‘Precisamos nos preocupar com os usuários de REA’ - PORVIR
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Inovações em Educação

‘Precisamos nos preocupar com os usuários de REA’

Brasileiro que lidera pesquisa sobre uso de recursos educacionais abertos diz que qualidade dos objetos ainda é desconhecida

por Tatiana Klix ilustração relógio 11 de junho de 2013

O que os estudantes de países da América Latina, Ásia e África esperam de REA (Recursos Educacionais Abertos), como os cursos on-line oferecidos pelo edX a partir deste mês? Segundo o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP) José Dutra de Oliveira Neto, que lidera um grupo de pesquisa sobre ensino a distância há 12 anos, não existe uma resposta precisa a essa pergunta.

“Os cursos oferecidos pelo MIT de matemática ou mecânica quântica, por exemplo, são extremamente complexos e aprofundados. Mas a necessidade do usuário no Brasil, muitas vezes, é mais simples”, avalia Dutra, que chega a acreditar que existe uma imposição de conteúdos aos usuários de REA, sem haver uma preocupação do que realmente quem está consumindo o material quer ou precisa. De acordo com o professor, entende-se por REA qualquer tipo de conteúdo – como um curso ou apenas um texto, áudio, vídeo ou combinação desses elementos – disponível por meio de licenças mais brandas de uso. Tipicamente, um REA é livre para ser usado, aprimorado, recombinado e distribuído pelos usuários, embora nem sempre seja gratuito.

Motivado a realizar um diagnóstico sobre o acesso a esses materiais e sobre as reais necessidades de seus usuários, Dutra apresentou em Jakarta, na Indonésia, em janeiro, uma proposta de pesquisa que foi uma das 10 escolhidas sobre o tema para ser financiada pelo instituto IDRC (International Development Research Centre), do Canadá. Durante dois anos, pesquisadores supervisionados pelo professor da USP vão entrevistar 10.000 usuários, entre alunos e professores, de 50 países dos três continentes, para avaliar a demanda pelos recursos abertos e como são usados.

“Hoje a qualidade dos cursos é medida pelo número de acessos, o que é muito pobre”, diz Dutra, que é um entusiasta dos REA, mas entende que é preciso saber se esses recursos estão realmente mudando a vida das pessoas. Segundo o professor, o trabalho não vai apresentar soluções definitivas, mas como será publicado de forma aberta, servirá de subsídio para novas pesquisas e ajudará a definir o que deve ser oferecido a partir das necessidades de quem vai usar os REA.

Leia entrevista concedida por Dutra ao Porvir:

A minha proposta é investigar a real demanda de quem vai usar os REA, porque atualmente não existe uma preocupação com o usuário final por parte de quem oferece os recursos

Qual a sua motivação para realizar a pesquisa que vai investigar o perfil dos usuários de REA e os potenciais desses materiais na América Latina, Ásia e África?

Eu já trabalho com educação a distância há cerca de 12 anos e vi com naturalidade o convite para participar desse desafio global. Temos um grupo chamando NPT (Núcleo Para o Desenvolvimento de Tecnologia e Ambientes Educacionais) na USP de Ribeirão Preto que desenvolve pesquisas e cursos na área de EAD. A minha proposta é investigar a real demanda de quem vai usar os REA, porque atualmente não existe uma preocupação com o usuário final por parte de quem oferece os recursos. Para desenvolver a proposta apresentada em Jakarta, fiz muitas pesquisas acerca do tema e cheguei a uma conclusão muito simples. Existem muitas prescrições para os REA, mas não há um diagnóstico preciso sobre o uso nas diversas partes do mundo. Com este diagnóstico, podemos propor soluções com maiores chances de sucesso. Parece que muitas das inciativas existentes estão tentando impor algo aos usuários sem ao menos verificar quais as suas necessidades e dificuldades.

O senhor poderia dar um exemplo desse tipo de imposição?
Os cursos oferecidos pelo MIT de matemática ou mecânica quântica, por exemplo, são extremamente complexos e aprofundados. Mas a necessidade do usuário no Brasil, muitas vezes, é mais simples. Ele quer aprender coisas mais básicas, como a tabuada, ou o funcionamento de um carro. Eles [o MIT] oferecem o que acham que é bom, porque os conteúdos mais simples nos países desenvolvidos já são conhecidos por todos. Minha proposta é identificar as necessidades dos usuários, antes de propor o que deve ser oferecido.

Mas os cursos oferecidos pelo MIT e outras universidades de ponta não cumprem um papel importante de difundir o ensino dessas instituições para populações que nunca poderiam estudar presencialmente nelas?
Sim, mas só isso não é suficiente, acaba atendendo uma parcela pequena de pessoas. É preciso dar um passo atrás, para capacitar as pessoas até o nível desses cursos. Se o usuário percebe que está muito aquém dos conteúdos oferecidos, fica desmotivado. Ele precisa ter condições de absorver o que está sendo compartilhado.

Como a sua pesquisa será desenvolvida?
Será um trabalho exploratório que visa a fazer um diagnóstico nos três continentes sobre o uso real potencial dos REA no ensino superior. A pesquisa pretende coletar informações sobre quatro dimensões dos REA: digital access divide (acesso à internet), REA access divide (acesso ao REA), REA capability divide (capacitação do uso do REA) e REA outcome divide (resultados do REA). Essa última dimensão vai verificar se os alunos aprenderam mais, ficaram mais satisfeitos e mais seguros. Estamos trabalhando com 50 países em desenvolvimento. Em cada continente terei um subcoordenador, que terá sob a sua supervisão diversos pesquisadores – dois por país. Investigaremos cerca de 20% dos países em cada continente.  Cada pesquisador será responsável pela coleta de informações de 200 usuários (80% desses serão alunos de graduação e 20% professores). No período de dois anos, teremos uma amostra de 10.000 usuários entrevistados.

A pesquisa pretende coletar informações sobre quatro dimensões dos REA: digital access divide (acesso à internet), REA access divide (acesso ao REA), REA capability divide (capacitação do uso do REA) e REA outcome divide (resultados do REA)

Os resultados serão disponibilizados de forma aberta?
O compromisso que temos com a IDRC do Canadá é que o produto deste trabalho seja aberto e gratuito.

E como esses resultados deverão ser usados? O diagnóstico também vai apresentar soluções para melhorar o uso dos REA?
Hoje a qualidade dos cursos é medida pelo número de acessos, o que é muito pobre. É preciso saber se os REA estão sendo usados de forma adequada, se estão melhorando a vida das pessoas. O número de acessos não é nada. Esse projeto tem objetivo de identificar as necessidades dos usuários e, como estará disponível de forma aberta, poderá fomentar novas pesquisas que partirão de base mais sólida. É um diagnóstico que servirá para que as próximas pesquisas proponham as soluções.

Pelas informações que o senhor já tem, a América Latina está atrasada na adoção dos REA? E o Brasil?
O uso de REA nos países em desenvolvimento é muito baixo. Podemos citar como exemplo o acesso em 2011 ao OCW (Open Course Ware) do MIT na África do Norte e na América do Sul. Essa população foi responsável por apenas 5% dos 140 milhões de acessos. Neste mesmo período, o acesso pela população do sul da Ásia foi de 9%, segundo o MIT Statistics 2011. O Brasil está adiantado em relação a outros países da América Latina, mas se consideramos os países desenvolvidos, ainda tem uma oportunidade de crescimento grande pela frente.

O senhor pode citar fatores que dificultam esse crescimento?

Um desafio muito grande no nosso país é a língua, já que muitos conteúdos são disponibilizados em inglês. Há algumas iniciativas interessantes de cursos com legendas, mas para facilitar o aprendizado o melhor seria que os recursos fossem traduzidos. A carga cognitiva, quando é preciso ler e ver ao mesmo tempo, é muito grande. Se a ideia do REA é compartilhar, modificar e refazer materiais, precisamos reeditar os conteúdos na nossa língua. Infelizmente, nem todos os conteúdos são facilmente modificados. O acesso à internet é outro problema, por isso essa é uma das dimensões que será investigada na pesquisa. Podemos chegar à conclusão, por exemplo, de que em lugares onde a internet é ruim o ideal seria disponibilizar conteúdos em DVD.

Que boas iniciativas existentes no Brasil o senhor destacaria?
As grandes iniciativas são fruto de esforços das universidades, como ações das estaduais paulistas e da FVG. Há também outras propostas isoladas por parte dos governos estaduais do Paraná, Rio de Janeiro e  São Paulo. A grande maioria delas contempla apenas os estágios iniciais do conceito REA, que são o uso e a distribuição dos conteúdos.

Por definição, o REA deveria prover quatro permissões para os usuários: review, reuse, remix e redistribute, que podem ser traduzidas como usar, aprimorar, recombinar e distribuir

O que deveria ser feito para que os REA se tornem uma realidade mais presente no País?
Como disse, muitas iniciativas no Brasil chegam apenas aos  primeiros estágios do REA, de uso e distribuição dos recursos ao público de modo aberto. Mas precisamos avançar muito mais. É necessário dar condições para que todos possam aprimorar e recombinar os recursos. Assim criaríamos um esforço coletivo para a produção e disseminação desses recursos. Por definição, o REA deveria prover quatro permissões para os usuários: review, reuse, remix e redistribute, que podem ser traduzidas como usar, aprimorar, recombinar e distribuir.

Os professores estão preparados para utilizar e oferecer esses recursos?
Este é um ponto fundamental no processo. Os professores precisam de capacitação para fazer o melhor uso dos REA. Sem isso, cria-se uma divisão entre os professores com capacidade para utilizá-los e os sem essa capacidade.

O senhor acredita que os REA podem fazer a diferença na educação? Como?
O processo educacional é muito complexo e a diferença deve ser atingida a partir de diversas iniciativas. Acredito que o REA é uma delas. Nós buscamos a universalização do processo educacional e o REA disponibiliza o acesso a informações de qualidade com custos acessíveis não só para os aprendizes, bem como para os professores.


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mooc, recursos educacionais abertos

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