Para desenvolvimento do país, educação precisa ser tratada como política de Estado, não de governo - PORVIR
Crédito: FG Trade/iStock

Inovações em Educação

Para desenvolvimento do país, educação precisa ser tratada como política de Estado, não de governo

A abertura do Seminário Internacional Sesi Senai de Educação, realizado em Brasília (DF), teve como destaque a importância de políticas educacionais se tornarem políticas de Estado para evitar retrocessos*

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 17 de março de 2023

Na abertura do Seminário Internacional Sesi Senai de Educação, evento realizado em Brasília (DF) para debater o papel da educação no desenvolvimento do país, uma das principais mensagens trazidas pelos palestrantes foi: políticas educacionais precisam se tornar políticas de Estado, e não de um governo, sob risco de retrocesso.

A sessão de abertura contou com a participação de Rafael Lucchesi, diretor superintendente do Sesi (Serviço Social da Indústria) e diretor geral do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o ministro da Educação, Camilo Santana, e o ex-ministro da Educação e Ciência de Portugal, Nuno Crato. Também participaram do debate Pilar Lacerda, Priscila Cruz e Victor de Angelo, secretário de Educação do Espírito Santo e presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação).

Rafael Lucchesi explicou que o seminário tem como missão acompanhar experiências que acontecem no Brasil e no exterior para pensar em uma escola que dialogue com o século 21 e se torne um espaço mais atrativo e inovador. “Estamos vivendo em uma sociedade do conhecimento com enorme velocidade transformacional, e a escola não pode ficar à margem desse processo. Ela tem que dialogar com as transições tecnológicas”, diz.

Se antes os ciclos tecnológicos poderiam ser facilmente separados a cada 50 ou 80 anos, agora o cenário é outro. “Com a Quarta Revolução Industrial, esse ciclo tecnológico está cada vez mais encurtado”, comenta, reforçando a importância da educação para definir os rumos do país.

O executivo do Sesi e do Senai também comparou o desempenho econômico e industrial do Brasil com o de outros países, como China e Coreia do Sul, e destacou como se aproveitaram da Terceira Revolução Industrial. Perto dos anos 1980, o país chegou a ter uma produção industrial equivalente à soma da chinesa e da coreana – parte da explicação para o baixo crescimento econômico brasileiro passaria pela educação.

Mensagem de diálogo

Em uma fala rápida, o ministro da Educação Camilo Santana destacou prontamente: “professores precisam ser cada vez mais valorizados e respeitados pela importância que eles têm para o desenvolvimento de um país”. O ministro também disse que, sob ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve convocar em breve secretários estaduais e municipais de Educação, além de prefeitos e governadores, para uma “grande pactuação”, algo que relembra as primeiras medidas adotadas em Sobral (CE), cidade que escalou índices nacionais de aprendizagem nas últimas duas décadas.

“Se tivéssemos uma política nacional bem coordenada, com regime de colaboração forte com a cobrança e a fiscalização da sociedade civil das entidades que trabalham a educação, nós não teríamos tanta distorção em todos os indicadores do ponto de vista regional e estadual que nós temos hoje no Brasil”.

Ao comentar a necessidade de dobrar a meta de matrículas no ensino profissionalizante, conforme estabelecido pelo PNE (Plano Nacional de Educação), Camilo ressaltou como uma eventual parceria com o Senai para utilizar os equipamentos disponíveis nos estados é estratégica. Em uma breve menção ao ensino médio e suas regras mais recentes, que foram alvo de protestos pelo país nesta quarta-feira (15), Camilo disse: “A primeira coisa que estamos fazendo é abrir as portas do Ministério da Educação para o diálogo que foi interrompido ao longo dos últimos quatro anos neste país”.

Cenário internacional

Nuno Crato, ex-ministro da Educação e Ciência de Portugal, apresentou um panorama sobre as políticas educacionais e o ensino profissional em diferentes países, ambos voltadas à empregabilidade

Primeiramente, ele alerta que a educação não vai bem quando se olha para dados mundiais consolidados. “Cerca de 66%, ou seja, dois terços dos jovens entre 16 e 24 anos, não atingem o que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) chama de competências mínimas”. Isso se traduz no dia a dia em uma dificuldade em ler um texto simples ou fazer uma conta de porcentagem para um desconto em uma compra. “Pode parecer um pouco chocante, mas em termos de desenvolvimento de um país, não basta trazer as crianças para a escola. É preciso que elas tenham qualidade para que possam se desenvolver da forma que gostaríamos”, afirma Nuno Crato. 

Em seguida, Nuno defendeu avaliações em larga escala para acompanhar a aprendizagem, inclusive daqueles em situação de vulnerabilidade, estratégia que permitiu a Portugal melhorar sua posição em rankings internacionais de educação ao longo da última década. “Às vezes, pode-se dizer que com mais currículo e mais avaliação prejudicamos os mais desfavorecidos, mas o exemplo de Portugal mostra exatamente o contrário.” Por mais que os números portugueses sejam positivos, essa estratégia não é totalmente defendida por especialistas que defendem uma ação mais holística.

O especialista em matemática e estatística também defendeu que os jovens não devem sempre seguir o mesmo caminho escolar. “Os percursos vocacionais são muito importantes, porque há jovens que, em determinado momento, precisam e querem um ensino mais prático e técnico. É um sistema de combate ao abandono escolar, porque há jovens que não querem estudar física e matemática para serem engenheiros, mas que gostariam de estudar fotografia e som para serem jornalistas, por exemplo.”

Um fator que também impacta positivamente esse tipo de aprendizagem de múltiplas vias, segundo Nuno, é ter a parceria com empresas. Ele ponderou a experiência portuguesa: “Este foi um erro que cometemos em Portugal: fazer o ensino profissional de um lado e deixar as empresas de outro”. Essa situação levou a uma certa rejeição das empresas em aceitar egressos do ensino técnico, que seria, inicialmente, o maior propósito dessa trilha educacional.

Assista ao debate na íntegra:

Aprendizagem contextualizada

Em uma fala que defendeu as atuais regras para o ensino médio, o secretário de educação do Espírito Santo e presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) Vitor de Angelo disse que, além de ensinar, a preocupação de gestores públicos precisa estar na redução das desigualdades e na oferta de uma educação contextualizada, em vez de “ensinar tudo, durante muito tempo, para todas as pessoas, sendo que elas são diferentes entre si”.

Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG (sigla para organização não governamental) Todos pela Educação, também colocou o combate das desigualdades educacionais e sociais como prioridade para políticas públicas e afirmou que um dos caminhos para isso está em oferecer um ensino médio que não seja monolítico.

“Esse é o caso de Portugal, é o caso dos países europeus, é o caso dos países asiáticos, é o caso do Canadá e dos Estados Unidos. Não existe esse ensino médio monolítico apertado em quatro horas que a gente tinha no Brasil. A discussão dessa reforma do ensino médio foi introduzida aqui no país como uma forma de responder a essa situação absolutamente complicada”, disse.

Ao falar dos itinerários formativos, a parte flexível do currículo que foi planejada para aprofundamento em áreas de interesse do estudante, Priscila avalia que as secretarias vão ter que rever certas estratégias. “Os itinerários precisam ser sim mais bem organizados e não ter essa infinidade de possibilidades que a gente tem hoje no país. É importante que a gente vá agora caminhando para uma consolidação. Mudanças substantivas precisam ser feitas sim, mas isso não significa que a gente tem que jogar tudo fora”.

Para Priscila, o atual desenho do ensino médio tenta ser mais moderno e responder às várias juventudes, o que não era possível anteriormente quando havia mais de 10 disciplinas obrigatórias. “Não é compatível você querer celebrar as diversidades, as diferentes juventudes e toda a riqueza cultural, produtiva, natural e cultural do país com o mesmo ensino médio para todo mundo”.

Formação de professores

No final de sua participação, Priscila mencionou uma recente pesquisa feita pelo Todos Pela Educação, em uma parceria com o Itaú Social, o Instituto Península e o movimento Profissão Docente, que traz como principal mensagem o fato de os professores sentirem que a formação inicial feita 100% a distância não os prepara adequadamente. 

O levantamento ouviu 7 mil docentes em todo o país e alerta que nada menos que 61,1% dos concluintes de licenciaturas vieram da modalidade EAD (ensino a distância). “São cursos de R$ 89,90 a R$ 129,90, caça-níqueis, que estão fazendo com que esse professor chegue absolutamente despreparado à sala de aula. A gente precisa melhorar a regulação dessa formação. Não dá para deixar solto dessa forma.” 

De acordo com Priscila, é preciso ter um projeto mais sistêmico para educação pública brasileira: “Um elemento sem o qual não existe a menor possibilidade de melhorar, garantir aprendizagem, ter uma escola acolhedora, digna na qual todo mundo se desenvolve em várias dimensões, é o professor”. 

“Tem que acabar com a farra do EAD. Não vejo saída para a profissão docente se a gente não mexer com aqui com coragem. Eu sei que é minado, eu sei que é politicamente sensível, mas se não fizer isso eu não consigo ver uma melhora substantiva nos próximos anos. Mexer com isso é valorizar o professor. Dizemos ao professor que está tudo bem ter uma formação a distância, mas não ao médico, não ao engenheiro e não ao advogado”. 

Sobre o seminário 

O seminário faz parte da programação do Festival Sesi de Robótica, com a participação do governo e de especialistas da área de educação, gestores, coordenadores e docentes. A edição é gratuita e direcionada a pedagogos da rede pública e particular de ensino, diretoria e gestores da CNI (Confederação Nacional da Indústria), do Sesi e do Senai, especialistas e gerentes de educação de empresas e formadores de opinião com atuação em educação, inovação e tecnologia. 

*O jornalista acompanha o evento em Brasília a convite do Sesi


TAGS

competências para o século 21, ensino fundamental, ensino médio, formação de professores, tecnologia

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