Passeios fotográficos revelam o olhar das crianças sobre a cidade
Oficina sensibiliza famílias e educadores para escutar crianças por meio de fotos e reflexões que trazem a perspectiva delas sobre o espaço público
por Marina Lopes 12 de abril de 2018
Trânsito, ruídos sonoros, comércio de rua e intensa circulação de pessoas. Diante do aparente caos da região central de São Paulo (SP), uma cena chama a atenção: crianças caminham pelo espaço público para tirar fotos do que elas gostam ou não na cidade. Acompanhadas de adultos e munidas de celulares, tablets e máquinas fotográficas, elas começam a rota na altura do número 147 da rua do Carmo e seguem até a praça da Sé, onde está o Marco Zero da capital. No meio do caminho, uma pausa para explorar pátio externo do Poupatempo, prédio que reúne serviços públicos, como emissão de RG, CNH ou Carteira de Trabalho. “Dá pra brincar aqui”, diz um dos meninos enquanto corre, quase como se quisesse dar uma nova utilidade ao espaço.
A jornada fotográfica faz parte da oficina “Olhar das crianças sobre Sampa”, realizada pela Rede Conhecimento Social (organização integrante do GT Criança e Adolescente, da Rede Nossa São Paulo). Para ir além do que os indicadores mostram sobre a cidade, a proposta é identificar como as crianças enxergam o lugar onde vivem. Por meio de campanhas periódicas que mobilizam famílias, educadores e instituições, elas são incentivadas tirar fotos que refletem a sua forma de se relacionar com a cidade, seja nos aspectos positivos ou negativos.
Entre os registros mais comuns feitos pelas crianças durante a caminhada, costumam aparecer árvores, cachorros, desenhos coloridos e monumentos. Por outro lado, elas também revelam descontentamento com buracos, sujeira e desigualdade social. “Eu não gostei do lixo na rua, é muito lixo acumulado. Também tem casas destruídas e buracos na rua. Alguém pode tropeçar ou pode acontecer alguma coisa ruim”, alerta Júlia Freire, 9.
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Com cerca de 20 crianças, com idades entre 7 e 12 anos, ela saiu para o passeio fotográfico acompanhada de integrantes da Rede Conhecimento Social e educadores do Projeto Curumim, do Sesc Carmo. Em boa parte das suas fotos, Júlia captou flores e espaços com área verde. “Eu gosto de natureza [na cidade], mas ainda prefiro a Amazônia porque lá só tem árvores”, diz a menina, admitindo que nunca foi para a região norte do país, mas já viu fotos do local.
Os espaços fotografados pelas crianças também tiveram relações com experiências afetivas individuais. Duda Schlinz, 11, fez questão de fotografar o prédio da sua creche. “Eu estudei lá, achei especial”, conta.
“Não temos apenas um território como foco, temos toda a cidade de São Paulo. A ideia é espalhar essa lógica de valorizar a percepção das crianças sobre a cidade”, explica Marisa Villi, cofundadora e diretora executiva da Rede Conhecimento Social, que desenvolveu a metodologia de escuta das crianças por meio de registros fotográficos e reflexões. Ela afirma que essa atividade traz muitas pistas sobre como as crianças se relacionam com o espaço público. “Elas trazem a vivência delas para a foto. Isso também pode ser feito dentro da escola, de uma ONG ou até mesmo em casa”, sugere.
A metodologia da oficina está baseada em três momentos: sensibilização, expedição e curadoria. No início, acontecem rodas de conversa e são estabelecidos pactos, principalmente no que diz respeito à segurança das crianças nas ruas. Antes de partir para a caminhada, como uma espécie de aquecimento, elas são estimuladas a desenhar lugares que gostam na cidade. Arthur Alves, 10, fez espaços equipados com tecnologia de ponta, incluindo televisão, Wi-Fi de 100 MEGA, jogos de realidade virtual e hologramas. “No futuro a gente vai depender da tecnologia. Isso é fundamental”, indica o menino, que durante a expedição fotográfica fez questão de também mostrar as árvores, porque “elas dão ar puro de graça”.
No segundo momento, durante a passeio, as crianças saem acompanhadas de adultos e começam a fotografar. Quando encontram algo que chama atenção pelo caminho, pedem o equipamento e fazem o seu registro. Depois, explicam se gostam ou não daquilo. “Acho muito interessante como as crianças ressignificam o espaço. O pátio [externo] do Poupatempo, por exemplo, para elas significa um lugar para brincar, mas ele não tem essa proposta. O espaço público não é acolhedor para as crianças, tudo é uma espaço adulto”, observa a fotógrafa Cami Onuki, que acompanhou a oficina para fortalecer o uso das imagens como ferramenta de construção e disseminação de conhecimento.
Após explorar o espaço público, chega a hora de sentar com as os participantes para selecionar e refletir sobre as fotos. Cada imagem é nomeada conforme as explicações dadas pelas crianças. “A foto estimula as crianças falarem. Elas vão se abrindo, e isso gera uma intimidade”, diz Harika Maia, consultora de projetos da Rede Conhecimento Social. Ela conta que, ao término das oficinas, as fotos são disponibilizadas no “Observatório da Primeira Infância”, uma plataforma criada pela da Rede Nossa São Paulo, com o apoio da Fundação Bernard van Leer, que disponibiliza indicadores sobre as condições de vida de crianças em diferentes aspectos, como saúde, educação, uso da cidade, infraestrutura e planejamento urbano, consumo responsável, cultura, esporte, economia criativa e sustentável e equidade social.
A proposta é trazer a visão das crianças para os indicadores sobre infância. Para facilitar e difundir a escuta por meio de fotos, foi criada a campanha “Olhar das crianças”, que estimula a reprodução dessas oficinas em diferentes contextos. “A nossa ideia é não precisar ir nos lugares para fazer essa oficina. As pessoas podem ter acesso a esse material, multiplicar [a metodologia] e mandar as fotos para Rede Nossa São Paulo subir na plataforma.”
A metodologia de escuta desenvolvida pela Rede Conhecimento Social está disponível online no Guia Observatório da Primeira Infância em 5 passos.