Escola 42 desafia estudante a aprender programação de forma autônoma - PORVIR
Crédito: Paulo Liebert

Inovações em Educação

Escola 42 desafia estudante a aprender programação de forma autônoma

Gratuita e sem professores, unidade de São Paulo abre as portas para quem busca adquirir habilidades em tecnologia por meio de resolução de projetos em uma trilha personalizada

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 13 de agosto de 2019

Ninguém vai fazer chamada, não vai perguntar que horas você entrou e nem quando planeja sair. E sem pagar nada, na última vez que você passar pela porta, seja em seis meses ou três anos, deve ter em mente que não terá um diploma para colocar na parede do quarto, mas pode estar com um pé no mercado de trabalho. É assim que funciona a 42, projeto francês que chega ao Brasil para formar profissionais em tecnologia a partir da prática. Entre o público-alvo está quem sequer cogita passar pelo vestibular, ou que se frustrou com as possibilidades do ensino superior tradicional ou simplesmente quer dar um novo rumo à carreira.

Em comum, todos precisam estar preparados a aprender de forma autônoma (leia-se sem professor), pesquisando fontes na internet ou com os colegas de uma forma que em nada lembra o jeito linear que escolas ou universidades costumam formar seus alunos. E isso acontece desde o processo seletivo.

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O que é a aprendizagem baseada em projetos

No primeiro contato com a 42, o interessado se cadastra no site, deixa e-mail, nome e data de nascimento. Até aí, tudo normal. Até que ele se depara com dois jogos que também fazem parte do processo. Um deles é um jogo de memória que dura 4 minutos, enquanto o outro envolve exercícios de lógica que se estende por duas horas.

“Você não recebe instruções do que precisa fazer e vai testando. Quem tem uma visão lógica e mostra perseverança para encarar uma tela por duas horas fazendo experimentos de um negócio totalmente abstrato já indica que tem potencial para aguentar a ‘piscina'”, diz Guilhemar Caixeta Filho, um ex-aluno de engenharia de controle e automação na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas-) que cursou 42 no Vale do Silício, nos Estados Unidos.

Os aprovados nesta primeira fase são convidados a um check-in para confirmar interesse, conhecer as instalações e ter as primeiras instruções sobre o terceiro passo, a piscina. Neste momento, presencial, o candidato passa por uma imersão de um mês, que exige dedicação exclusiva e mais de 10 horas por dia diante da tela.

Relatos no YouTube e em jornais franceses contam que alguns chegam a dormir sobre os teclados. Resistência física à parte, não é necessário ter qualquer intimidade com linhas de código. Em comum com a fase anterior, permanece a necessidade de “se virar”.

Ao chegar a 42, que em São Paulo (SP) fica no bairro da Vila Madalena, cada candidato recebe um usuário e senha para acessar o computador (como em outras unidades pelo mundo, são fileiras e fileiras de computadores Apple iMac) e começar uma jornada por desafios de programação ligados a problemas do mundo real. “A minha média foi de 12 horas por dia. Tem dia que fazia 16 horas e no dia seguinte fazia 8 porque estava morto. É louco e todo mundo coloca muita energia porque a piscina é um momento que se aprende a aprender e a programar”, lembra Caixeta Filho, que hoje integra a equipe da primeira 42 brasileira.

“Depois de uma semana de piscina eu já estava vendo coisa nova (em relação ao curso da Unicamp). Você começa aprendendo a criar um arquivo no sistema operacional, manualmente, sem interface gráfica e depois descobre como compilar o programa. Se você tem esse mínimo de lógica que o joguinho da seleção já cobra e mostra a determinação de ficar 28 dias, sem final de semana livre, muito provavelmente vai ter aprendido muito em um processo fantástico no qual não havia professor algum te ensinando”.

Karen Kanaan, sócia da unidade, prefere contrapor esse processo com os ritos considerados normais dentro da educação. “É legal comparar com o vestibular. No caso de uma faculdade tradicional, você aprende antes e vai no dia da prova para provar que você já sabe alguma coisa. Aqui não. Você entra sem saber e começa a aprender nesse período de 28 dias”.

A intensidade tem seu preço. Na primeira semana, o índice de desistência em outras 42 pelo mundo chega a 30%. Até por isso, a organização não recomenda dividir o período de imersão com outro curso ou com o dia a dia do trabalho. Mariana Marsílio, responsável pelo marketing, conta que alguns aprovados na primeira fase tem recebido um “não dá”.

“Não é pela exigência formal da escola, mas das provas e dos projetos em grupo que precisam ser entregues. É uma estafa mental muito grande e se a pessoa trabalha 8 horas e vem para cá para fazer mais 16 horas… em que momento ela dorme? A conta não fecha”, diz.

Para exemplificar o que é esse processo, Karen lembra do vídeo postado pela advogada Fernanda Moura, 44, advogada e ex-triatleta que confessou já ter chorado, mas não cogitava desistir da piscina na unidade do Vale do Silício, nos Estados Unidos. “Por mais que você se frustre, o que acontece muito no começo, é um simulado da vida real. Você trabalha com um time, de forma colaborativa e, ao receber uma tarefa, precisa descobrir como resolver pela internet ou com pessoas que estão aprendendo ao seu lado”, diz Karen. De uma maneira ou de outra, ou o candidato nada para vencer a piscina ou afunda.

Fila de computadores Apple iMac na Escola 42 de SPCrédito: Paulo Liebert

O programa

Uma vez aprovado para uma das 180 vagas do programa, o aluno é apresentado uma galáxia e, tal como na obra Guia do Mochileiro das Galáxias, do escritor e comediante britânico Douglas Adams, que inspira o nome 42, o sentido do curso é o aluno quem constrói.

Ao percorrer diferentes trilhas, na profundidade e ritmo que desejar, o estudante adquire conhecimentos em áreas como algoritmos, banco de dados, inteligência artificial, programação funcional, imperativa, orientada a objetos e de sistemas e segurança. Os quatro primeiros módulos são uma revisão da piscina e incluem ainda conceitos da linguagem C.

Todo esse percurso é marcado por casos conectados a problemas reais. “Um dos projetos em que estou agora envolve a configuração da infraestrutura da 42 em um ambiente virtual. A pessoa que conseguir resolver isso terá a confiança para fazer um mesmo em um data center a partir de uma experiência na prática e muito real”, disse Caixeta Filho, o ex-aluno da Unicamp que agora faz parte do time da escola.

Em artigo publicado pelo Porvir no começo de 2018, Dante Nolasco, um ex-aluno da 42 do Vale do Silício, destacou como teve que aprender a aprender para se adaptar ao ritmo dos projetos. “Não se trata apenas de conseguir fazer os exercícios, mas também entender o que foi feito, seus conceitos e aplicações”, ressaltou.

“Ao finalizar as atividades, é definido pelo sistema um horário para correção, tarefa também realizada pelos alunos. Isso faz com que praticamente todos se conheçam e interajam entre si pelo menos uma vez. São duas ou três correções para cada lista de atividades, e a nota final é a média delas. Na correção, os alunos discutem o que foi feito, esclarecem dúvidas e testam o resultado, o que torna esse momento também muito prazeroso”, descreve no texto “Uma experiência no ensino descentralizado”.

Completar os 21 módulos pode levar até três anos, o que além de esforço físico, também demanda certa flexibilidade financeira. Gratuita, a 42 estuda ainda negocia maneiras para oferecer subsídios de alimentação, moradia e transporte aos estudantes.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, competências para o século 21, personalização, programação, tecnologia

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