O que boas experiências de promoção de saúde mental nas escolas têm a dizer?
Levantamento observou pontos comuns em iniciativas de promoção do bem-estar e saúde mental na Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos, Finlândia, Reino Unido e Cingapura
por Maria Victória Oliveira 11 de fevereiro de 2022
A pandemia de Covid-19 agravou e deu maior destaque ao desafio da saúde mental. Por isso, o tema precisa ser melhor estruturado e trabalhado dentro das redes de ensino e escolas brasileiras.
Além da preocupação com a contaminação pelo vírus, crianças e jovens tiveram suas rotinas transformadas com o fechamento das escolas. Isso implicou perda do contato presencial com colegas e professores e, em muitos casos, dificuldades para acessar as atividades pedagógicas e falta de estímulos à atividade física. Educadores, por sua vez, precisaram aprender a como dar aula online, muitos tiveram perdas financeiras e sofreram com a ansiedade e insegurança de não conseguir contato com seus alunos.
Pensando na importância de as escolas se atentarem à saúde mental dos estudantes e de seus colaboradores em um novo ano letivo, a consultoria Vozes da Educação acaba de lançar o levantamento “Boas práticas de saúde mental nas escolas: um olhar para oito países”, realizado a pedido e com apoio da Fundação Lemann.
Foram analisadas iniciativas relacionadas à saúde mental na Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos, Finlândia, Reino Unido e Cingapura, muitos desses países reconhecidos por suas boas práticas no que tange a educação de crianças e jovens.
O que é saúde mental?
Ao contrário do que muitos podem pensar, saúde mental não é a ausência ou presença de transtornos mentais, mas sim um estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe e tem consciência das próprias habilidades e das tensões normais da vida.
A saúde mental é tão importante que está presente na definição de saúde segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde): “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”.
Os fatores essenciais
Carolina Campos, diretora-executiva do Vozes da Educação, explica que um dos principais achados do estudo são os dez fatores para que iniciativas de saúde mental nas escolas tenham bons resultados: ancoragem legal e orçamento específico; intersetorialidade; comunicação e combate ao estigma; equipe dedicada; formação dos envolvidos; material estruturado; integração com o currículo; intervenção precoce; processos claros de encaminhamento; e envolvimento da comunidade.
Ao observar as ações pesquisadas, alguns fatores são coincidentes. Em seis dos oito países analisados, identificou-se a existência de parcerias entre a escola e organizações externas, observando o fator da intersetorialidade. “As políticas de saúde mental são intersetoriais, você nunca vai trabalhar só com a Secretaria de Educação, você precisa trabalhar com a Secretaria de Saúde, de Assistência Social, com a Secretaria da Mulher, com uma série de outras secretarias”, pontua Carolina.
Os efeitos da pandemia
Um dos principais objetivos do levantamento é reunir boas práticas e, com isso, apontar caminhos que escolas e redes de ensino podem seguir para promover a saúde mental e garantir o cuidado com aqueles que estão enfrentando alguma questão, sobretudo depois de dois anos intensos em razão da pandemia.
Carolina conta que costuma dizer que o coronavírus é o vírus da verdade. Ou seja, as questões de saúde mental já existiam antes, mas a pandemia “sacudiu a poeira que estava debaixo do tapete”.
“Reabrimos as escolas e estamos vendo crianças obesas, com ansiedade, com depressão, jovem que tem pânico de ir para a escola. Então esse problema só foi agravado pela pandemia e, agora, mais do que qualquer momento, precisamos fazer com que as pessoas entendam e lidem com isso.”
Como combater o estigma
Um dos fatores essenciais apresentados pelo levantamento é a comunicação e o combate ao estigma. Para Carolina, esse é um dos principais desafios para promover e trabalhar saúde mental nas escolas brasileiras, pelo fato de existir uma ideia de que falar sobre o tema é feio ou vergonhoso.
“Para crianças e, sobretudo, para os adolescentes, é muito difícil falar sobre saúde mental porque há um receio enorme de julgamento. Tem ignorância, preconceito e discriminação envolvidos. Então eles podem ser chamados de doidos ou de malucos. Além disso, existe uma questão de gênero que mostra que ao mesmo tempo que meninos são mais propensos a serem estigmatizados, também são a estigmatizar.”
Por isso, investir em diferentes tipos de comunicação é um passo essencial. Para a diretora, é necessário trabalhar em redes sociais e diretamente com pais, mães e famílias a importância desse tipo de iniciativa e projeto na escola, considerando que a sociedade como um todo é reticente sobre o debate do assunto.
Qual é o papel da escola?
Outro ponto que pode ser um dificultador para a realização de projetos relacionados à saúde mental e bem-estar nas escolas é justamente o papel da instituição de ensino.
Carolina explica que, muitas vezes, a escola afirma não ter responsabilidade sobre essa questão. “Um estudo realizado na Índia identificou que 70% dos professores acreditavam que depressão é fraqueza e não doença. Tenho certeza que se repetíssemos um estudo desse no Brasil, talvez tivéssemos dados próximos disso. Então existe uma tendência de achar que depressão é bobagem e que a escola não tem nada a ver com isso.”
Trata-se de uma percepção equivocada. É intuitivo afirmar que um local onde crianças e jovens passam grande parte do seu dia – e de suas vidas – deve dar uma atenção especial ao tema, atuando na promoção da saúde mental, prevenindo o surgimento de questões e encaminhando eventuais casos para tratamento e recuperação. E, segundo Carolina, é aqui que mora o segredo.
As escolas não devem se sentir responsabilizadas por tratar crianças, jovens ou colaboradores com questões de saúde mental, mas sim estarem atentas ao eventual surgimento desses casos. Ao identificá-los, gestores devem iniciar um processo de acompanhamento dessa pessoa até os serviços de saúde especializados, que constitui um dos dez fatores identificados no levantamento.
“Eu sempre falo: quando o estudante quebra o braço, não é a escola que vai engessar. O aluno vai ser encaminhado para o hospital, e a escova vai acompanhá-lo até ele efetivamente ir para o hospital. Quando falamos de saúde mental é a mesma lógica. A escola precisa aprender a identificar o problema sem tornar essa identificação um estigma, e sem fazer dela uma medicalização ou ficar dando diagnósticos”, pontua Carolina.
Para isso, entretanto, é necessário formação dos envolvidos e a presença de uma equipe dedicada, dois outros fatores de sucesso das iniciativas.
Importante reforçar que a atenção à saúde mental não é válida apenas para estudantes, mas também para funcionários, colaboradores e a equipe pedagógica da escola.
Iniciativas brasileiras
Algumas iniciativas brasileiras marcaram presença no levantamento, como é o caso do LIV – Laboratório Inteligência de Vida, Coordenadoria Psicossocial e Educacional (Caruaru – PE), Programa V.I.D.A (Londrina – PR), uma iniciativa da prefeitura de Mogi das Cruzes (SP), o livro “Corações e Mente, Ame Sua Mente” (centro sul de São Paulo – SP) e outro projeto da Secretaria Estadual de Educação do Ceará.