‘Precisamos debater a privacidade de dados de alunos’
Presidente do Teachers College, Susan Fuhrman, levanta questões relacionadas ao uso do Big Data na educação
por Susan Fuhrman 24 de março de 2015
O uso de Big Data na educação está levantando debates em relação a privacidade dos dados, principalmente em países onde esse uso é mais frequente, como nos Estados Unidos. Conversas sobre a privacidade dos dados geralmente focam em segurança e proteção contra violações e invasões, mas cada vez mais estão abordando os múltiplos usos dos dados dos alunos e a conscientização tanto dos estudantes quanto de seus pais.
Imaginem Katie, uma estudante do ensino médio de uma escola com cerca de 600 estudantes. Ela tem excelente frequência, tira boas notas, um desempenho um pouco aquém do que suas notas preveriam em testes padronizados e está envolvida em várias atividades extracurriculares. Katie pretende estudar em uma faculdade de artes e está esperando que as honras acadêmicas que ela recebeu a ajudem.
Todas as informações de Katie são mantidas em um sistema de informação da escola, que ela e seus pais podem entrar e verificar suas notas e os resultados de testes padronizados. Várias entidades escolares usam esses bancos de dados para acompanhar os alunos e comparar o desempenho entre as escolas e professores. Recentemente, uma série de estados norte-americanos e pelo menos uma empresa privada, a InBloom, estão cruzando bancos de dados em níveis de escolaridade, incluindo colégio do mesmo estado e formação de pós-graduação.
Katie gosta de usar o sistema de gerenciamento para cada uma de suas principais aulas. Ela pode verificar e entregar trabalhos, participar de fóruns de discussão com os colegas, ver suas notas e acessar recursos adicionais. Seus professores usam o sistema de gestão da aprendizagem para organizar e gerenciar todas as informações da classe e acompanhar individualmente os alunos ao longo do ano.
Para física, Katie usa um software educacional que lhe permite simular experimentos. O software se adapta aos seus registros, dando-lhe dicas quando ela está tendo dificuldades para resolver um problema. Essa tecnologia educacional adaptativa ensina a Katie conteúdos e habilidades. Também registra suas respostas e o tempo que demora para responder cada questão, as dicas que ela usa – proporcionando uma visão sobre como Katie estuda e aprende.
Essas tecnologias não são úteis apenas para os alunos controlarem seu próprio aprendizado, mas também são valiosos para os professores, que podem modificar ou personalizar aulas e instruções com base nas informações que o software fornece sobre as dificuldades ou facilidades que os alunos estão enfrentando.
Estão surgindo novas plataformas que conectam os três tipos de banco de dados que armazenam informações educacionais sobre Katie. Além de Katie, seus pais e seus professores, há dois proeminentes usuários adicionais: pesquisadores e desenvolvedores.
Os pesquisadores, frequentemente, querem acesso aos dados recolhidos pelas diversas plataformas de software, pois eles podem estudar o progresso dos alunos em vários contextos, conectar os progressos com a experiência do estudante com sua postura da sala de aula e avaliar a eficácia dos professores e das escolas. Usando dados coletados por sistemas de gestão de aprendizagem, eles podem estudar o impacto de várias abordagens curriculares ou pedagógicas.
Desenvolvedores comerciais que criam as plataformas e programas que coletam dados são frequentemente solicitados pelos educadores para fornecer “analytics” ou para encontrar padrões nos dados sobre alunos, professores, turmas, escolas, etc. Entidades comerciais também podem querer ter acesso aos dados, com o intuito de refinar e melhorar os seus produtos e desenvolver materiais de aprendizagem que respondam às necessidades dos alunos e, assim, mais interessantes para os compradores.
Embora esses usuários recebam dados codificados para proteger as identidades individuais, não é impossível que essas identidades sejam descobertas. Um bisbilhoteiro determinado poderia identificar Katie através de seu único curso extracurricular e seu registro acadêmico, em uma escola relativamente pequena.
Os educadores deviam estar tendo uma ampla conversa sobre como proteger a privacidade dos alunos. Em uma carta para os editores do The New York Times, que enviei há vários meses, sugeri que todos os fornecedores de dados, especialmente estudantes e pais, e todos os que utilizam esses dados deveriam estar questionando o seguinte :
– Quão segura é a confidencialidade quando os nomes dos alunos são codificados para proteger suas identidades?
– Quem possui e controla o acesso aos dados dos estudantes?
– Como os alunos e os pais a consentem com os dados recolhidos sobre os alunos? Eles são informados sobre todos os diversos usos possíveis desses dados, e sobre os procedimentos de segurança?
Mais dados podem ajudar os educadores a melhorar a aprendizagem, mas a que custo para o aspecto da interação pessoal com os alunos? Será que o prêmio colocado sobre o que é mensurável depreciará a percepção de professores e seu julgamento? Será que os tropeços iniciais vão limitar a capacidade dos alunos em obter um novo começo conforme seguem em frente?
Enquanto reconhecem o valor potencial de melhores dados educacionais, educadores e cidadãos não podem evitar discutir sobre as questões de privacidade, as relações aluno-professor, e o número infinito de variáveis menos mensuráveis que estão relacionadas à educação de todas as crianças.
Susan Fuhrman
Susan Fuhrman é presidente do Teachers College, escola de educação da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.