Pesquisa mostra o sentimento de professores em meio à pandemia do coronavírus  - PORVIR
Por Vinícius de Oliveira

Coronavírus

Pesquisa mostra o sentimento de professores em meio à pandemia do coronavírus 

Levantamento do Instituto Península identifica como professores estão se organizando após a suspensão das aulas e o início do trabalho remoto 

Parceria com Instituto Península

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 16 de abril de 2020

Diariamente, multiplicam-se textos e reportagens com dicas para manter o trabalho, investir na saúde e cuidar da casa e da família durante momentos de epidemias. A preocupação com a saúde é somada ao medo de perder emprego ou renda. Os professores, por exemplo, em razão da suspensão das aulas por conta do distanciamento social, precisam lidar com a pressão de adaptar-se a ferramentas virtuais, preparar atividades que mantenham os alunos estimulados e, ao mesmo tempo, estar disponíveis para esclarecer dúvidas. Também preocupam-se com o bem-estar e alimentação dos alunos, além de questões como conectividade para que ninguém fique para trás durante a suspensão das aulas.


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Com o objetivo de entender os sentimentos, a percepção e as demandas de apoio de mais de 2,2 milhões de docentes brasileiros nesse momento, o Instituto Península acaba de lançar a pesquisa “Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus (COVID-19) no Brasil“.

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Heloísa Morel, diretora do Instituto Península, explica que entre as motivações para realização do levantamento está entender como professores de todo o Brasil estão se organizando e o que estão sentindo frente às mudanças tão significativas que a educação vem acompanhando. “O professor foi obrigado a se reinventar no meio dessa confusão. Ele não teve apenas que reorganizar sua vida para colocar outras funções dentro do mesmo horário. Os docentes terão que aprender, do dia para a noite, a lidar com a tecnologia e fazer dela uma aliada, só que não foram preparados para isso”, afirma.

A pesquisa nos trouxe que os professores estão abertos a continuar estudando mesmo nesse caos, e a receber informação, mas não querem uma avalanche

A escolha por esse ator dentro do sistema escolar deve-se à crença do Instituto no efeito multiplicador que os docentes têm. Heloisa exemplifica a importância de ouvi-los: “A pesquisa nos trouxe que os professores estão abertos a continuar estudando mesmo nesse caos, e a receber informação, mas não querem uma avalanche. Na ânsia de ajudar, podemos acabar indo na contramão e gerar mais estresse do que ajuda. Além disso, da mesma forma que na sala de aula é ele quem tem contato mais próximo com os alunos, agora será oficialmente a ponte entre todo o sistema de educação e os estudantes.”

Questionário 

Entre os 2.400 respondentes da pesquisa estão professores da educação básica de todo o Brasil, das redes privada e pública, desde a educação infantil até o ensino médio, incluindo diferentes modalidades como a EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Heloísa MorelCrédito: Divulgação

Heloísa Morel, diretora do Instituto Península

Além disso, para que a coleta de informações correspondesse ao momento vivido, o Instituto Península optou por implementar um cronograma de pesquisa que, a princípio, será dividido em quatro etapas. A primeira corresponde ao estágio inicial, até duas semanas após a suspensão das aulas; a segunda, ao estágio intermediário, entre duas semanas e dois meses após a suspensão; a terceira, ao estágio final, entre três e quatro meses após a suspensão e, por fim, a quarta etapa corresponde à retomada, após quatro meses da suspensão. A duração de cada fase, ou até mesmo a existência de fases intermediárias, dependerá de quanto tempo for decretado o distanciamento social no Brasil e, consequentemente, a suspensão das aulas.

Para Heloisa, a quarta etapa será de extrema importância, uma vez que, segundo a diretora, escolas e instituições de ensino deverão pensar em um processo de acolhida não só dos estudantes, que retornarão às aulas com níveis de aprendizagem diferentes, mas também dos professores, em um movimento de reintegração ao sistema escolar.

Principais achados

Para Heloísa, o principal achado – transversal às três áreas – é o papel das secretarias de educação, agentes fundamentais na definição de ferramentas que serão usadas para que a educação continue acontecendo e, inclusive, chegue em alunos com diferentes acessos à internet, por exemplo. A diretora pontua que é a secretaria que irá determinar qual é o papel do professor nesse novo contexto, além da possibilidade de mapear ferramentas que podem ajudar no processo de desenvolvimento integral do educador, para que, quando se sentir confortável, saiba onde buscar informações.

A suspensão das aulas é uma medida comum às três redes presentes no estudo (privada, estadual e municipal). Entretanto, a particular mostra estar mais preparada para o momento, uma vez que 65,3% dos respondentes de escolas privadas afirmaram prestar suporte a distância para os alunos, contra 14,1% da rede municipal e 36,2% da estadual. A diferença pode ser explicada pelo momento em que a pesquisa foi realizada, durante recesso na rede pública, mas também pela desigualdade de condições de infraestrutura e formação de professores para o uso pedagógico de tecnologia.

“Existem elementos que aumentam muito a complexidade da secretaria. Podemos assumir que alunos da escola privada têm acesso a internet, considerando a alta a penetração de internet nas classes A e B. Na escola pública, o secretário de educação deverá pensar em aplicativo para alguns, mandar material impresso para outros, suporte da televisão, grupo de WhatsApp para falar com professores, professores deverão criar grupos para falar com alunos”, explica a diretora.

Também merece destaque o fato de que, apesar de 70% dos respondentes afirmam usar o momento para organizar a vida pessoal e familiar, 60% também disseram  que estão estudando, seja preparando aulas, fazendo cursos online e organizando materiais. Entre as principais fontes de informação utilizadas estão a internet (79%) e televisão (76%).

Em São Paulo, professores estão com altíssimo nível de estresse, pois sabem que precisarão começar a oferecer o ensino remoto

A pesquisa também foi composta por questões referentes à saúde mental dos educadores, que classificaram, em uma escala de zero a cinco, como 2,15 o impacto do período em seu bem-estar. Para Heloísa, as competências da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) abrem espaço para discussão de outros temas, que vão além de conteúdo e disciplina. “Se o professor estiver desestabilizado, ele vai dar uma aula pior do que se estivesse equilibrado. Apesar de ser uma de nossas hipóteses, ficamos surpresos ao ver que, logo nessa primeira fase da pesquisa, os professores falaram que estão buscando apoio informacional, mas também emocional e psicológico. Na China, há indícios de que aumentou o índice de ‘burnout’ (esgotamento físico e mental intenso) entre professores. Em São Paulo, professores estão com altíssimo nível de estresse, pois sabem que precisarão começar a oferecer o ensino remoto.”

O lado dos docentes 

Crédito: Arquivo pessoal

Kizie Aguiar, professora de educação física (SP)

Kizie Aguiar, professora de educação física da rede municipal de Limeira, no interior de São Paulo, afirma que o corpo docente tem que lidar com inúmeros fatores em meio à crise do coronavírus, que vão além do lado pedagógico. Kizie, por exemplo, leciona em escolas situadas em regiões periféricas e diz se preocupar com a condição dos alunos em suas casas e também com as refeições que eram servidas na escola.

Pelo lado pedagógico, a professora comenta que a secretaria municipal preparou kits de atividades para os alunos que foram distribuídos pelas escolas. Composto por um roteiro de orientações e um livro de leitura, o material, explica Kizie, é baseado no currículo e segue os trabalhos que já eram realizados com os alunos. “No kit da educação infantil, por exemplo, tem dicas de jogos e brincadeiras que estão dentro da proposta de educação física. Está tudo dentro daquilo que já trabalhamos”. Há preocupação, entretanto, sobre a forma com que os alunos receberão os materiais, se seguirão ativos nesse período de suspensão das aulas e como será a retomada da rotina escolar.

Luemy Avila, professora das redes municipais de Macaé e de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, conta que o maior desafio tem sido manter a educação a distância, sobretudo se forem considerados os desafios de conectividade. Segundo a docente, mesmo que a maioria dos estudantes tenha um aparelho, cerca de 40% não têm acesso à internet. Para não deixar ninguém de fora, as secretarias elaboraram apostilas que podem ser retiradas nas escolas.

Acho que, prioritariamente, esse é um momento de aprendermos juntos a cuidar do outro
A professora de robótica Luemy Ávila (RJ)Crédito: Arquivo pessoal

A professora de robótica Luemy Ávila (RJ)

Para os alunos conectados, Luemy destaca o processo de criação de aplicativos e ambientes virtuais, inclusive com engajamento dos professores. Além disso, outras iniciativas em Macaé, por exemplo, mobilizaram o corpo docente, como realização de encontros virtuais, e a criação de grupos no WhatsApp e Facebook e uso da plataforma de gestão de aula Google Classroom para algumas atividades.

A professora, que se declara como uma otimista, vê no atual momento uma oportunidade para recontextualizar e mudar certas características do funcionamento da educação brasileira. “Tenho observado o quanto algumas pessoas, inclusive alguns dirigentes, estão preocupados com o conteúdo programático. Acho que, prioritariamente, esse é um momento de aprendermos juntos a cuidar do outro, a olhar como a ferramenta tecnológica pode possibilitar o acesso à aprendizagem e ser um complemento ao encontro presencial que está tão sem significado para juventude e os professores, que estão fatigados e adoecendo. A conectividade e possibilidade de aprender junto ainda que a distância pode ser um parceiro que vem para renovar, e esse encantamento pode refazer a escola.”

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coronavírus, desenvolvimento integral do professor, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, formação continuada, tecnologia

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