“Todos devem investir nos filhos dos outros” - PORVIR
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Inovações em Educação

“Todos devem investir nos filhos dos outros”

No livro “Our Kids”, o professor de Harvard propõe ações para garantir oportunidades iguais para crianças ricas e pobres nos EUA

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 27 de julho de 2015

Como o aumento das desigualdades sociais nos Estados Unidos e a falta de oportunidades baseada na classe social têm afetado as crianças e jovens nas últimas décadas? Este é o questionamento inicial do livro “Our Kids: The American Dream in Crisis” (Nossas Crianças: O Sonho Americano em Crise, em tradução livre), escrito pelo premiado cientista social americano Robert D. Putnam, professor de Políticas Públicas em Harvard, autor de 14 livros e consultor do presidente americano, Barack Obama.

Para o autor, entre todas as ações necessárias para mudar o cenário atual, a mais importante é o comprometimento de todos em investir nos filhos dos outros. “As crianças pobres americanas pertencem a nós e nós a elas. Elas são nossas crianças”, diz. Putnam ilustra suas análises com pesquisas feitas por outros estudiosos e por histórias de vida de famílias de diferentes classes sociais, baseando-se principalmente pelos anos de estudos dos pais.

O cientista social usa sua cidade natal, Port Clinton, em Ohio, como cenário para mostrar as mudanças ocorridas no país entre a década de 1950 e a atualidade. Ele descreve a trajetória de alguns de seus ex-colegas de escola, após a formatura no ensino médio em 1959. Mesmo vindo de classes sociais diferentes, como um rapaz de classe média, outro de família rica, uma mulher e um homem e uma mulher negros, todos chegaram à faculdade, apesar das dificuldades.

Putnam contrapõe estes relatos às histórias de dois jovens que vivem na cidade atualmente, uma garota que nasceu em uma família rica e tem todo o incentivo dos pais para se dedicar aos estudos e um rapaz que nasceu em uma família de baixo nível socioeconômico, com um pai usuário de drogas e uma mãe ausente. Esses jovens vivem em uma cidade completamente diferente da que Putnam conhecia. Port Clinton começou a empobrecer, e a mudar, na década de 1970, quando a maior empresa local começou a entrar em decadência até fechar nos anos 1990. Depois disso, a pobreza aumentou, muitos moradores saíram da cidade, a delinquência disparou e cresceu o número de filhos de mães solteiras e o registro de divórcios.

Para Putnam, as histórias mostram que o que ele chama de “lacuna de oportunidades” cresceu dramaticamente nos últimos anos devido parcialmente ao fato de que os jovens ricos de hoje têm mais vantagens, mas principalmente porque as crianças pobres da atualidade estão em uma situação muito pior do que as da década de 1950. As crianças pobres de hoje estão mais isoladas, problemáticas e sem esperanças de vida, segundo Putnam.

As crianças pobres americanas pertencem a nós e nós a elas. Elas são nossas crianças

Enquanto os jovens de sua época tinham famílias estáveis e apoio de membros da comunidade para seguir nos estudos, como professores, líderes religiosos e treinadores, os adolescentes pobres de hoje crescem em famílias desestruturadas e têm de se virar por conta própria, já que nenhum adulto próximo está disposto a guiá-los. Segundo o cientista social, as crianças e jovens da década de 1950 eram consideradas “nossas crianças” por todos os membros da comunidade. Hoje, poucos adultos das classes mais altas percebem a existência de crianças e jovens que passam por dificuldades e menos pessoas ainda olham para eles como “nossas crianças”.

Outra constatação do autor é que as crianças de classes sociais diferentes de sua época estudavam juntas, moravam no mesmo bairro, brincavam e rezavam juntas e, muitas vezes, até namoravam umas com as outras. Atualmente, é muito mais difícil que pessoas de classes sociais diferentes interajam entre si. Para Putnam, três motivos levam à isso: a separação entre vizinhanças, a segregação educacional – crianças de classes diferentes estudam em escolas diferentes – e casamento – as pessoas casam cada vez mais com pessoas da mesma classe social.

Para mostrar a diferença entre crescer em uma família pobre e em uma rica, Putnam usa a cidade de Bend, no Oregon, como exemplo. Ele conta a história de dois adolescentes da cidade, um rico e uma pobre. Suas histórias mostram como as famílias atuais são construídas. As ricas tendem a se parecer com as famílias dos anos 1950, estáveis e que se dedicam aos filhos, com a diferença que as mulheres trabalham agora. Já as famílias pobres passaram a ser compostas por filhos de pais e mães que se conheceram, mas não necessariamente se casaram e, muitas vezes, são criados apenas pelo pai ou pela mãe.

As mulheres de classe alta adiam a maternidade para o final da segunda década de vida ou início da terceira, cerca de seis anos a mais do que as mulheres ricas dos anos 1950. Já as mulheres pobres têm filhos no final da adolescência, anos antes de mulheres da mesma classe social nos anos 1960. A diferença entre ter filhos planejados e filhos não planejados leva às disparidades na vida das crianças geradas pelas diferentes classes sociais. Ele mostra ainda outras características relacionadas à classe social, como taxa de divórcios, de coabitação, de nascimentos fora do casamento e fertilidade com diferentes parceiros. “A pobreza produz instabilidade familiar, e a instabilidade familiar produz pobreza”, diz Putnam.

O autor usa a cidade de Atlanta, no sul do país, para analisar a separação entre as classes sociais. Na cidade, a população rica, na sua maioria branca, mas que inclui negros, vive em bairros de luxo e condomínios ao redor da cidade. A população pobre, na maioria negra, vive na região central. Putnam conta a história de três jovens negros, um rico, um de classe média e outro pobre, para mostrar como a situação econômica, uma família estruturada e o empenho dos pais na educação dos filhos afeta o futuro de crianças de diferentes contextos sociais, independentemente da raça.

Primeiros anos

Putnam discute ainda a importância dos primeiros anos de vida da criança para todo seu desenvolvimento. O autor cita pesquisas que mostram que habilidades adquiridas nesse período são essenciais e fazem com que o aprendizado nos anos seguintes seja mais eficiente. Lembra ainda que o estresse durante os primeiros anos de vida é capaz de impedir o desenvolvimento.

O estudioso afirma que as evidências sugerem que o estilo de educação das classes mais altas caracterizado pelo cuidado, afeto, carinho, envolvimento ativo e disciplina à base da conversa, ajuda a aumentar as competências socioemocionais das crianças. Para o cientista social, um ponto se torna muito importante para o desenvolvimento da criança em relação à atitude dos pais: os jantares em família, um poderoso investimento na educação dos filhos.

Para tratar das diferenças entre escolas, o cientista social compara duas instituições de Orange County, na Califórnia. Uma delas em uma região pobre e outra em uma cidade rica. Mostra que o número de professores é parecido, assim como os gastos por aluno, a qualidade dos educadores e os aconselhamentos. O que muda, no entanto, são as características dos alunos. Na cidade de Santa Ana, são na maioria pobres, latinos, que falam espanhol. Na outra escola, na cidade de Fullerton, há maior diversidade étnica e os alunos vêm de famílias com mais dinheiro. Essas diferenças se refletem nos resultados das duas escolas, com os alunos do bairro pobre tendo quatro vezes mais chance de abandonar os estudos, dez vezes mais chance de ser suspensos, e um terço de chance de fazer os testes para seguir para a faculdade.

Putnam questiona: “as escolas americanas de hoje tendem a ampliar a crescente distância entre crianças que têm e crianças que não têm? As escolas reduzem esta distância, ou elas têm pouco efeito nisso?”. O autor lembra que o sistema educacional americano foi criado para dar a todas as crianças, independente de sua origem familiar, uma chance de melhorar na vida.

Segundo a pesquisa citada no livro do sociólogo de Stanford Sean Reardon, a distância entre as realizações de crianças de famílias de baixa renda e de alta renda é 30 a 40% maior entre crianças nascidas em 2001 do que entre crianças nascidas 25 anos antes. Essa diferença ocorre, principalmente, pelo fato de que as crianças ricas de hoje passam muitos mais anos na escola do que as pobres. Mas, segundo Putnam, as análises de Reardon sugerem que as escolas sozinhas não criam a distância entre oportunidades: a distância já é bastante grande quando as crianças entram no jardim da infância, e não cresce consideravelmente durante o progresso delas na escola.

Outro fator importante é que as famílias pobres e ricas vão a escolas diferentes. Elas não se misturam mais como ocorria nos anos 1950 e 1960 no país.

Vizinhança

Putnam usa a Philadelphia como pano de fundo para falar sobre como o local em que vivem os jovens, com seus contrastes sociais e desafios, afetam ricos e pobres. Mais uma vez, o autor conta a história de duas famílias, uma de cada classe social para mostrar as diferenças entre a comunidade em que cada uma vive. Segundo o autor, o acesso a redes sociais (reais, não virtuais), mentores, vizinhanças e igrejas ajudam a aumentar ou diminuir as chances de vida dos jovens.

O autor cita pesquisas que mostram que pais bem educados e ricos têm mais amigos próximos e têm mais relações sociais. Isso facilita o acesso aos filhos deles a estas pessoas. As famílias ricas também se sentem mais abertas a confiar na vizinhança do que os pobres. O hábito de frequentar igrejas também é maior entre os ricos.

Como mudar

De acordo com Putnam, as desigualdades enfrentadas pelos jovens da atualidade criam problemas econômicos, democráticos e morais. Para mudar o contexto atual, o autor propõe ações voltadas ao fortalecimento da estrutura familiar, ao desenvolvimento infantil e aos pais, às escolas e à comunidade. No caso das famílias, afirma que os religiosos podem ajudar a dar suporte para os casamentos, aos pais e com suas responsabilidades com as crianças. Ele sugere ainda que o país invista mais em campanhas para diminuir a gravidez indesejada.

Para melhorar a situação econômica das famílias pobres, Putnam afirma que seria importante adotar programas para prover pequenas quantias a mais de dinheiro, principalmente para aqueles que têm filhos pequenos. Segundo o autor, pesquisas mostram que a melhoria da renda da família nesta faixa etária da criança ajuda a melhorar o desempenho em testes escolares no futuro. Outro ponto importante seria diminuir o encarceramento e aumentar a reabilitação das pessoas em casos de crimes não violentos.

Putnam sugere ainda que seja dado mais suporte às mães durante o primeiro ano de vida do filho, como flexibilidade no trabalho e jornada de meio período, já que estudos mostram que as crianças se desenvolvem melhor se têm um contato próximo com a mãe durante o primeiro ano. O autor pede a maior oferta de locais especializados para o cuidado das crianças na infância, antes que entrem na educação regular. Outra sugestão é que as famílias pobres recebam acompanhamento de conselheiros, para ajudar com problemas de saúde, cuidados com a criança e estresse.

Para as escolas, Putnam afirma que é preciso colocar bons professores para dar aulas nas escolas em bairros pobres e investir mais nestas escolas. É necessário ainda oferecer mais atividades extracurriculares e oportunidades enriquecedoras para os alunos. Ele sugere também que a comunidade se aproxime das escolas, oferecendo serviços sociais e de saúde e programas para engajar os pais na escola. O país precisa ainda voltar a investir na educação vocacional e nas faculdades com menor duração e que permitem ao aluno trabalhar no outro período. Programas de mentoria e treinamento também são recomendados.

Ele avisa, porém, que, assim como o problema cresceu devagar, as soluções também são lentas. “Algumas coisas podem ser feitas rápido, como acabar com a necessidade de pagamento para participação em atividades extracurriculares. Outras grandes mudanças, como a instituição de uma educação infantil nacional ou a recomposição dos salários da classe trabalhadora, demorarão mais para serem implementadas, mas temos que começar agora”, afirma.


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engajamento familiar, equidade

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