Universidade da Correria visa autonomia e liberdade
Iniciativa organiza encontros para ensinar jovens a empreender e romper com os padrões estabelecidos do mercado
por Vinícius Bopprê 19 de setembro de 2013
“Correria é correria, significa trampo, trabalho, vida. Correria é atitude, é ir atrás. E não é só cara da favela que é correria, um cara do Leblon também pode ser. Qualquer pessoa, de qualquer lugar, pode fazer diferente, ir adiante”. Quem diz isso é Anderson França, o Dinho, que criou, entre vários outros projetos, a Universidade da Correria, iniciativa que promove workshops e palestras gratuitas, além de encontros nas redes sociais para “jovens que desejam sair da zona de conforto do assalariado, se arriscar e empreender”.
“O sistema educacional prepara pessoas para não serem autônomas, muito embora isso seja vendido. Essa formação cada vez melhor não garante que o cara vai estar no melhor trabalho, que vai estar feliz”, diz Dinho. Para mudar essa realidade, a Universidade da Correria se reúne semanalmente na Unisuam, universidade localizada entre o Complexo do Alemão e o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), em São Paulo. Participam das atividades jovens de todas as classes sociais. Nesses encontros, a equipe trabalha em cima de três premissas: a pedagogia da liberdade, a promoção de autonomia e a metodologia da ruptura.
Na primeira delas, os participantes entram em contato com a necessidade de experimentar e com os questionamentos sobre seus objetivos de vida e carreira. É a pedagogia da liberdade que vai mostrar para eles que as profissões do futuro ainda não foram criadas e que, por serem livres, podem criar o seu próprio trabalho, podem ser donos do próprio tempo.
Na promoção de autonomia, o objetivo não é preparar o jovem para ser o melhor profissional de mercado, um replicador de ações ou para ser um empreendedor de impacto, a ideia é promover sua autonomia e independência. “A gente tenta fazer o cara entender que sua ideia de negócio precisa fazer ele feliz, precisa fazer sentido, já que ele vai fazer isso para o resto da vida. A ideia não é ensinar a servir no restaurante ou ser o chef de cozinha porque ganha bem, ele precisa ser livre”, explica.
Negócio feito
Depois de passar por essas fases, a universidade começa a desenvolver a metodologia da ruptura, que é onde os alunos terão acesso a práticas para o desenvolvimento do seu negócio. “Nas universidades de fora do país, o aluno tem disciplinas de formação de negócio, independente da profissão. Aqui, não, a ideia é formar profissionais dentro da caixa”, critica o fundador, que completa: “Você não precisa de diploma para ser um empreendedor, não precisa acreditar que é melhor ter uma carteira assinada ou ser um funcionário público”.
Quando alguém chega com uma ideia para um novo negócio, deve conversar primeiro com Dinho, chamado de “PhD em negócios da Universidade da Correria”. E o título não é em vão. Sem dinheiro, só por meio de contatos e, claro, da correria, Dinho já tirou do papel diversas ideias, entre elas o Dharma Agência, que conecta pessoas e projetos em prol da inovação social e a FunkYou, marca de roupas e acessórios voltadas para o funk carioca.
Graças a esse currículo, Dinho é quem vai dar o aval sobre a viabilidade do novo projeto. Depois de aprovado, as reuniões começam, tanto presencialmente quanto via Facebook e outras redes sociais. “A gente se encontra uma vez por semana fisicamente, mas eu estou disponível a qualquer hora. Se o cara quiser falar comigo meia-noite na internet, vamos conversar numa boa”, diz.
Passada essa primeira fase de elaboração do negócio, os novos empreendedores começam a ter reuniões com possíveis investidores. Dinho explica que, dependendo do nível de maturidade do projeto, isso já pode acontecer em duas ou três semanas. E esse modelo já começou a gerar frutos. Em menos de três meses de vida, a Universidade da Correria já tem 60 alunos e quatro negócios em desenvolvimento.
Um deles, ainda sem nome, tem relação com a economia colaborativa e foi criado por um aluno que trabalha com moda. A ideia é comprar várias peças de roupa de marca e disponibilizá-las para aluguel nas favelas, “para que todo mundo possa se vestir bem dentro de um baile”.
O Baú de Memórias, por sua vez, é uma empresa do ramo da culinária que está sendo criada por Priscila Rafael, que já trabalha com bolos há muito tempo, mas quer se profissionalizar e produzir para o mercado de grande investimento. O nome do projeto se deu pelo fato de que Priscila quer produzir bolos que as pessoas comiam quando eram crianças. As outras duas ideias em fase de execução são relacionadas com tecnologias, mais especificamente com o desenvolvimento de aplicativos.
Vale lembrar que a própria Universidade da Correria é um projeto em fase de desenvolvimento. Segundo Dinho, todos os custos das aulas, workshops e palestras promovidas por eles, são pagos graças às vendas das camisas da própria universidade, que têm o logo criado por ele, e são produzidas de maneira colaborativa na favela. “Vou palestrar na Universidade de Columbia [em Nova York] em fevereiro do ano que vem. Também dou palestra na ESPM e em mais um monte de lugar. Onde eu vou, levo minha mala de camisas, não tenho vergonha disso. A Universidade da Correria não pode esperar investimento, Lei Roaunet, ela tem que começar assim, na correria.”