Professor trabalha conteúdos de geografia com jogos digitais
Em escola pública Cachoeirinha (RS), o projeto deu origem a uma disciplina para o ensino fundamental
por Eduardo Lorini Carneiro 4 de dezembro de 2019
Sou professor de geografia no Colégio Agrícola Estadual Daniel de Oliveira Paiva (CADOP), em Cachoeirinha (RS), há oito anos. Além da disciplina que leciono, tenho uma outra paixão desde criança: os jogos de videogame. No decorrer da minha prática em sala de aula, percebi que essa paixão também era compartilhada com muitos alunos, que frequentemente citavam vários títulos de jogos quando estudavam algumas regiões do planeta ou eventos específicos, como guerras e conflitos. Não demorou muito para identificarmos que esses recursos não são apenas diversão ou lazer, mas poderiam ter uma grande potencialidade de construção de conhecimento.
No ano de 2016, passamos a estruturar uma disciplina de jogos eletrônicos com turmas do ensino médio dentro de uma carga horária específica para projetos. Entrar com um videogame (o meu próprio console PlayStation 3) na sala de aula causou um estranhamento nos alunos. O primeiro título utilizado foi “The Saboteur”, que aborda a Segunda Guerra Mundial sob o ponto de vista da resistência francesa, em um momento em que Paris foi ocupada pelas tropas nazistas.
Em uma verificação prévia dos conhecimentos, percebemos que muitos estudantes desconheciam as características da geografia do continente europeu, os pontos turísticos da França e eventos relacionados ao conflito em questão. No entanto, a partir da interação com os espaços digitais virtuais do jogo, eles percebem, por exemplo, a existência de áreas rurais na França – país muito associado pela cultura midiática à urbanização, turismo e modernidade. Em relação aos pontos turísticos, mais do que apenas visualizar lugares como a Torre Eiffel ou o Arco do Triunfo, os jogadores interagem com estes espaços, compreendendo a funcionalidade deles para a época em que se encontram. As turmas passaram ainda a questionar mais sobre o tema, pesquisando e levando as dúvidas para as demais aulas da área de ciências humanas.
Nas aulas de games, a diversão oferecida pelo jogo dividia o espaço com problematizações como: “todos os alemães eram nazistas?”, “servir ao nazismo era como o serviço militar obrigatório?” e “para onde fugiam as pessoas que tentavam escapar?”. A assimilação do conhecimento cartográfico se intensificou com a utilização constante do mapa do jogo para a elaboração de estratégias ao longo das missões.
O desenvolvimento destas aulas fez com que a escola adquirisse seu próprio console PlayStation 3 para o ano letivo seguinte (2017) e levasse a disciplina depara o ensino fundamental, visando abordar os conhecimentos geográficos de forma lúdica com os estudantes mais novos. Neste momento,também ingressei no Mestrado em Educação na Universidade La Salle e o projeto foi inserido no contexto do Grupo de Pesquisa Convivência e Tecnologia Digital na Contemporaneidade (COTEDIC/CNPq).
Com as turmas de sexto e sétimo ano, abordamos o jogo “Minecraft”, deixando-os livres em um primeiro momento para realizar suas construções. A partir de suas criações, os estudantes eram questionados sobre os materiais utilizados e o trabalho empregado, além de serem tensionados a compreender como o ser humano configura o espaço geográfico com o seu trabalho. A prática realizada no jogo é um reflexo das ações realizadas pela sociedade na natureza. Essa relação entre o ser humano, a natureza e o espaço transformado é um conhecimento de grande relevância para a compreensão da geografia.
Enquanto isso, as turmas de oitavo e nono ano partiam em uma viagem virtual até a Cordilheira do Himalaia no “Far Cry 4”, jogo de ação que na sala de aula ganhou novos significados, sendo utilizado para abordar as diferentes paisagens naturais do planeta, a adaptação do ser humano a ambientes extremos, a leitura e compreensão de mapas e a organização de uma sociedade em um país de ditatorial. A aprendizagem baseada em jogos digitais ocorre a partir da interação dos estudantes com os espaços e personagens, bem como entre eles mesmos, que questionam, discutem e elaboram estratégias para as ações dos personagens e desenvolvem sua autonomia na tomada de decisões e participação na aula.
A disciplina se configura até os dias de hoje para as turmas dos anos finais do ensino fundamental. Em 2019, o projeto de área de ciências humanas teve como tema a era das grandes navegações e um dos objetos de pesquisa foi o jogo “Assassin’s Creed IV: Black Flag”, cujo enredo aborda a exploração do açúcar na América Colonial Espanhola. Atualmente, a turma de sexto ano realiza um projeto sobre o Egito Antigo, pesquisando os materiais utilizados na construção das grandes pirâmides e representando-as no espaço do jogo “Minecraft”, em uma dinâmica de interação que envolve os professores da área, os próprios estudantes e a construção de conhecimento acerca do período e local estudado.
Eduardo Lorini Carneiro
Mestre em educação pela Universidade La Salle e especialista em ensino de sociologia para professores do ensino médio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui graduação em geografia (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Luterana do Brasil. Trabalha como professor na rede pública no Colégio Agrícola Estadual Daniel de Oliveira Paiva, em Cachoeirinha, na área de ciências humanas, e como assessor pedagógico na Greta Consultoria.