Professora cria projeto para resgatar memória de Mata de São João
Com pesquisas, entrevistas e produções de texto, estudantes organizaram exposição no ginásio de esportes da cidade
por Dauana Leal 17 de abril de 2019
A ideia de organizar um projeto que tivesse a ver com o resgate de memórias surgiu no período em que eu ainda estava na graduação. Na época, participava como bolsista do PIBID (Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) que tinha como subprojeto “Afro- Descendência: a Representação do Negro na Literatura e a Produção de Escritores(as) Afro-Descendentes e Africanos de Língua Portuguesa na Contemporaneidade”. Durante as reuniões do PIBID, liamos e discutíamos muitos textos que falavam sobre importância da preservação e resgate da memória de um povo. Desde então, percebi que seria importante levar esses temas para os meus alunos quando me tornasse professora para que possibilitasse a afirmação de suas identidades e para que eles tivessem consciência do seu valor como indivíduo.
Anos depois, comecei a lecionar em uma escola em Mata de São João, cidade onde moro, na Bahia. O momento de pôr em prática a ideia que tinha surgido ainda na academia foi muito oportuno, pois todos os anos o Centro Educacional Nossa Senhora da Luz (CENOSEL) desenvolve um projeto macro. E no ano de 2018, o eixo temático foi justamente “Identidade brasileira: eu e o outro produzindo memórias e histórias”.
Tendo como base esse tema, cada professor ficou responsável por organizar um projeto para desenvolver com suas turmas. Por tudo isso, criei um subprojeto, que foi desenvolvido na turma do sexto ano, que foi chamado “Identidade do Sujeito Matense: um Mergulho nas Memórias Populares”, cujo objetivo era resgatar as memórias da cidade. Partimos da compreensão de que os alunos precisam enxergar-se como protagonistas da própria história, desenvolver o sentimento de pertencimento do lugar onde vivem, para que tenham autonomia, e possam entender-se e posicionar-se como sujeitos. Por tudo isso, conhecer a história do seu lugar, dos antepassados fez-se importante.
Após estruturar as ideias, apresentei a coordenadora escolar que prontamente concordou, em seguida mostrei para professora de ciências Rosicleia França. A mesma aceitou não somente a proposta, mas tornou-se uma parceira, ajudando nas etapas do projeto. Desse modo, trabalhamos de forma interdisciplinar.
O projeto foi dividido em várias fases, porque dessa forma facilitaria o processo de aprendizagem, organização e a construção do conhecimento.
A primeira fase foi a motivacional, devido ao desinteresse dos alunos pelo tema proposto. Como moramos em uma cidade pequena, os alunos não a enxergavam de forma atrativa. A ideia era mudar a forma como os alunos viam a cidade, fazendo-os repensar a ideia de cidade. Por isso reservei duas aulas para exibir o filme Narradores de Javé e discuti-lo em roda de conversa. Após isso, também fizemos a leitura e análise do texto “Cidade: sincretismo do mundo de Larissa Junkes”.
A segunda etapa foi a de coleta de dados sobre a cidade. Nesta etapa, os alunos fizeram pesquisas sobre o que é memória cultural e qual é a importância da mesma. Buscaram também informações na biblioteca, bem como na internet sobre a história de Mata de São João. Pesquisaram imagens antigas e atuais da cidade para montar um quadro comparativo e fizeram análise do hino.
Na terceira fase, os alunos foram orientados a montar um roteiro de entrevista, com o objetivo de colher relatos de moradores antigos sobre a história da cidade e experiências vividas nela. Em seguida, entrevistaram esses moradores. Para os alunos, foi uma experiência incrível, pois foi um momento de troca de saberes entre os anciões e jovens. Foi um momento de escuta sensível, gerando também uma valorização dos idosos.
Para que a investigação ficasse mais interessante, levei os alunos a duas aulas de campo. A primeira no Núcleo Juscelino Kubitscheck, colônia habitada por japoneses e seus descendentes, localizada na zona rural da cidade. Esse local é um elemento cultural importante para a cidade e também responsável pela agricultura orgânica matense. Nesta aula, os alunos aprenderam um pouco sobre a vinda dos japoneses para o Brasil, história, cultura, economia, elementos geográficos, importância da memória, respeito e valorização do outro e também aprenderam sobre agricultura orgânica com a professora de ciências.
A segunda aula foi em Praia do Forte, zona litorânea, onde fica situada as ruínas do castelo Garcia D’ávila, elemento importante para que os alunos enxergassem Mata de São João como parte da história do Brasil. Nesta aula, também foi trabalhado pela professora Rosicleia França o espaço geográfico chamado restinga.
Por fim, os educandos produziram textos relacionados ao tema, sob minha orientação nas aulas de redação. Todos os materiais produzidos e coletados como textos, imagens, maquetes e os conhecimentos mostrados de forma oral pelos alunos foram expostos no ginásio de esportes que fica no centro da cidade, no dia da culminância do projeto macro da escola, juntamente com outras turmas.
No meu ponto de vista, o projeto deixou um legado importantíssimo que foi o conhecimento construído através do resgate da memória, que se deu a partir de diversos recursos, mas principalmente, através das narrativas populares. Me senti realizada em perceber a empolgação dos alunos no desenvolvimento dos trabalhos. Tudo isso possibilitou a valorização do local e de um povo.
Dauana Leal
Possui licenciatura em letras com habilitação em língua portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia. Atuou no ensino médio da rede pública e hoje leciona língua portuguesa, língua inglesa e redação em turmas do fundamental 1 e 2 da rede privada de ensino de Mata de São João e Dias D’Ávila (BA).