Silenciando o efeito Mozart
Pesquisa de Harvard questiona senso comum de que ouvir música faz com que crianças se tornem mais inteligentes
por Redação 12 de dezembro de 2013
Uma pesquisa realizada em 1993 marcou profundamente o que se pensa hoje sobre o ensino de música. Na época, três pesquisadores norte-americanos publicaram na revista Nature um estudo que ficou famoso e cunhou o termo “efeito Mozart”, segundo o qual as crianças se tornam mais inteligentes pelo simples fato de serem expostas a música de Mozart. Esse estudo desencadeou uma série de outros que reafirmaram o papel da música no desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Mas agora um doutorando de Harvard está dizendo que não é bem assim.
Samuel Mehr publicou ontem (11) no jornal científico de livre acesso PLoS One o estudo Two Randomized Trials Provide No Consist Evidence for Nonmusical Cognitive Benefits of Brief Preschool Music Enrichment. Nele, o pesquisador mostra que a prática de música não tem nenhum efeito sobre a habilidade cognitiva das crianças. “Crianças pequenas muito frequentemente são submetidas a atividades musicais, mas os efeitos da educação musical para crianças em seu desenvolvimento cognitivo ainda são desconhecidos”, afirma o autor em seu estudo. E a briga que ele compra é grande, já que o senso comum é que música ajuda as pessoas a se tornarem mais inteligentes. “Mais de 80% dos adultos norte-americanos pensam que a música melhora as notas ou a inteligência [dos alunos]”, disse ele ao Harvard Gazette.
O primeiro passo dado por Mehr e seus colegas foi revisitar os estudos que surgiram após a teoria do efeito Mozart ser lançada. Para sua surpresa, eles descobriram que apenas cinco de fato analisaram amostras aleatórias e controladas de crianças para medir o efeito das aulas de música em sua cognição. E dessas pesquisas, só uma mostrou um efeito inequivocamente positivo das aulas, mas ainda assim muito pequeno para ser estatisticamente relevante – o aumento nos níveis de QI, nesse caso, foi de 2,7%.
Mehr fez então dois estudos com crianças em idade pré-escolar: no primeiro, comparou o desempenho de um grupo exposto a seis semanas de aulas de música com outro que teve a mesma proporção de aulas de artes visuais; no segundo experimento, colocou os pequenos novamente para terem aula de música e comparou seus resultados com crianças que não tiveram aula nenhuma.
A ideia era propiciar diferentes experiências a esses grupos e depois testar o desempenho de cada participante em quatro avaliações específicas, nas área de cognição, vocabulário, matemática e atividades espaciais. “Em vez de usar algo geral, como um teste de QI, nós testamos quatro domínios específicos da cognição”, disse Mehr. “Se realmente houvesse um efeito na prática de música na cognição das crianças, nós deveríamos estar mais aptos a detectar isso do que em estudos anteriores, porque esses testes são mais sensíveis do que os de inteligência geral”, completou.
No primeiro experimento, aquele que comparava crianças que tiveram aulas de música com as que tiveram aulas de arte, os grupos mostraram resultado parecido nas atividades de vocabulário e estimativa numérica. Mas, ao avaliar os desempenhos das duas atividades espaciais propostas, um grupo foi melhor em uma e outro foi melhor na segunda. Diante do resultado inconclusivo, Mehr resolveu aumentar sua amostra e realizar o segundo teste, desta vez comparando os desempenhos de um grupo exposto a música a outro que não foi exposto a nada.
Assim como no primeiro estudo, diz Mehr, não houve nenhuma evidência de que a prática de música propiciasse benefícios cognitivos. “Existe uma pequena diferença de desempenho entre os grupos, mas nenhuma foi grande o suficiente para se tornar estatisticamente significante”, diz Mehr. “Mesmo quando usamos ferramentas estatísticas mais refinadas, os efeitos simplesmente não apareciam.”
Apesar de os resultados sugerirem que a música não é um atalho para o sucesso na escola, Mehr ressalta que a educação musical tem um valor importante. “Não ensinamos Shakespeare porque achamos que isso vá ajudar os alunos a ir melhor no SAT [exame que alunos fazem antes de entrar na faculdade]. Nós ensinamos Shakespeare porque achamos que é importante”, comparou o pesquisador.
Com informações da Harvard Gazette