'Professores são agentes e objetos de mudanças', diz diretora de Harvard - PORVIR
Crédito: Romolo Tavani/Fotolia.com

Como Inovar

‘Professores são agentes e objetos de mudanças’, diz diretora de Harvard

Katherine Merseth diz até que ponto podemos nos espelhar no exemplo finlandês e sugere alternativas para a carreira de professor recuperar prestígio

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 21 de março de 2016

A cada início de ano letivo, um fenômeno incrível acontece quando um aluno de cinco anos vai à escola pela primeira vez segurando com todas as forças a mão de sua mãe. Ambos parecem assustados até que, ao se aproximar do professor, ela diz: Eu lhe dou meu filho. Com essa história que ilustra a confiança que todos depositam no processo de educação, Katherine Merseth, diretora e professora da Harvard Graduate School of Education (HGSE), deu início a sua palestra a convite do Instituto Península em defesa daqueles que se dedicam a ensinar e, de quebra, ganhou de imediato o público presente ao auditório do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP), na última quinta-feira (17).

Para Merseth, falar de transformação em educação demanda que se entenda o paradoxo no qual o professor está envolvido. “Eles são tanto os agentes quanto o objeto das mudanças. Queremos mudá-los, mas também queremos que façam seu trabalho de forma diferente”, diz. Por mais que governos tenham conhecimento que o modelo atual apresente deficiências e sucessivos programas tenham sido desenhados para trazer soluções, são os professores os principais responsáveis pela implementação de novas práticas. Para que esse novo passo seja dado, no entanto, há uma dependência que educadores desejem, tenham papel ativo e recurso para promover a transformação. E é aqui que ganha importância a formação de professores.

– Conheça a série formação de professores

Até por conta disso, a professora de Harvard, que contou recentemente ao Porvir como usa casos reais em suas aulas, reitera que o docente é o personagem principal do sistema. “O professor é o fator mais importante para o êxito escolar. Não é o material didático, nem o currículo e nem a escola. E sabemos que, se uma criança tem um professor efetivo e a outra não, em três anos a diferença de desempenho entre elas atingirá 50% e será impossível recuperar”.

De maneira realista, Merseth admitiu que nem seu próprio país e nem a Finlândia podem ser vistos como exemplos a serem seguidos pelo Brasil. “Eu peço que vocês não olhem para o que acontece nos Estados Unidos como modelo de reforma porque não fazemos isso direito. Na verdade, estamos andando para trás. Exigimos prestação de conta por parte de nossos professores, mas não damos apoio e formação para que cumpram seu trabalho da maneira adequada”.

Eu peço que vocês não olhem para o que acontece nos Estados Unidos como modelo de reforma porque não fazemos isso direito. Na verdade, estamos andando para trás

No caso da Finlândia, as especificidades do país o tornam um mundo à parte. “Aprendi muito sobre a Finlândia porque Pasi Sahlberg, um colega finlandês de Harvard, era diretor pelo PISA (sigla em inglês para o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, prova aplicada em diversos países incluindo o Brasil) e me ensinou que a Finlândia é muito homogênea e tem poucos imigrantes, nada parecido com o que o Brasil ou os Estados Unidos possuem. As classes socioeconômicas são bem parelhas e não existem escolas privadas. Todos vão para escolas públicas”. Um segundo ponto, segundo Merseth, é que o país também conta com uma rede de apoio social para as famílias. “Quando uma mulher tem um bebê, recebe licença e uma bolsa por parte do governo”. O terceiro diz respeito à menor população do país, que torna o sistema mais fácil de ser administrado. “Sahlberg me disse que se trouxesse um grupo de professores finlandeses para trabalhar em uma comunidade nos Estados Unidos, não esperaria que fizessem um bom trabalho por toda essa questão de apoio”.

Leia mais: Na Finlândia, competência toma lugar do conteúdo

A preocupação com o que acontece fora dos muros da escola, segundo Merseth, é um dos fatores que mais dificultam o trabalho em sala de aula. “O papel do professor é ensinar. Se eu tiver uma criança na minha classe que está com fome, foi vítima de abuso ou que não tem um lugar seguro para dormir… ela vai ter uma grande dificuldade na hora de aprender. Mas meu trabalho não é só tomar conta dessas questões. Se eu não ensinar essa criança a ler, ninguém irá. Por mais duro e difícil que isso possa parecer, eu quero que professores estejam concentrados em ensinar e não tanto nas questões sociais. Isso requer que outros integrantes da sociedade atendam os casos de falta de moradia, fome e abuso. A cada momento que o professor não está ensinando, cria-se um déficit”.

katherine_merseth_singularidadesCrédito: Cleber de Paula

Valorização da carreira

Apesar da fala inicial de que a Finlândia tem um ambiente mais preparado ao desenvolvimento do professor, Merseth reconhece que o país tem ideias, como o recrutamento de professores, que podem ser adaptadas às realidades americana e brasileira. “Na Finlândia, eles só formam a quantidade de professores que vão precisar. Nos EUA, formamos centenas de milhares e qualquer um pode virar um profissional. Se restringimos quem pode entrar, aumentaríamos o prestígio. Parece contraintuitivo, mas é algo que precisamos fazer para resgatar o respeito da profissão”.

Merseth também levanta a possibilidade de diversificação nas maneiras para encontrar profissionais capazes de fazer a diferença em sala de aula. Ela cita como exemplo o programa Harvard Teacher Fellows, o qual é responsável, que oferece bolsas especiais e gera enorme competição entre alunos de outras áreas da universidade. Além disso, aconselha que governos passem a olhar atentamente para os profissionais que estão na metade de suas carreiras, na casa dos 40 anos, que possuem ampla qualificação e podem estar cansados do ambiente corporativo. “Eles sabem como a ciência e a matemática funcionam. E quando alunos perguntarem ‘Para que serve isso?’, terão uma resposta e também poderão trazer sua expertise e seu prestígio para dentro da sala de aula.”

Formação inovadora

Assim como mostra a série sobre formação inicial publicada pelo Porvir, Merseth argumenta que um professor precisa dominar o assunto que vai ensinar e, para que isso ocorra, deve aprender a teoria com conexão direta com a prática em sala de aula.

“Ensinar em uma classe com 30 alunos não é fácil e, para melhorar, deve-se praticar, tal como no esporte”, diz. Para isso, sugere a adoção de mentoria e de gravação das aulas (“Você percebeu quando fez isso?”, “O que aquele aluno fez ali?”) para que professores possam trocar experiências entre si, assim como acontece em áreas como a medicina. Aqui, ela cita um exemplo comum em hospitais, onde médicos mais novos acompanham os que têm maior tempo de casa durante visita ao quarto dos pacientes para adquirir conhecimento prático. “[Atualmente], assim que a aula começa, a porta é fechada. Fica apenas o professor e suas crianças. Isso não acontece na medicina, na administração ou no direito. Precisamos visitar uns aos outros e dizer ‘venha me assistir dando aula e me ajude a melhorar'”.

katherine_merseth_peninsula2Crédito: Cleber de Paula

Contra o senso comum

A professora de Harvard também diz que professores e tomadores de decisões precisam manter altas expectativas sobre todos os alunos e acreditar que todos são capazes de aprender. “Nem todo mundo acredita nisso e prefere dizer ‘Ah, ele é pobre, é de uma área rural, desculpas, desculpas e mais desculpas'”.

Da mesma forma, Merseth contesta o fato de que o professor tende a melhorar constantemente ao longo de 30 anos de carreira. Mas, calma, a responsabilidade mais uma vez deve ser dividida e recai sobre a necessidade de cursos de formação contínua. “Pesquisas mostram que existe um ganho enorme nos cinco primeiros anos e depois começa a se estabilizar. Não é que o professor esteja cheio de conhecimento e perfeito, mas é que não fazemos mais nada para que esse ganho continue à maneira que ele ganha experiência”.

Por fim, a professora, que acumula 35 anos de experiência, na educação pediu que todos considerem comandar uma sala de aula e fazer um curso de educação em algum momento da vida. “O futuro depende disso. Por quê? Porque é a única maneira que o Brasil ou qualquer outro país tem de atender às necessidades de seus cidadãos. O futuro do mundo depende de nossas crianças. Na noite passada, olhei algumas estatísticas que diziam que algo perto de 23,8% de sua população tem menos de 14 anos. Essas crianças são o futuro. Eles são 100% do futuro desse país. O que poderia ser mais importante?”, conclui.


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engajamento familiar, ensino superior, formação continuada, formação inicial, socioemocionais

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