Releitura de 'Os Três Porquinhos' incentiva reflexão sobre emoções e família - PORVIR
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Diário de Inovações

Releitura de ‘Os Três Porquinhos’ incentiva reflexão sobre emoções e família

Professor de Queimados (RJ) apresenta o clássico à turma da educação infantil e contrapõe a história com novas versões que reveem o protagonismo dos personagens e desconstroem estereótipos

por Rafael Crizanto de Sousa Silva ilustração relógio 11 de outubro de 2023

Existe uma grande demanda emocional nascida na família dos alunos e reverberadas em sala de aula. Por três ou quatro horas diárias, de segunda a sexta, nós, professores, observamos e tentamos suprir grandes carências. Esse cenário ainda é mais evidente na educação infantil, tendo em vista que os alunos ainda não desenvolveram filtros para suas realidades tão solidamente quanto nas etapas mais avançadas da educação básica. Assim, trazem questões diversas, dos bons sentimentos aos negativos, como preconceito, violência, mágoa e desrespeito advindos da família e comunidade local. 

Desenvolvi o projeto “Do meu lugar ao lugar do outro” na Escola Municipal Professora Diva Teixeira Martins, em Queimados (RJ), pensando nesses graves problemas subjetivos tão expressivos na sociedade atual. Implementei a proposta de forma construtiva, positiva e dialógica com as próprias crianças. A prática foi executada durante uma semana, envolvendo os cinco campos de experiências da educação infantil de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), de modo interdisciplinar.

Arquivo pessoal

Como minha turma de educação infantil responde melhor aos projetos pedagógicos por meio das contações de histórias e dramatizações que realizo, pensei logo em explorar o contraste entre clássicos e novas versões de uma história infantil que trouxesse certo estranhamento por conta de preconceitos sociais enraizados e transmitidos de geração em geração. Escolhi “Os três porquinhos”, fábula narrada e reunida em livro pela primeira vez em 1890, pelo escritor australiano Joseph Jacobs – acredita-se, porém, que o conto seja ainda mais antigo.

Para fazer a contraposição, escolhi duas obras. A primeira é “Os três lobinhos e o porco mau”, do sociólogo grego escritor de livros infantis Eugene Trivizas, publicado em 1996. Na história original conhecida pelos pais e alunos, o lobo era um ser malvado, estranho, feio e se sentia superior entre todos os seres da floresta, enquanto os porquinhos eram as vítimas, frágeis, e só sobreviveriam refugiados em uma casa de tijolos.

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As crianças rapidamente se identificam na figura dos porquinhos e julgam a figura do lobo, ora pelas suas atitudes, ora pela sua aparência. O processo pedagógico de desconstrução teve início quando ouviram a segunda história, na qual as vítimas eram os lobinhos, que cresceram sem mãe, sozinhos, indefesos e só tinham um ao outro para confiar e se proteger. 

Essa dinâmica causou uma série de reações em minha turma, seja pela identificação da ausência da mãe, do pai ou pela desassistência vivenciada em tenra idade. Após essa leitura com dramatizações, promovemos atividades voltadas à empatia com perguntas direcionadas às crianças em forma de reflexão (E se fosse você no lugar do lobo, do porquinho, do ajudante, do vizinho, etc., o que você faria? Ajudaria? Como? Você já esteve numa situação em que se sentiu sozinho ou triste? Como foi?). Em seguida, partimos para alguma experiência, como um abraço no amigo, um gesto de carinho, um desenho ou uma dancinha em dupla.

Para debater a importância de diferentes pontos de vista de modo mais lúdico, apresentei a eles um terceiro livro: “A Verdadeira História dos Três Porquinhos”, do norte-americano Jon Scieszka, lançado em 1993. Nessa obra, a narrativa se assemelha às notícias de um jornal tradicional e o lobo mau, chamado de Dr. Alex, conta seu ponto de vista sobre tudo o que aconteceu: por que foi até as casas dos porquinhos e como cada um deles reagia a seus pedidos…

Com este livro, eu tentei dar um ar mais cômico à narrativa para ver como as crianças reagiriam com as atitudes do lobo. E essa versão rendeu muitas perguntas. Apesar do início e meio da história terem se desenrolado de um modo mais leve, o resultado da narrativa trouxe à tona sobre as atitudes do lobo com os porquinhos. As crianças também estranharam a fala do lobo, que funcionava como uma justificativa dos seus atos.

Além das rodas de leitura, convidei as crianças para dramatizações, desenhos e atividades com massinha relacionadas aos livros.

Confira, abaixo, a galeria de fotos:

Preparação

A preparação era feita antes de cada aula, com pesquisa sobre o que a criança sabia ou se lembrava com relação a determinado momento da história, personagens, situações de conflito e desfecho das narrativas. Nesse momento, eram utilizadas imagens dos livros, desenhos e até mesmo objetos que remetessem à história ou momento destacado. A partir daí, dava-se início à contação de história com uma dramatização realizada conforme o narrador (professor) mencionava o fato.

Os recursos utilizados foram bastante diversificados, tendo em vista que muitos objetos eram citados e mostrados para os alunos de modo a enriquecer o enredo. Destaco então os principais:

  • Livro “Os Três Porquinhos”
  • Livro “Os Três Lobinhos e o Porco Mau”
  • Livro “A Verdadeira História dos Três Porquinhos”
  • Palha sintética
  • Palitos de picolé
  • Palitos de fósforo
  • Cola
  • Fita adesiva
  • Giz de cera
  • Folhas de ofício
  • Massinha de modelar
  • Porquinho de pelúcia

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Etapas da atividade

As etapas foram organizadas de acordo com a rotina do bimestre na educação infantil, de segunda a sexta-feira, da seguinte forma:

  • Rotina de acolhida dos alunos (chamada e cantigas de entrada);
  • Levantamento sobre o tema (com perguntas, exposição de objetos e conversas);
  • Contação da história (com pausas para dramatizações, perguntas de ênfase e devolutivas);
  • Realização de atividades de registro (tentativas de escrita de nomes dos personagens, cores da história, partes da narrativa,confecções, desenhos, etc);
  • Realização de atividade prática com experiências e vivências nas quais o aluno precisava dar uma resposta por meio de uma atitude, colocando-se no lugar do personagem da história);
  • Roda de conversa (relembrando a história contada e seus momentos);
  • Brincadeiras orientadas (ciranda, pique, bolas, bolhas de sabão ou cordas);
  • Brincadeiras livres (com brinquedos ou bolas);
  • Momento da leitura (escolha de livros para deleite, individual ou em duplas);
  • Rotina de despedida (músicas pedidas pelas crianças e entrega aos responsáveis).
Arquivo pessoal

Retorno avaliativo

O objetivo principal do projeto é o exercício da empatia, do diálogo, da resolução dos conflitos, da inclusão, do entendimento tanto das emoções pessoais quanto das alheias, levando sempre ao pensamento crítico e dialógico com o senso de democracia, justiça, respeito ao próximo e autoconhecimento. Este projeto se relaciona com os campos de experiências, pois na educação infantil as interações e as brincadeiras estão intimamente ligadas à prática docente, com as rodas de conversa, contações de histórias, vivências e expressões. Por isso, a proposta “Do meu lugar ao lugar do outro” teve diversas abordagens conforme as devolutivas das próprias crianças.

De modo geral, os alunos gostaram bastante. Na entrada ou na saída, pais e responsáveis vinham perguntar mais detalhes das histórias para recontá-las em casa, uma vez que perceberam os filhos mais animados naquela semana. A turma também participou com bastante engajamento das atividades.

Destaco, ainda, que a prática contribuiu bastante para a expressão dos sentimentos em sala de aula de um modo positivo e saudável: ao iniciar o ano letivo, passamos por brigas e agressões entre os alunos, palavras proferidas carregadas de tristeza e um acúmulo de sentimentos negativos sem direcionamento adequado. Atualmente, as crianças já conseguem conduzir suas próprias resoluções de conflitos, cabendo a mim apenas as intervenções mais específicas nos aspectos emocional, comportamental, motor e intelectual.

Houve uma melhora significativa do clima da turma e, consequentemente, uma assiduidade maior nas aulas.


Rafael Crizanto de Sousa Silva

Professor formado pelo curso normal magistério, é pedagogo, psicanalista, especialista em psicopedagogia, educação especial e gestão escolar. Atua como professor na educação infantil no município de Queimados (RJ).

TAGS

educação infantil, literatura, Prêmio Professor Porvir

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