'Trabalho bem feito coloca aluno no lugar do outro' - PORVIR
Crédito: Ponsulak / Fotolia.com

Diário de Inovações

‘Trabalho bem feito coloca aluno no lugar do outro’

Professor Tiago Tristão Artero, de Campo Grande (MS), conta como alia educação física e pedagogia sociocultural para formar cidadãos

por Tiago Tristão Artero ilustração relógio 21 de janeiro de 2015

As aulas de educação física que ministro são baseadas em uma perspectiva que considera aspectos da pedagogia sociocultural e da neurociência, dentro da área da psicomotricidade. Avalio os alunos quanto a sua capacidade de utilizar toda a bagagem motora, cognitiva e social impressa em seus movimentos e oriento os que apresentam déficit durante situações diferentes da aula.

No bairro de Vila Nhanhá, em Campo Grande (MS), onde trabalho na Escola Municipal Brígida Ferraz, há muitas famílias de presidiários ou de ex-presidiários. A questão do ambiente familiar a gente não tem como mudar, mas o comportamento na escola serve como referência para a criança. Pelo menos em algumas horas do dia, ela consegue saber que existem regras, que o professor é o mediador e que vai interferir em diversas situações.

Assim, várias crianças que são violentas mudam de postura e as que são mais introspectivas se aproximam do grupo e passam a interagir um pouco mais. Dois irmãos autistas, que atendo com ajuda de um monitor, ao longo do ano saíram da repetição e passaram a interagir de forma positiva com os colegas e com os materiais que utilizo nas aulas.

A aula é pensada segundo um método heurístico, de eureca, que remete a descobrimento, e eu deixo os materiais disponíveis para os alunos interagirem. Uso isso também com os maiores e me coloco como alguém pronto para ajudar quando for necessário. Nesse momento, eles perguntam se podem fazer um jogo de tabuleiro ou um outro esporte. Deixo eles à vontade, mas em alguns momentos faço intervenções.

Os alunos fazem duas aulas semanais agrupadas em duas horas. Em 1h30, faço uma atividade bem orientada mesmo e, nos trinta minutos finais, acho importante dar uma “liberdade controlada”, até para saber o quanto eles assimilaram dos valores e temas que trabalhei.

Nas séries iniciais do ensino fundamental, trabalho com circuitos e colchonetes no chão em atividades que não incluem necessariamente a bola e que vão servir como base para a prática dos esportes no futuro. Em algumas aulas, também estendo uma linha de um lado ao outro da quadra e peço para eles taparem os olhos e se colocarem na situação de um deficiente visual. Fazer com que eles experimentem atividades onde se colocam no lugar do outro é a base de qualquer trabalho bem feito. Você passa a imaginar a criança não como um “ser físico”, que pode ser um futuro esportista, mas como uma cidadã.

DiarioInovaçõesCrédito: arquivo pessoal

Com as turmas do fundamental 2, desenvolvo um trabalho sobre drogas e violência. Seleciono os alunos que possuem observações de violência em sala de aula relatadas na coordenação e promovo discussões em grupo que discuto valores voltados às relações sociais (família, sociedade, direitos e deveres). Esse trabalho, de 1h30, é feito quinzenalmente, em ambiente específico, preparado com vídeo e cartazes para expressão de ideias e soluções, bem como de atividades artísticas que permitam a manifestação dos pensamentos e sentimentos. Essa questão de valores e de temas transversais está nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), e pode aparecer não só na educação física, como também na língua portuguesa e na matemática.

No contexto do jogo ou da brincadeira, já estão presentes as limitações de cada um: um é mais violento e mais agitado, enquanto o outro, mais introspectivo. Ali, a gente já consegue ter exemplos para sentar e conversar. Isso é falado muito quando é feita a formação acadêmica na universidade, até de maneira repetitiva, mas na prática ninguém faz. É refletir sobre a prática do aluno e modificar as regras de acordo com as dificuldades apresentadas. Se um deles mostrou comportamento negativo, isso não será estimulado e alguma regra terá que ser mudada. As crianças podem conversar no momento que for dada abertura à elas. Isso é fundamental para a formação. É uma metacognição, isto é, elas refletem sobre o próprio aprendizado, interferem positivamente, e depois levam o conhecimento para outras situações da vida.


Tiago Tristão Artero

Professor da rede municipal de Campo Grande (MS) e de pós-graduação na área de educação e saúde, é também pesquisador e especialista em neuropsicopedagogia do desenvolvimento humano e em saúde pública. É formado em Educação Física pela UFMS, pós-graduando em psicopedagogia clínica e institucional pela Universidade Católica Dom Bosco (MS) e graduando em matemática pela Uniasselvi (SC).

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aprendizagem baseada em problemas, ensino fundamental

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Samuel Alencar

Interagir para socializar, implantando respeito e empatia.

Marco Vilarim

Amigo Tiago Tristão, boa noite.
Venho através deste, parabenizá-lo por seu trabalho junto aos alunos da EMEF BRÍGIDA FERRAZ. Fico feliz por saber que ainda existem Educadores comprometidos com as causas sociais, e com um desejo de transformar uma realidade cruel dos nossos educandos, em dias melhores.
Sou Marco Vilarim, Prof. de Educação Física aqui em João Pessoa. Peço encarecidamente que entre em contato comigo pelo email: marcovilarim@hotmail.com , pois, tenho uma linha de trabalho muito parecida com a sua, e acredito que podemos enriquecer ainda mais nossas aulas com torcas de experiências. Certo de contar com sua preciosa atenção, agardeço antecipadamente. Marco Vilarim

Tiago tristão Artero

Sim, Marco. É sempre benvindo o enriquecimento. Vamos dar à educação física a importância que ela merece… para o bem de todos.

Tiago tristão Artero
Samuel Alencar

Interagir para socializar, implantando respeito e empatia.

tiago

Por que ensinamos o que ensinamos?

Tiago Tristão Artero

Buscar um sentido para a educação escolar é imprescindível para que se defina qualquer tipo de ação nesta área. Dessa forma, fazer com que o conhecimento trabalhado na escola tenha sentido é algo que desafia educadores e sociedade em busca de uma justificativa para que exista o ensino regular.

Nesse contexto, cabe analisarmos para quê servem as disciplinas escolares. Porventura, haveria alguma prioridade dentre as disciplinas? Como se justifica a distribuição de carga horária e o critério de existência de determinadas abordagens de conteúdo em algumas disciplinas, enquanto que outros conteúdos não fazem parte do repertório trabalhado na escola?

É certo que, no ensino básico, a organização e definição sobre disciplinas devem existir (mesmo que seja para escolher o formato que a escola irá trabalhar conteúdos). Se por um lado há uma definição a respeito de quais áreas de conhecimento a educação deve se pautar, por outro, não há um consenso a respeito da importância das disciplinas. Diante disso, qual a justificativa para que determinada disciplina ou área de conhecimento seja preterida em relação a outras? Esta justificativa seria financeira (ou seja, determinada disciplina não geraria lucro para a vida futura do aluno)? Seria uma justificativa baseada na relevância social que determinada disciplina tem quando comparada a outras? Se não for baseado na importância financeira ou social, estaria uma disciplina acima da outra porque algumas disciplinas (mais do que outras) promovem o desenvolvimento cognitivo (psicomotor, habilidades e competências) dos educandos?

Nesse sentido, gostaria de pontuar algumas características da Educação Física que julgo serem importantes para que, não somente os profissionais de Educação Física, mas, principalmente os docentes de outras áreas entendam algumas questões que a referida disciplina engloba.

Primeiramente, é justo ponderar que Educação Física não é sinônimo de esporte ou brincadeira. Erra o professor de outra área, mesmo quando apoia a referida disciplina, quando diz: “Creio que Educação Física seja importante, para que o aluno não fique somente estudando. Precisa relaxar!”. Como?

Mesmo que, infelizmente, nem todos os professores saibam justificar a existência ou a função de sua disciplina no desenvolvimento dos alunos, cabe ao professor de outra área entender o conjunto de práticas existentes no contexto escolar como um todo (práticas que proporcionam diferentes experiências ao corpo discente).

Há diferentes contextos e abordagens pedagógicas que fazem com que a Educação Física possa se manifestar de maneiras distintas. No entanto, o que se vê na compreensão atual de muitos educadores é uma errônea concepção do que é, de fato, a Educação Física (considerando todos os avanços que foram alcançados e as obsoletas definições baseadas no senso comum). Assim, pois, é válido que sejam tecidos alguns esclarecimentos sobre, pelo menos, o que não é a Educação Física:

– Não é muleta para outras áreas do conhecimento, pois possui seus próprios conteúdos e objetivos (a não ser que se pense em uma abordagem inter ou transdisciplinar, fato que exigiria não somente o esforço da Educação Física para auxiliar outras áreas, mas também o esforço de outras disciplinas para auxiliar o desenvolvimento da Educação Física);

– Não serve para relaxar os alunos ou como válvula de escape do estresse gerado por outras disciplinas (como se as outras disciplinas fossem proibidas de utilizar-se de dinamismo, da prática em áreas abertas, da experimentação);

– Não possui, em suas diretrizes, a função de treinar os alunos e formar esportistas (isto é função de algo chamado treinamento, que, em geral, é desenvolvido no contra-turno e possui objetivos específicos voltados ao rendimento);

– Não é menos importante que outras disciplinas (pois, também não caberia a um professor de Educação Física achar irrelevante o ensino de alguma outra disciplina);

– Não é irrelevante socialmente, pois, em suas bases possui inúmeras abordagens dentro das concepções pedagógicas críticas (promovendo, em suas práticas, uma análise para mudança social);

– Não pode ser usada como forma de punir os alunos. Isso ocorre quando são estabelecidas restrições para indivíduos não estarem presente na aula de Educação Física (devido a problemas de comportamento manifestados em outras disciplinas). Dessa forma, pune-se o aluno, já que, em sua maioria, gostam da Educação Física;

– Não deve ser utilizada para ‘ensaios’, por exemplo, de festa junina, dentre outros eventos, prejudicando, dessa forma, o andamento do currículo estabelecido no plano de ensino pelo professor;

– Não é recreação, brincadeira, esporte, embora estes possam ser conteúdos da Educação Física. É válido lembrar que ‘recreação, brincadeiras e esportes’ também podem ser conteúdos de outras disciplinas;

– Não é uma disciplina fácil (isenta de possibilidade de reprovação), a não ser que se pense que conteúdos relacionados à fisiologia do exercício, cultura corporal de movimento, psicomotricidade, anatomia, cenesiologia, cineantropometria, biomecânica ou biofeedback sejam conteúdos que exigem irrisória capacidade de compreensão;

– Não é irrelevante do ponto de vista do futuro laboral dos alunos, a menos que se pense que as Olimpíadas do Rio de Janeiro não movimentaram recursos do ponto de vista econômico;

– Não é irrelevante do ponto de vista cognitivo, a menos que se pense que não há conexão entre o movimento e o cérebro, a menos que se pense que não existam funções executivas no planejamento das ações, a menos que se pense que não exista memória procedimental, nem mesmo que o hipocampo não tenha relação com as recordações relacionadas à motricidade;

Aqui poderiam ser discorridas questões levantadas por inúmeros autores da área para que seja dito o que é a Educação Física. Certamente que se determinado indivíduo possui alguma das percepções elencadas acima do que não é a Educação Física, não conhece a área.

Portanto, tentar entender a função da educação é válido, a partir do momento que se busca dar significado às manifestações escolhidas na organização dos conteúdos que serão tratados no ambiente escolar. Se esta organização se der no formato de disciplinas (o que também é uma opção, já que existem outras maneiras de organizar o currículo), é importante que estas tenham relevância, que conversem entre si (numa abordagem interdisciplinar) ou que estejam fundidas (a partir de um conceito transdisciplinar).

Há uma condição para que se responda a pergunta “para que ensinamos o que ensinamos?”: abaixo aos “pré conceitos” e a busca por reflexões

Marco Vilarim

Amigo Tiago Tristão, boa noite.
Venho através deste, parabenizá-lo por seu trabalho junto aos alunos da EMEF BRÍGIDA FERRAZ. Fico feliz por saber que ainda existem Educadores comprometidos com as causas sociais, e com um desejo de transformar uma realidade cruel dos nossos educandos, em dias melhores.
Sou Marco Vilarim, Prof. de Educação Física aqui em João Pessoa. Peço encarecidamente que entre em contato comigo pelo email: marcovilarim@hotmail.com , pois, tenho uma linha de trabalho muito parecida com a sua, e acredito que podemos enriquecer ainda mais nossas aulas com torcas de experiências. Certo de contar com sua preciosa atenção, agardeço antecipadamente. Marco Vilarim

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