Período de aulas remotas faz o professor reassumir papel de aprendiz - PORVIR
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Coronavírus

Período de aulas remotas faz o professor reassumir papel de aprendiz

Maior integração entre corpo docente, adaptação curricular, aproximação entre família e escola e diversificação de estratégias para engajar estudantes são legados do período de aulas remotas

Parceria com CLOE

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 10 de setembro de 2020

Apesar de dividir opiniões, a expressão “novo normal” traz consigo a ideia de que as coisas não serão mais como antes da pandemia. Um dos setores que passou por profundas transformações foi a educação: gestores, diretores, coordenadores, professores e estudantes precisaram criar novas formas de manter o processo de ensino aprendizagem mesmo à distância, o que rendeu aprendizados.

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É quase unanimidade que, no momento de transição entre o fechamento das escolas e o início da educação remota, um dos maiores desafios foi estabelecer uma comunicação mediada pela tecnologia. Além do fato de que ninguém estava preparado para esse cenário, muitos professores não tinham nenhuma familiaridade com tecnologia. “Não podemos esquecer que essa é uma nova linguagem, um novo formato. Fazer um letramento digital básico, além de praticar, conhecer e testar novas ferramentas foi muito necessário”, explica Letícia Lyle, fundadora da Camino School e da plataforma CLOE.

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Para ela, foi importante considerar todo o processo de aprendizagem. Ou seja, para os professores aprenderem a lidar com a tecnologia, não bastou, por exemplo, entregar um tutorial, mas possibilitar momentos de aplicação do conhecimento e de conversa sobre esse desafio. Na Camino School, em São Paulo, esse espaço foi introduzido na programação semanal dos professores no âmbito da pandemia e nomeado de “tech Tuesday” (terça-feira da tecnologia, em tradução livre). “Temos um horário reservado na semana para que nossa própria equipe se ajude com ferramentas digitais. São desde coisas simples até as mais complexas.”

Renato Ramalho, professor de física do ensino médio na rede estadual da Paraíba, reforça que apesar de recursos educacionais digitais, como Google Meet e Classroom, não serem novidade, sua aplicação com claro propósito pedagógico é algo que veio após o início das aulas remotas.

“Vários professores não sabiam fazer uma planilha simples no Excel, por exemplo, o que tem mudado a partir de algumas formações oferecidas pelo governo. Além disso, estamos vivendo o modo síncrono e assíncrono, e creio que o ensino tende a evoluir nessa perspectiva, com mais ferramentas de tecnologia acessíveis ao final dessa pandemia”, afirma.

Professor aprendiz
Mais do que buscar informações sobre tecnologia e dedicar um tempo para aperfeiçoar a parte técnica, o aprendizado para o novo momento depende de mudança de mentalidade por parte dos próprios docentes, que precisaram assumir uma posição de aprendiz. “E se enxergar nesse lugar em que o professor não tem todas as respostas é muito diferente da forma que fomos ensinados a ser professores, de ter todo o conhecimento”, afirma Letícia.

Para ela, é importante que eles tenham um olhar carinhoso para consigo mesmos e entendam que a versão do que é correto a ser feito é parte de uma construção contínua em meio à experiência de aulas remotas. Ela exemplifica com o caso de uma professora de música que, apesar de ter seguido todas as recomendações, ter estudado e planejado uma boa aula para os estudantes, enfrentou problemas de internet no dia da aula, impossibilitando a interação com alunos.

Crianças e jovens passam frequentemente por essa frustração de não saber. Ao ficarmos adultos, esquecemos disso

“Crianças e jovens passam frequentemente por essa frustração de não saber. Ao ficarmos adultos, esquecemos disso. Essa mentalidade de crescimento, com uma posição de resiliência e de olhar para uma situação e tentar de novo, talvez de um jeito diferente, é um dos processos mais difíceis. Observar as dificuldades e o processo de aprendizagem dessa maneira é um exercício constante.” Para que isso seja possível, reforça a especialista, são necessários espaços e movimentos de acolhimento por parte da gestão escolar, que deve confortar o professor e incentivar novas tentativas e a busca por outras soluções.

Proximidade e gestão de tempo do corpo docente
Por mais que pareça contraditório, considerando o distanciamento social, professores têm afirmado se sentirem mais próximos de colegas e também da equipe gestora durante a pandemia. Isso porque muitas escolas criaram novas rotinas de encontros online, com o objetivo de planejar atividades em conjunto, debater os próximos passos, dividir aprendizados e participar de formações.

“Em um primeiro momento, ficamos perdidos sobre a forma com que íamos nos encontrar a distância. Hoje nos reunimos com mais frequência do que fazíamos no presencial. Estamos sempre conectados para pensar nessas novas formas de aprendizado e como podemos garantir isso aos estudantes”, explica Ana Paula Torresan, coordenadora pedagógica da Camino School.

Segundo as gestoras, os momentos reservados à conversa e troca entre o corpo docente serão mantidos quando as aulas presenciais forem retomadas. “Além da Tech Tuesday, fizemos encontros sobre STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática em tradução livre), conhecimentos de linguagens, cursos de desenvolvimento e discussões sobre inclusão. É gigante a potência de criar espaço para os professores serem aprendizes. Isso reverbera na escola inteira”, reforça Letícia.

Entretanto, combinar momentos de aprendizagem, de reuniões e de atendimento aos estudantes demandou dos professores maior organização de seu tempo, o que, segundo Letícia, é um dos aprendizados do momento. “Iremos sair da pandemia com mais conhecimento sobre gestão do tempo. Às vezes a rotina da escola dita nossa vida, com o sino que toca e a aula que vem a seguir. Mas na pandemia o cenário foi muito parecido com o que profissionais liberais e de outras áreas enfrentam, mas que ainda não tinha sido vivenciado por professores”, afirma.

Renato concorda que as dinâmicas adotadas durante a quarentena, bem como novos fluxos de aula, foram movimentos que apoiaram os professores a otimizar o acompanhamento pedagógico e a divisão de tarefas em suas rotinas. “A gestão do tempo que os educadores praticaram durante esse momento contribuiu para maior controle e, assim, acredito que tudo vai fluir melhor se comparado a como era antes.”

É necessário ter cada vez mais individualização para pensar em como acessar cada criança ou jovem

O desafio da participação dos estudantes
Ana Paula pontua que outro desafio que professores tiveram que se submeter foi o de pensar em novas formas de despertar o interesse dos estudantes e acessar suas produções à distância. “Em sala de aula, o professor pode ver facilmente tudo o que os estudantes estão produzindo. Na educação à distância, isso não é tão fácil e não há uma única resposta. É necessário ter cada vez mais individualização para pensar em como acessar cada criança ou jovem”.

Letícia completa ao reforçar que, com a educação mediada por telas, não há mais o recurso de chamar a atenção em momentos de distração. Nesse sentido, pontua que faz-se ainda mais necessário entender como o cérebro aprende, para que seja possível o desenvolvimento de estratégias de engajamento no processo de aprendizagem, bem como a adaptação dos conteúdos para trazer os alunos para mais perto.

“Vai se fazer muito presente a importância de pensar em maneiras de o aluno participar da aula. Quantas vezes vimos todos os estudantes com câmeras e microfones fechados enquanto o professor fica falando sem saber se tem alguém ouvindo? Como não dá para chamar a atenção como na sala de aula, o professor deve pensar em maneiras de criar aulas mais interativas, perguntar qual é a opinião dos estudantes e outras estratégias”, explica.

Pensar em formas de atrair a atenção passa por planejar mais conteúdos que façam sentido de acordo com os interesses, bem como em formatos diversificados. Segundo Letícia, todo esse movimento acarreta também uma reflexão e adaptação do currículo escolar, considerando que nem todos os conteúdos poderão ser trabalhados devido ao cronograma ter sido prejudicado pela pandemia.

Para Renato, quando o assunto é a relação com o estudante, deve-se observar um componente que teve sua importância reforçada durante a pandemia: a afetividade. Segundo o educador, o momento de estresse e cansaço mental chamou atenção para que cada vez mais professores e a equipe gestora considerem a dimensão psicológica dos alunos e também do corpo de funcionários da escola.

“A afetividade é primordial. Eu tento passar isso com acolhimento, iniciando as aulas com música, uma frase reflexiva ou até mesmo contando uma piada. Um dos maiores desafios têm sido motivar os estudantes e fazer com que deem esse retorno acadêmico. Fazer com que os alunos ‘acordem para a vida’ tem sido um processo difícil durante o isolamento e acredito que a formação integral do estudante deve priorizar essa afetividade.”

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coronavírus, formação continuada, tecnologia

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