. “Participei como facilitadora. Queria que na época que era beneficiária do projeto tivesse chegado um jogo desses. Trabalha o protagonismo, mostra que você é capaz de ir mais além. Pode dar um retorno para a comunidade, consegue ajudar outras pessoas”, diz a jovem. Agora, ela e seus colegas querem desenvolver o grupo Resistência Jovem. “Já somos independentes. Pensamos agora na autonomia a partir do empreendedorismo social.”

Outro jovem que acompanhou a aplicação do “Game Olhares” foi o educador social Washington Gomes, de 24 anos. Ele gerencia o programa “Jovens Capacitados e Participativos” e o projeto “Identidade e Participação Cidadã”, mantidos pela ChildFund Brasil em Itapiúna. Desenvolve atividades socioeducativas para jovens de 15 a 24 anos, que incluem gerenciamento de recursos financeiros e naturais, oficinas de luta, fotografia, artesanato, monitoramento jovem de políticas públicas do município, entre outros. O projeto atinge diretamente 500 pessoas e indiretamente 1.500.

O “Game Olhares” foi oferecido a um grupo de 50 jovens em oito encontros. “No interior do Ceará, os jovens em situação de vulnerabilidade social têm menos contato com a inovação. A priori, eles acharam muito bacana, mas ficaram meio com o pé atrás. Aos poucos, foram conhecendo a metodologia. Alguns se identificaram mais do que os outros. Entre aqueles que se identificaram, vimos que realizaram as ações e atividades propostas. O saldo foi muito positivo. Vimos o interesse de jovens empreendedores, que não tínhamos reconhecido antes. Conseguimos ver o potencial empreendedor deles”, afirma Washington.

Um exemplo de projeto que surgiu em Itapiúna fala sobre a importância da conscientização sobre bullying nas escolas. Um estudante da cidade percebeu que o conceito poderia ir para outras escolas e virar uma ação municipal, como grupo de debates, que envolveriam a questão da violência, das drogas, da homofobia e da violência. “O estudante fez a ação e viu que poderia ser uma política pública municipal. Ele conseguiu. Aplicou na escola. O jogo aconteceu no final de 2017. Agora vai para a avaliação de impacto com eles, quando eles viram multiplicadores do que aprenderam durante o piloto”, diz Emanuelly, que vai estudar o impacto por no mínimo seis meses.

Devemos crescer em 2018. Estamos conseguindo sentir os resultados do que sonhamos nos dois primeiros anos, não só no Ceará mas fora do Estado também

Campanhas

O ano de 2018 começou com a contratação de um profissional da área financeira na Social Brasilis. “Devemos crescer em 2018. Estamos conseguindo sentir os resultados do que sonhamos nos dois primeiros anos, não só no Ceará mas fora do Estado também. Estão começando a entender como trabalhamos e como mesclar empreendedorismo na educação”, explica Emanuelly. A expectativa é levar o “Game Olhares” para aplicações em Belo Horizonte e São Paulo. “Já fizemos palestras, participamos de diversos eventos em outros Estados e no exterior, mas ainda não aplicamos a metodologia”, diz a educadora.

Ainda neste ano, o negócio social pretende lançar uma campanha institucional para fomentar mais empreendimentos de impacto social no Nordeste e Norte do país. “Essas regiões têm um déficit em relação ao Sudeste e ao Sul”, diz Emanuelly. Haverá eventos para discutir o tema, com mini-cursos gratuitos. “Teremos três desses espaços abertos neste ano. O primeiro será no dia 17 de março”, conta.

Segundo Elvis, durante os trabalhos na capital e no interior do Ceará, ele só confirmou o que já sabia, vendo como as pessoas são criativas e empreendedoras, sempre buscando soluções para suas comunidades. “Precisam surgir mais empreendimentos sociais. Por isso, começamos 2018 com a missão institucional de criar mais negócios sustentáveis no Estado, todos com responsabilidade socioambiental. Queremos mostrar que existem caminhos e maneiras para isso e levantar esta discussão”, diz Elvis.

Estão previstas ainda novas turmas do “Game Olhares”, para 1.500 jovens, durante o primeiro semestre, e a formação de educadores para trabalhar tecnologias com a juventude. O negócio social lançou ainda uma revista institucional dedicada ao protagonismo social e a campanha #EuSouProtagonista, com histórias de jovens de todo o Brasil. No segundo semestre, haverá um curso de introdução ao empreendedorismo em parceria com a prefeitura de Fortaleza.


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aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem colaborativa, autonomia, competências para o século 21, empreendedorismo, inclusão, negócios de impacto social, socioemocionais

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