Retomada precisa ter foco ainda maior em interações, diz especialista em ensino de inglês - PORVIR
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Inovações em Educação

Retomada precisa ter foco ainda maior em interações, diz especialista em ensino de inglês

Ben Knight, da editora Cambridge University Press, analisa o impacto da covid na relação entre professor e aluno e também nos currículos

Parceria com Cambridge University Press

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 23 de julho de 2021

Depois de tanto tempo acompanhando as aulas pelo computador, a retomada das aulas após o início da pandemia precisa estimular a interação entre os estudantes, diz Ben Knight, diretor de pesquisas sobre ensino de inglês e formação de professores da Cambridge University Press, editora ligada à Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Em uma conversa com o Porvir antes do Cambridge Day, evento que será realizado entre os dias 28 e 30 de julho, Knight tratou não apenas de ensino de inglês como língua estrangeira, mas também sobre o impacto da pandemia no comportamento de professores e alunos.

Por mais que alunos e professores tenham ganhado experiência com tecnologia para aprendizagem, o diretor reconhece que os estudantes não aprenderam tudo o que os currículos estipulavam. Segundo ele, a partir de agora, essas diretrizes precisam ganhar camadas que tratem de competências socioemocionais e que promovam a autonomia do estudante em relação aos estudos. “Ignorar a pandemia seria um grande erro”, disse.

Ao ser questionado sobre o impacto de mudanças curriculares no Brasil que reforçam o desenvolvimento de competências, Knight pondera que é necessário buscar um equilíbrio entre o conteúdo acadêmico e o trabalho com competências. Ele não vê a discussão como um  “ou”, mas como “e”. Por mais que o ensino de inglês já tenha um viés para o desenvolvimento de competências, é necessário um trabalho com vocabulário para uma boa expressão oral e escrita. Leia abaixo destaques da conversa.

Porvir – Como esse período de ensino mudou ou reforçou sua visão sobre como precisamos mudar a maneira como ensinamos tanto alunos quanto professores de inglês?
Ben Knight – Há tantas coisas negativas com essa experiência trágica, mas também há coisas a aprender a partir dela. Para o ensino de línguas, acho que duas coisas são principais: em primeiro lugar, o uso da tecnologia. Uma coisa que certamente mudou é a capacidade das pessoas usarem tecnologia para resolver problemas. Agora há alternativas para ampliar o aprendizado para além da sala de aula, o que era difícil de imaginar no passado. Isso é positivo. Em relação à formação de professores, hoje é mais fácil imaginar docentes fazendo e desenvolvendo uma compreensão sobre o que é o ensino online.

Outra coisa que aprendemos é a importância da interação social na aprendizagem e que, de certa forma, é uma espécie de lição negativa, pois o que ficou claro é que não aprendemos realmente, exceto com essa interação social, e tentamos recriá-la online. Mas é muito difícil. Esse é o grande valor das aulas presenciais. As crianças estão sempre próximas umas das outras e influenciando umas às outras, para além do trabalho do professor. De certa forma, uma lição boa e positiva que advém disso é que aprendemos de fato como animais sociais e não seguindo um programa de computador, que apenas nos conduz por algumas etapas.

Porvir – Imagino que você esteja participando de muitos eventos online neste período. Poderia citar as dúvidas mais comuns dos professores? Em que pontos eles têm mencionado mais dificuldade?
Knight – Às vezes, a dificuldade tem a ver com o fato de que seus alunos possuem equipamentos diferentes. Por mais que o professor estabeleça um plano de aula, na prática os estudantes não conseguem realizá-la por não ter conectividade suficiente. Existem muitas restrições e aquelas crianças com menos recursos, mais pobres, correm mais risco nesse contexto. Em uma sala de aula presencial, essas diferenças não são tão óbvias quanto em uma sala de aula digital.

Porvir – De que forma o ensino de inglês deve ser impactado por toda essa experiência? No Brasil, estamos em meio a uma reforma curricular que busca reforçar o desenvolvimento de competências.
Knight – Essa discussão em torno das competências não é um grande problema, porque o aprendizado da língua inglesa se concentra principalmente nas competências. Ele compreende uma mistura de conhecimento acadêmico, gramática, vocabulário, expressão oral, escuta e leitura. A maioria dos professores já sabe disso.

A abordagem por competências é benéfica, mas é igualmente importante que haja um equilíbrio. No Reino Unido, vemos um grande debate entre algumas pessoas que dizem que a abordagem por competências está muito concentrada nas habilidades, em detrimento da parte acadêmica. Provavelmente no Brasil também existam escolas onde o ensino da língua inglesa é concentrado em conhecimento acadêmico.

A maioria dos professores bem formados entendem que é necessário encontrar o equilíbrio entre conhecimento e habilidades. O estudante precisa saber falar e escrever, não se trata apenas de gramática. Em outra disciplina como história, por exemplo, conhecimento significa saber fatos, datas e acontecimentos, mas é importante que tenham a habilidade de avaliar diferentes textos, fontes e evidências.

Porvir – Como você analisa o impacto da Covid-19 sobre os currículos?
Knight – Ignorar a pandemia seria um grande erro. Em primeiro lugar, existe uma lacuna em relação ao que estudantes foram capazes de aprender e o que estava previsto no currículo. Deve haver um plano para não penalizá-los e esse é um dos desafios para governos e sistemas de ensino porque não houve o tempo necessário. Para além disso, deve estar presente também uma abordagem socioemocional para que professores tenham a chance de falar sobre as suas experiências.

Existe uma tendência que gira em torno de tentar dar mais peso às competências transferíveis (equivalentes no Brasil às habilidades não-cognitivas ou competências do século 21). Em Cambridge, chamamos de competências para a vida. Lembro-me de ter visto o rascunho da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) há dois anos e ali esse tema era muito discutido. Então, eu penso que é uma direção para a qual as coisas estão indo que farão parte da recuperação da experiência da pandemia.

Porvir – Uma das grandes dificuldades do ensino remoto apontadas pelos alunos envolve o processo de organização da rotina de estudos. Imagino que isso tenha sido ainda mais complicado quando se está aprendendo uma nova língua, certo?
Knight – A Covid fez com que professores percebessem que seus alunos não são muito bons em gerenciar o próprio aprendizado. Nas aulas presenciais, os professores têm muito mais controle sobre os alunos, podem vê-los e responder diretamente a eles. No mundo Covid, os alunos precisavam assumir mais responsabilidade para ter mais autonomia e independência. E eles realmente não tinham desenvolvido essas habilidades.

Uma das grandes lições foi a necessidade de professores desenvolvê-las de forma explícita e ativamente entre seus alunos. Em primeiro lugar, os professores precisam entender claramente quais são essas diferentes habilidades. Um trabalho que temos feito em Cambridge é justamente tentar definir o que é um bom aluno autônomo. Quais seriam as habilidades que ele precisa? Algumas têm a ver com organizar o tempo, planejar as ações e saber usar os discursos à disposição, como um dicionário online ou dicionário de pronúncia. Isso tem ligação com estabelecer hábitos de aprendizagem. Se você quer se tornar bom em algo, muitas vezes é preciso criar um hábito que o faz desenvolver essa habilidade com o tempo.

Portanto, há uma série de coisas diferentes que precisamos observar. Em primeiro lugar, entender quais são as habilidades que eles precisam. A segunda coisa é que os professores entendam que faz parte de seu papel desenvolver essas habilidades com os alunos de uma forma que os alunos possam aprender de forma independente. O que pretendemos é que o professor se torne muito mais um tutor que apoie os alunos.

A terceira coisa que eu diria é que os professores precisam reconhecer que transferir o controle de si para os alunos não pode ser feito de uma vez só. Não dá para dizer “Ok, agora você está no controle” porque eles não estão acostumados com isso. Talvez no primeiro ano, esses sejam os tipos de decisões e escolhas que daremos aos alunos. Pode ser uma escolha entre duas coisas diferentes para ler ou sobre o que falar. Então, apenas começando a dar a eles algumas escolhas e então a cada ano, construindo mais controle e escolhas para os alunos, para que eles aprendam a ser capazes de tomar as decisões que são responsáveis ​​por seu aprendizado.

Porvir – Os professores estão agora juntando todas as suas anotações e se preparando para o reinício do ano letivo aqui no Brasil. Que conselho daria para o primeiro dia ou primeiro mês de aulas?
Knight – Acho que uma das coisas é reconhecer as experiências difíceis pelas quais todos passaram. Não é no primeiro dia que você fala sobre o seu trauma, mas precisa haver um espaço planejado. A outra questão é a interação.

Se eu fosse um professor em uma das escolas que estão retornando, estaria pensando em atividades que são muito mais interativas do que talvez no passado. Antes, talvez eu tivesse foco em conhecimento, desenvolvimento e alguma interação. Agora, pensaria que devem haver mais interações.

Eu tentaria aproveitar ao máximo a experiência física de estar na classe e fazer os alunos se moverem e não ficar apenas presos em uma cadeira, porque eles passaram esse tempo todo diante da tela. Tente colocá-los em movimento. Isso também faz parte da interação.

É ter clareza também que os estudantes não terão aprendido tudo o que deveriam ter aprendido e, portanto, acho que provavelmente será necessário tomar algumas decisões sobre as prioridades. Você sabe, uma das coisas mais importantes deste ano que eles precisam dominar. Pensar principalmente sobre isso e não tentar ensinar tudo.

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coronavírus, formação continuada, tecnologia

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