SP prepara projeto de lei para a gestão democrática nas escolas
Iniciativa começou com a escuta da comunidade escolar, que elaborou propostas para fortalecer mecanismos de participação nas escolas
por Vinícius de Oliveira 7 de dezembro de 2017
Após um ano e meio de discussões que mobilizaram diferentes integrantes da comunidade escolar, o Projeto Gestão Democrática da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo deu mais um passo na última semana. Durante evento na quinta (30) e sexta (1), na capital paulista, representantes de professores, gestores, servidores, técnicos das escolas e diretorias de ensino, estudantes, pais e responsáveis puderam conhecer e sugerir mudanças às versões preliminares do texto que será incluído no Projeto de Lei da Gestão Democrática e também do Plano de Fortalecimento da Cultura Democrática.
Desenvolvido em parceria com o Instituto Inspirare, do qual o Porvir faz parte, o projeto surgiu para atender a determinações do Plano Nacional de Educação (PNE) e do Plano Estadual de Educação (PEE), além de demandas dos estudantes da rede pela ampliação do espaço de diálogo. Segundo o chefe de gabinete da Secretaria de Estado da Educação, Wilson Levy, o projeto tende a ter uma aceitação imediata de todos por inverter a lógica da política pública.
“Geralmente (um projeto) é algo pensado em gabinete por especialistas, formatado e aplicado na prática. Aqui, nós fizemos um projeto básico bastante singelo que previa, desde o início, que seria construído por seus destinatários, e não por uma equipe de iluminados da secretaria”, afirmou. Para o representante da secretaria, os benefícios do projeto são percebidos ao longo de seu processo de construção. “O convite para debater desde o início tem um reflexo claro nas relações dentro da escola. As pessoas começam a entender que o projeto é delas, e não pensado e executado a partir da secretaria”, explica.
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A cada momento de fala, seja pela voz de alunos e familiares ou pelos integrantes dos diferentes quadros da secretaria, era possível perceber que a abertura de espaço para a participação nas decisões da escola motivou uma sensação de pertencimento. Érito Franz Bancher, que tem dois filhos na rede estadual e integra a Associação de Pais e Mestres das escolas, afirmou que o principal desafio para a participação democrática é “deixar a chama acesa” durante o ano inteiro e evitar que sejam estabelecidos apenas papéis figurativos. “Existe uma dificuldade para chamar os pais para participar. O jeito mais comum é fixar na escola uma folha de convocação e, conforme alguns pais dizem, é também o jeito mais fácil de ninguém ser informado. Poucos chegam a entrar na escola para ter acesso a essa informação”, disse. Apesar de reconhecer que os problemas podem ser mais facilmente resolvidos por quem vive o dia a dia da escola, ele admite que a distribuição mais clara de funções pode melhorar a motivação dos familiares. “Os pais acabam fazendo figuração, servindo às vezes só para assinar ou completar uma ata”.
Representando os funcionários de escolas, Rodrigo Gabriel da Silva, agente de organização da Escola Clarice Lispector, de Guarulhos, concordou com o chefe de gabinete. “Existem várias coisas que a gente precisa reivindicar, mas uma coisa que é unânime entre todos os funcionários é a valorização e o reconhecimento. Esse projeto mostrou que a gente tem valor e pode ser ouvido”. Em seguida, ponderou que ainda faltam ações práticas. “Se vocês saírem daqui e entrarem no site da Secretaria de Educação, tem várias coisas, vários projetos, mas sempre é excluído o agente de organização escolar. Nas entrevistas das autoridades, não se fala. Parece que somos invisíveis”.
Uma outra instância, muitas vezes vista como tribunal que aprova/reprova, também encontra no projeto uma forma de emancipação. Denise Conceição de Oliveira Couto, professora da Escola Estadual Professora Magali Alonso, em Praia Grande, com 1.300 alunos distribuídos em três períodos, considera o conselho de classe (confundido com o conselho de escola, veja histórico abaixo) uma instância importante para o professor conhecer o aluno. “É nesse momento que você reconhece a aptidão de cada aluno: é humanas?, exatas?, biológicas? O que ele gosta mais? É nesse momento que o aluno conta algo para o professor, que consegue entender por que o rendimento não foi o esperado”.
Pelo lado dos alunos, a participação in loco trouxe novas perspectivas. Esse foi o caso de estudantes como Sophia Martinez, presidente do grêmio da Escola Estadual Julio Prestes de Albuquerque, em Sorocaba, que teve contato com o projeto desde os encontros regionais. “Tenho contato com a diretoria de ensino e com a direção da minha escola, que é bem grande e tem 1.500 alunos. Chegar em um ambiente com tanta gente é bem diferente da realidade. A educação não seria nada se não fossem os alunos que estão lá presenciando todos os dias os problemas de uma escola pública”.
Com experiência de quem durante o dia encara a jornada em um curso técnico e à noite faz o ensino médio, Miriã Ribeiro, estudante da Escola Estadual João Batista Botelho, em Santo Antônio do Aracanguá, diz ter ficado surpresa com a dimensão do evento. “Os profissionais que estão com a gente vestiram a camisa para que houvesse melhoria e tudo fosse colocado no lugar. E estão aqui nos dando voz para uma coisa que nos interessa não somente hoje, mas para as futuras gerações”, disse. Para ela, outro fator motivante foi a receptividade de professores ao projeto. “Em um país em que o professor é desvalorizado a todo o instante, sofrendo agressões físicas e verbais, eles ainda assim se sentem dispostos a vir aqui pela melhoria. Nós queremos a voz e nós queremos a mudança para a gestão democrática. Meu maior sonho é ser professora, as pessoas me dizem para buscar outra profissão, mas quando vejo isso, me sinto inspirada”.
No final do painel sobre “Gestão Democrática: APM, Conselho de Escola, Grêmio Estudantil”, quem pediu um esforço coletivo foi a estudante Emily Aureliano Pinto, da Escola Estadual Parque Viviane, em Itaquaquecetuba. “Hoje estamos aqui recebendo um sal, um tempero, enquanto lá fora está tudo sem graça. Quando você chegar a sua escola, tempera. Muitos queriam ter essa oportunidade de estar aqui. Não é achar culpados, é procurar solução. Nesses dias, nós alunos estamos aprendendo muito”. Toda essa vontade para se envolver nos assuntos de escola veio por influência de um professor de educação física. “Meu professor, Felipe, ao invés de levar a gente para a quadra, fazia roda de conversa e nós debatíamos assuntos que estavam acontecendo e dávamos nosso posicionamento”, conta. Na ocasião, lembra de ter questionado o professor. “Por que isso? Eu morro de vontade para chegar a sua aula e ir para a quadra porque eu amo futsal. E ele disse que mais que ensinar a jogar bola, queria ensinar a ter senso crítico”.
Histórico
O caminho até o encontro da última semana começou em 2016, quando a secretaria criou um grupo de trabalho para modernizar a legislação do grêmio estudantil, conselho escolar e Associação de Pais e Mestres. A primeira iniciativa foi diagnosticar o que a rede entendia a respeito de democracia e dos espaços de participação dentro das escolas. Representantes dos sete segmentos da comunidade escolar (estudantes, familiares, professores, gestores, servidores, técnicos das escolas e diretorias de ensino) ajudaram a formular um questionário que posteriormente foi aplicado 4.700 escolas da rede.
Com as respostas em mãos, teve início uma etapa local, em que a comunidade recebeu o seu próprio relatório e discutiu soluções para os problemas apontados pela escuta. “Uma coisa que ficou nítida foi que todos os segmentos disseram que a comunicação não é eficiente em nenhum nível. O que eles entendem como democracia também é muito básico, o direito à fala”, diz Gilssara Bandeira, supervisora de ensino da diretoria de Mogi Mirim. Segundo ela, também ficou evidente a necessidade de formação. “Não há clareza sobre os colegiados, o que denota falta de comunicação e que a gestão democrática não está consolidada. Na rede, há uma confusão entre conselho de classe e conselho de escola, equívoco que aparecia entre alunos e mesmo entre professores”.
As sugestões das escolas foram enviadas às regionais de ensino, que promoveram uma votação na plataforma Secretaria Escolar Digital para fazer a triagem do material. As 10 propostas mais votadas por 264 mil participantes foram publicadas no site da secretaria para conhecimento público e apoiaram a criação do texto do projeto de lei e do plano de cultura democrática, levados à reunião estadual. “Vamos incorporar as contribuições do encontro estadual e o próximo passo é a validação junto aos órgãos da secretaria até janeiro. Em fevereiro, haverá a consulta pública”, diz Raquel Favero, coordenadora executiva do projeto.