Projeto articula diferentes setores para melhorar conectividade na escola pública
Iniciativa do CIEB e NIC.br, projeto Conectividade para Educação conta com diferentes aportes de experiências e conhecimento na construção de planos e orientações a gestores para garantir infraestrutura adequada de conectividade à educação básica brasileira
por Maria Victória Oliveira / Vinícius de Oliveira 12 de janeiro de 2021
Muito mais do que obrigar redes de ensino no Brasil a migrar do presencial para o mundo online para cumprir o distanciamento social e, ao mesmo tempo, manter os alunos engajados com a educação, a pandemia de Covid-19 acelerou uma discussão já recorrente no âmbito educacional: o uso de tecnologias e internet.
A educação remota deixou ainda mais clara a importância de discutir temas como equipamentos, infraestrutura e acesso à internet que, durante a pandemia, não representaram uma solução para famílias que vivem em áreas rurais e mais isoladas.
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Pensando em maneiras de responder ao desafio da baixa conectividade das escolas públicas brasileiras, o CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira), juntamente com o NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) lançou o projeto Conectividade para Educação. Ao lado de representantes do governo, do Congresso Nacional, de empresas de telefonia e organizações da sociedade civil, as duas organizações constituíram o GICE (Grupo Interinstitucional de Conectividade para Educação) com o objetivo de oferecer subsídios técnicos para formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão.
De acordo com Lucia Dellagnelo, diretora-presidente do CIEB, mesmo após a criação do Programa Inovação Educação Conectada, em 2018, a implementação não avançou como se desejava. “Responder por que a velocidade de internet que chega a uma escola em São Paulo tenha apenas 8 Mega de conexão enquanto uma empresa ao lado dela tem 100 Mega não é fácil”, disse Lúcia.
“Os provedores dizem que fecharam contrato por 8 Mega e que cumprem o acertado ao entregar essa velocidade às escolas. As secretarias dizem que contrataram essa velocidade após calcular a demanda. Como as escolas não usam muito, acharam que seria suficiente”, completa.
Só que a pandemia aproximou a tecnologia da educação de uma maneira que as escolas jamais viram. A partir de agora, segundo Lúcia, o grupo vai pensar em melhores arranjos que evitem que situações limitadoras como neste exemplo hipotético se repitam em mais escolas.
A iniciativa é centrada em três grandes frentes, considerando desafios anteriormente mapeados pelo CIEB: 1. mapa de diagnóstico de conectividade, 2. alternativas para oferta de internet nas escolas e 3. distribuição do sinal dentro da escola.
Mapa da conectividade
Gabriela Marin, analista de projetos no NIC.br, responsável pela coordenação do projeto, explica que o mapa de diagnóstico da conectividade das redes de educação, uma das responsabilidade do NIC.br, fornece informações por rede escolar como, por exemplo, a porcentagem de escolas com acesso à internet.
Esses dados são obtidos a partir do programa Educação Conectada, do MEC (Ministério da Educação). Em parceria com o governo federal, o NIC.br fornece às escolas a tecnologia de medição de internet SIMET. Segundo Gabriela, atualmente são 26.700 escolas públicas com medidor instalado, o que possibilita coleta de dados a cada quatro horas.
“O mapa é bastante descritivo. O principal conhecimento na primeira etapa do projeto é dos analistas de dados, que programaram o site, mapa e gráficos. Utilizamos nossa expertise em associar bases de dados de diversas organizações, como Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Abranet (Associação Brasileira de Internet), MEC e NIC.br, assim como correlacionar e produzir análises visuais. O site resultante irá permitir ao gestor a extração de informação sobre a conectividade de sua rede”. Para a representante do NIC.br, a união de esforços de diferentes atores envolvidos na iniciativa foi fundamental para unir rapidamente as bases de dados. O resultado do trabalho deve ser anunciado em breve a representantes das secretarias de educação.
“Dar ao gestor a possibilidade de ver todas as escolas e saber a velocidade, o provedor e a fonte de financiamento para a conectividade é algo inédito porque cada um tinha um pedaço desse quebra-cabeça”, disse Lucia.
Guia prático para gestores
Outro papel do NIC.br na iniciativa é, juntamente com o CIEB, a elaboração de um relatório que traga informações práticas e assertivas para gestores escolares com parâmetros que facilitem a aquisição de equipamentos, como computadores e equipamentos para a rede interna, como pontos de acesso que distribuem o sinal de internet até a sala de aula, e não apenas no laboratório de informática.
“Entendemos as limitações do setor público. Por isso, pretendemos criar um documento guia para auxiliar o gestor. Teremos uma seção, por exemplo, indicando quais os financiamentos possíveis para a conectividade e outra com as possibilidades de modelos de contratação. Idealmente, na próxima fase do projeto, iremos combinar os dados do mapa com o modelo de contratações. Assim, teremos uma ferramenta na qual o gestor consiga avaliar o que o mercado oferece para suprir as demandas pedagógicas das escolas de sua rede”, exemplifica.
Para Rodrigo Uchoa, diretor de transformação digital da Cisco no Brasil, diante dos desafios já conhecidos enfrentados pela educação, a tecnologia pode ser uma saída relevante. “Pensar em políticas públicas para a educação que viabilizem e acelerem a digitalização, a capacitação de professores e a melhor gestão das escolas é a principal mudança para os gestores públicos nos dias de hoje.”
Uma nova estratégia para dispositivos
A participação da Cisco no projeto Conectividade para Educação conversa diretamente com o programa Cisco Brasil Digital e Inclusivo, lançado em maio de 2020. O especialista comenta que, com a pandemia, ficou claro que somente com o uso de tecnologia é possível transformar o processo educacional e viabilizar novos paradigmas de ensino e aprendizagem, sejam eles presenciais, online ou híbridos. Entretanto, é necessário que todos estejam na mesma página quanto à importância desse novo desenho educacional.
“É necessário entender que a tecnologia não é uma opção, mas uma necessidade e direito de todos alunos, professores e administradores que fazem parte do sistema educacional público, e que, sem seu uso, ficaremos presos em modelos educacionais ultrapassados e teremos jovens cada vez mais excluídos do mercado de trabalho e desta nova era digital”, reforça.
Nesse sentido, Rodrigo pontua que o projeto deve ir além da discussão sobre como equipar escolas ou facilitar o acesso a dispositivos. Precede essa etapa uma discussão clara e objetiva sobre os novos paradigmas e metodologias educacionais, formação de professores e o papel da escola.
“Talvez um dos grandes equívocos do passado foi acreditar simplesmente que dispositivos e tecnologia fossem suficientes para motivar e disparar esta transformação da educação, mas a mudança começa na cabeça e hábitos de todos que participam deste complexo sistema educacional. O mais importante é quebrar as resistências e ter professores, tutores e gestores alinhados e colaborando com esta transformação. Só depois pensamos em plataformas, equipamentos, dispositivos e a infraestrutura necessária para a implementação da visão e da transformação na educação.”
Dimensão brasileira e o desafio da conectividade
A expressão ‘um país de dimensões continentais’ é comumente utilizada para descrever o território brasileiro. O tamanho do Brasil dificulta ainda mais a elaboração de planos de conectividade, considerando o alto custo de fornecer infraestrutura a locais remotos e de difícil acesso. Rodrigo pontua que, nesses casos, é importante considerar o papel do governo e das políticas públicas de incentivo e subsídios à construção da infraestrutura de redes ópticas, bem como a viabilização de parcerias público-privadas para a construção e operação destas redes, que poderiam promover a conectividade para a educação e diversos outros setores, como saúde, segurança e administração pública.
Além disso, o especialista destaca o papel da inovação e o surgimento de novas tecnologias, bem como a diversidade de atores trabalhando nessa mesma questão no Brasil como formas de avançar nesse tema, reduzindo custos de produção e operação de redes seguras e possibilitando diferentes modelos de contratação. “Além das grandes operadoras de telecomunicações, temos milhares de pequenos provedores espalhados por todos os municípios brasileiros. A infraestrutura de fibra óptica no Brasil está sendo construída. Com os modelos corretos de contratação e a evolução tecnológica, é possível transformar o sonho de conectividade em realidade, construindo a infraestrutura digital necessária para um Brasil mais digital e mais inclusivo.”
Além das parcerias citadas por Rodrigo, universidades também representam um apoio importante na construção dos planos de conectividade para a educação básica. A RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), por exemplo, que conta com 30 anos de experiência na conexão de instituições do ensino superior, integra o grupo apoiando a produção de referências técnicas e estratégicas para políticas de conectividade para educação básica, visando garantir acesso de banda larga de qualidade para todas as redes de ensino, escolas e estudantes brasileiros.
Gorgonio Araújo, diretor-adjunto de relacionamento institucional da RNP, comenta que a organização social pode aportar conhecimentos e compreensões acerca do tema, como por exemplo, a importância de compreender a escola como um campus com boa rede interna e externa, que deve ter a conexão mais estável, com menos atraso e maior velocidade da região onde está inserida.
Segundo o especialista, um dos grandes desafios atualmente não está na infraestrutura, e sim na orquestração, com “um modelo com atores privados e públicos, boas práticas e papéis e responsabilidades para contratação a longo prazo, com certo grau de previsibilidade.” Somada a essa, outras questões dificultam o uso da tecnologia e internet na educação, como: velocidade incompatível com experiência de aprendizagem necessária para assistir um vídeo, por exemplo, baixos padrões de qualidade da rede, poucos terminais adequados, redes internas sem acesso aberto, complexidade para contratação, manutenção e ampliação de serviços e equipamentos pela própria escola, entre outros.
Além do papel do financiamento público de investir em políticas que garantam a conectividade não só para educação, mas também para a saúde, Gorgonio pontua que as universidades e institutos tecnológicos podem contribuir para a formação, manutenção e gestão de redes em conjunto com a comunidade local. “A RNP, desde 2005, implanta redes comunitárias de ensino e pesquisa por todos os estados brasileiros. Esta experiência permitiu às universidades não apenas desenvolver tecnologias e estudos sobre redes, mas a operar redes na prática, criando uma geração de grande competência e que está pronta para promover novas redes que serão instrumentos para a construção do nosso futuro imediato”, completa.