O que você estava fazendo aos 13 anos? De Mozart às redes sociais - PORVIR
Bruno Peres/Agência Brasil

Inovações em Educação

O que você estava fazendo aos 13 anos? De Mozart às redes sociais

Em artigo para o Porvir, o médico e pesquisador Rubens Bollos propõe que os professores adotem uma abordagem multi e transdisciplinar, incluindo filosofia, história, psicologia, neurociência e cultura, para embasar o debate sobre identidade e a adultização precoce

por Rubens Bollos ilustração relógio 13 de agosto de 2025

Quando pensamos nos desafios da adolescência, é impossível não perceber como essa fase da vida tem mudado ao longo do tempo. Em gerações passadas, aos 13 anos, muitos jovens já assumiam responsabilidades como trabalhar, ajudar nas tarefas de casa ou aprender um ofício. A pressão era para ser uma mão de obra para a sobrevivência própria da família, uma adultização precoce.

Após tantas conquistas para preservar a infância e a adolescência, hoje, elas são marcadas por outro tipo de pressão: a “adultização” para o ingresso na maturidade precoce da vida sexual, erotização sem vínculos afetivos, muito mais próxima da pornografia, o que implica na antecipação de comportamentos e demandas típicos da vida adulta, muitas vezes sem que os jovens estejam emocionalmente preparados e biologicamente amadurecidos.

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Se no passado eram apoiadores da família, hoje, infelizmente, observamos que são explorados e estimulados pelos próprios pais e mídias para serem “bem-sucedidos” financeiramente. O escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez já antecipava esta questão da crise moral e da parentalidade predatória em seu livro “A Incrível e Triste História da Cândida Erêndida e Sua Avó Desalmada”, quando a avó obriga a neta a se prostituir para pagar-lhe uma dívida após um incêndio.

A recente repercussão de um vídeo do youtuber Felca, que denuncia o impacto da exposição precoce à sexualização e à pressão por comportamentos adultos nas redes sociais, trouxe à tona a urgência de refletirmos sobre essa questão.

Qual o impacto das redes sociais na sexualização precoce dos adolescentes? O que a neurociência tem a nos dizer sobre o desenvolvimento do cérebro adolescente e o impacto da adultização precoce? Como o cérebro adolescente responde às pressões externas e de que maneira isso pode afetar seu amadurecimento emocional e cognitivo?

Ao abordar esse tema, o professor pode se apoiar na ciência, na cultura e na psicologia para ajudar os estudantes a entender o que acontece no cérebro durante a adolescência e como as pressões externas (redes sociais, cobrança por comportamentos adultos, entre outras), podem afetar seu desenvolvimento emocional e cognitivo.


Por onde começar?

Antes, é importante que nós, adultos, façamos a pergunta: o que você estava fazendo aos 13 anos?

Aos 13 anos, Mozart, uma das maiores referências da música clássica, já havia composto sinfonias, concertos e óperas, sendo aclamado por reis e imperadores da Europa. Mendelssohn, também compositor e pianista, na mesma idade, finalizava seu “Concerto para Violino e Orquestra de Cordas em ré menor” (1822), obra que permanece no repertório clássico até hoje. 

Beethoven, quando adolescente, trabalhava na corte de Bonn como pianista e violinista, e escreveu suas primeiras sonatas para piano aos 11-12 anos. Bach, após ficar órfão aos 10 anos, mergulhou na prática intensiva de órgão e composição sob a tutela do irmão.

Casos assim impressionam, mas não surgem no vácuo. Aqui cito exemplos biográficos de músicos não apenas por seu valor histórico, mas também porque fizeram parte das minhas referências formativas na infância, período em que fui exposto à literatura e à apreciação musical. Talentos precoces resultam de predisposição individual, disciplina, estímulos adequados e, sobretudo, da convivência em um ambiente que oferece segurança material e simbólica.

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O que significa ser adolescente hoje?

Mas o que significa ter 13 anos ontem e hoje? A antropologia (ciência que estuda o ser humano e suas culturas) e a etnobiologia (ramo da antropologia que analisa o conhecimento tradicional sobre a natureza das diferentes culturas) apontam que essa fase coincide com transformações biológicas profundas: puberdade, remodelação cerebral e fortalecimento dos vínculos sociais, vistas historicamente como um marco de reconfiguração identitária.

No passado, a adolescência trazia responsabilidades concretas: ajudar na economia doméstica, aprender um ofício ou trabalhar no campo e na oficina. Essas práticas fortaleciam a autonomia, a resiliência e a capacidade de decisão. Hoje, leis contra o trabalho infantil buscam evitar exploração e garantir um desenvolvimento seguro.

No entanto, em muitos contextos atuais, a adolescência é marcada por hiperproteção, excesso de conexão digital e falta de desafios reais. Sem experiências que testem seus limites, aumentamos o risco de formar adultos inseguros, com baixa tolerância à frustração e dificuldade para assumir compromissos duradouros.

Aos 13 anos, além de vivenciar transformações físicas e cognitivas intensas, a pessoa atinge também um marco cultural e espiritual presente em diversas tradições. É a idade em que, no judaísmo, ocorre o Bar Mitzvah (meninos) ou Bat Mitzvah (meninas, geralmente aos 12), simbolizando entrada na vida religiosa e comunitária responsável; em tradições cristãs, corresponde à confirmação ou profissão pública da fé, como o batismo ou a crisma; no candomblé e em outras tradições afro-brasileiras, podem ocorrer iniciações religiosas; e, em culturas indígenas, rituais entre os 12 e 14 anos marcam a passagem para a vida adulta com novas responsabilidades e direitos.

Como o cérebro se desenvolve durante a adolescência?

A neurociência mostra que, entre a infância e a adolescência, o cérebro vive um período de intensa neuroplasticidade, criando milhões de novas conexões neurais a cada dia. Nesse mesmo momento, ocorre a poda sináptica, mais acentuada entre o fim da infância e o início da adolescência, por volta dos 13 anos, quando o cérebro elimina conexões pouco utilizadas e reforça as mais importantes.

Atividades como leitura, música, artes, esportes, contato com a natureza e boas conversas fortalecem redes neurais que sustentam habilidades cognitivas e emocionais por toda a vida. Sem estímulos consistentes nessa fase, a chamada reserva cognitiva (capacidade do cérebro de criar e preservar conexões para compensar perdas) diminui e eleva o risco de declínio intelectual precoce e de transtornos mentais.

Pesquisas recentes indicam que a diversidade e a qualidade dos estímulos recebidos na adolescência moldam de forma duradoura a resiliência e a cooperação social. E como promover o florescimento humano? Sem alimentação adequada, segurança e equilíbrio emocional, é impossível criar, educar ou aprender. A teoria ou hierarquia das necessidades, criada pelo psicólogo Abraham Maslow, é um modelo que organiza as necessidades humanas em uma pirâmide, do básico ao mais complexo. Ela mostra que o desenvolvimento integral exige atender, na base, as seguintes etapas:

– Fisiológicas: alimentação, sono, abrigo;
–  Segurança: estabilidade física e emocional;
– Sociais: vínculos e pertencimento;
– Estima: reconhecimento e autonomia;
–  Autorrealização: criatividade, altruísmo e propósito.

Mozart, Mendelssohn, Beethoven e Bach prosperaram porque tiveram essas bases garantidas, apesar de enfrentarem desafios como pais exigentes e até violentos, comuns na época. Onde há insegurança alimentar, instabilidade emocional ou violência, a energia mental se concentra na sobrevivência, não na criação.

Agência Brasil

Quais são os impactos da falta de atendimento às necessidades dos adolescentes?

Quais as consequências, hoje, quando relações parentais não suprem as necessidades básicas? Se no passado os desafios dos 13 anos vinham da vida familiar ou comunitária, hoje um dos maiores riscos está nas redes sociais e na falha moral e regulatória da parentalidade e das plataformas digitais.

Ainda sobre o vídeo do Felca, se falou sobre meninas e seus pais. E os meninos do vídeo? Mais um vez, observamos que meninos são negligenciados pela mídia e pela atenção de profissionais, o que reforça a falta de cuidado com abusos sofridos por eles. Como médico, observo que, na história de muitos homens agressivos e abusivos, há traumas vividos na infância, frequentemente causados por adultos próximos, como professores, mentores ou familiares. A série Adolescência, da Netflix, fala exatamente desta mesma questão.  No meio cultural, esportivo, não faltam relatos de assédio por parte de agenciadores, por exemplo.

Como podemos garantir que os adolescentes sejam protegidos e acolhidos?
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e a Child Rights International Network, em 2024 o Brasil registrou quase 290 mil denúncias de crimes contra crianças e adolescentes (22,6% a mais em relação a 2023). O país passou da 27ª para a 5ª posição mundial em denúncias de abuso sexual infantil online (2022–2024). O cyberbullying atinge 13,2% dos adolescentes (IBGE – PeNSE), mas apenas 10% dos casos são denunciados, com baixíssima taxa de condenação.

Estudos sobre o neurodesenvolvimento psicossocial alertam que a exposição precoce à sexualização compromete o desenvolvimento emocional e pode gerar traumas duradouros. A ciência mostra que o cérebro adolescente ainda está em formação, especialmente nas áreas de julgamento e autocontrole aos 13 anos, na região neocortical. Estímulos inadequados nessa fase deixam marcas profundas e disfunções permanentes. Quanto mais precoce o trauma, pior o desfecho, como já sabemos.

Assim como Mozart, Mendelssohn ou Beethoven floresceram com suporte, os jovens de hoje precisam de ambientes, físicos e digitais, que os protejam, estimulem e respeitem seus tempos de amadurecimento. Quando falhamos em protegê-los, não apenas colocamos vidas em risco, mas também comprometemos o futuro da nossa civilização.

Se existe o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), como aplicá-lo se é ignorado? Se existe a ética profissional, como aplicá-la nas plataformas digitais? A crise hoje é moral.

E estimulo para que as escolas incluam, de forma estruturada, disciplinas sobre direitos e deveres, bem como educação para a autopreservação e o autocuidado, preparando os jovens para reconhecer riscos, agir com responsabilidade e proteger sua integridade física, emocional e digital.

Sorrindo, amigos adolescentes tiram selfie nas escadas de uma escola do ensino médio
Crédito: Eduard Figueres/iStock

Futuro e responsabilidades

Investir nos primeiros anos de vida e na adolescência é um ato de engenharia social para a evolução da civilização. Quanto maior a reserva cognitiva coletiva, mais preparados estaremos para enfrentar desafios complexos, inovar e conviver de forma saudável.

Esse investimento é também espiritual e ético: formar adolescentes capazes de compreender e respeitar o outro, encontrar propósito e atuar com responsabilidade coletiva é o caminho para sociedades mais pacíficas e justas.

Filosofia e educação oferecem referências valiosas. O filósofo grego Platão via a educação como a arte de orientar a alma para o que é melhor. Já Aristóteles defendia a phronesis, equilíbrio entre razão e emoção. Rousseau, por sua vez, alertava que o ensino deve respeitar o ritmo de cada idade, antecipando a educação personalizada.

A educadora Maria Montessori mostrou que ambientes ricos em estímulos liberam o potencial humano desde cedo. Todos esses modelos partem de uma base comum: a confiança na vida. O psicólogo Erik Erikson reforça essa ideia, e Rudolf Steiner, criador da Antroposofia (uma abordagem que integra aspectos espirituais, psicológicos e físicos do ser humano) lembra que educar os sentidos sustenta a saúde moral na vida adulta e integra o conceito de biografia humana. Essa abordagem propõe acolher e mostrar às crianças que o mundo é bom e belo; sem isso, não é possível construir o discernimento para o que é verdadeiro ou falso.

Essas ideias dialogam com a neurociência contemporânea: sem segurança, não há criatividade; sem desafio, não há amadurecimento; sem ritos de passagem, não há identidade sólida; sem proteção, não há futuro.

O que estamos oferecendo, então?

A pergunta “o que você fez aos 13 anos?” pode ser comparativa, mas também é um convite à ação: que desafios proporcionamos aos adolescentes de hoje? Garantimos a eles dignidade, segurança e estímulo para que desenvolvam resiliência e criatividade? Estamos formando adultos capazes de equilibrar rigor e misericórdia, razão e emoção, talento e responsabilidade?

A genialidade pode ser rara, mas o potencial humano é vasto. Ele floresce plenamente quando a base é sólida: segurança, estímulo e propósito. O que damos aos nossos adolescentes hoje será o que receberemos deles no futuro.


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neurociência, redes sociais, tecnologia

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