Nossa Escola em (Re)Construção
Jovens querem escola com participação, atividades práticas e tecnologia
Pesquisa 'Nossa Escola em (Re)Construção' mostra que jovens têm vínculo com suas escolas, mas querem currículo mais diversificado e flexível e espaços físicos dinâmicos e variados
por Marina Lopes / Vinícius de Oliveira 22 de setembro de 2016
Com um modelo de educação que enfrenta dificuldade para se ajustar ao perfil dos estudantes e responder aos seus interesses, não é de se espantar que os resultados educacionais demorem a apresentar avanços, especialmente no ensino médio. Soluções para transformar esse cenário são tema de debates entre os adultos envolvidos com educação, mas que frequentemente esquecem de consultar uma opinião importante: a dos estudantes.
Com o objetivo de identificar o que os jovens pensam da escola e como gostariam que ela fosse, o Porvir, programa do Instituto Inspirare, em parceria com a Rede Conhecimento Social, criaram a pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”, que ouviu 132 mil alunos e ex-alunos, de 13 a 21 anos, de todos os Estados. “A pesquisa tentou ajudar os jovens a pensar em uma escola diferente da que eles têm. Eles trouxeram dados de uma escola que ainda não existe e manifestaram a vontade de ter um currículo mais flexível, em que seja possível escolher parte da trajetória, em que se aprende mais com a mão na massa do que só com aulas expositivas”, afirma Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare.
– Confira os resultados da pesquisa aqui
Para fazer esse raio-X do que os alunos pensam a respeito da escola, a pesquisa utilizou uma metodologia chamada PerguntAção, que envolve os alunos em todas as etapas do processo, desde a mobilização até a análise dos resultados. Nesse processo, um grupo de 25 jovens de todas as regiões do país ajudou a construir as perguntas e a divulgar a consulta.
Os resultados mostram que os alunos sentem falta de atividades extraclasse, uso de tecnologia e atividades artísticas. Melhorias na alimentação escolar e nas atividades esportivas também estão no rol das principais necessidades apontadas por eles. Quando pensam nas aulas e materiais pedagógicos, quatro em cada 10 estão satisfeitos. Ao mesmo tempo, 70% deles dizem que gostam de estudar em suas escolas e 72% dizem que lá aprendem coisas úteis para sua vida. “Eles estão dizendo ‘Eu acredito que a escola precisa me preparar para esse futuro que está aí, mas do jeito ela que está, isso não é possível'”, analisa a diretora do Inspirare.
Para o jovem Rodrigo Hermogenes, 20, de São Paulo (SP), que contribuiu com o processo da pesquisa, esses números podem ser um reflexo do lugar ocupado pela escola nos territórios que, segundo ele, vai além da educação formal. “Por mais que a escola e o ambiente da sala de aula sejam maçantes, os materiais pedagógicos sejam ruins e a metodologia não seja boa, a gente cria uma relação com os amigos, o coordenador, a secretária, a tia da cantina, a tia da faxina e até mesmo o próprio professor”, diz.
O questionário online ficou aberto entre 28 de abril e 31 de julho e contou com 20 perguntas, com subtemas e opções de respostas que substituíram a linguagem tradicional das pesquisas para aproximá-las do universo dos entrevistados. Para alguns tópicos, os alunos puderam escolher entre as alternativas: “Tá tranquilo, tá favorável” correspondia a ótimo, “Até que tá bom, mas…” entrou no lugar de bom, “Tá mais ou menos”, era regular, “Tem que melhorar” substituiu ruim e “Tá tenso” foi uma maneira de dizer que algo estava péssimo.
Ao se deparar com as perguntas sobre a percepção do jovem em relação à escola atual e como ela poderia estimular o seu aprendizado, Rodrigo conta que foi incentivado a refletir sobre novas formas de aprender. “Isso me trouxe reflexões sobre a minha própria capacidade de mudança”, menciona Rodrigo, que concluiu o ensino médio em escola pública. Em sua definição, a escola dos sonhos deveria ser um espaço livre, acolhedor e com menos paredes ou grades, que fosse capaz de interagir com o entorno. Outros estudantes que participaram da consulta também demonstram uma opinião semelhante, já que quatro em cada 10 jovens dizem acreditar que, na escola ideal, é importante interagir com a comunidade. Seis em cada 10 jovens também dizem que visitas, passeios e trabalhos externos não podem faltar na escola ideal.
Novos espaços
As atividades de interação com a comunidade e as visitas de organizações sociais ainda acontecem pouco, mas os jovens desejam ter mais experiências que ultrapassam os muros da escola. “A escola tradicional sufoca um pouco a gente. Você não aprende só na sala de aula, enquanto olha o professor falar e recebe conteúdos que passam sem reflexão”, avalia a estudante Larissa Cabral, 20, que atualmente cursa o quarto período de ciências sociais da Universidade Federal de Goiás.
Enquanto os estudantes expressam a vontade de interagir com o entorno, eles também refletem sobre o próprio espaço escolar. Os jovens ouvidos pela pesquisa consideram que a sala de aula tradicional está em baixa. Eles querem aprender em áreas externas e internas, com ambientes e móveis diversificados, incluindo opções como pufes, bancadas, almofadas e sofás. “Eles estão pedindo o direito do corpo em movimento. Eu acho que com essa configuração eles expressam o direito de reorganizar [a escola] a cada momento, em tempos e espaços fluidos”, analisa a arquiteta Beatriz Goulart.
De acordo com ela, esses resultados demonstram a busca por uma arquitetura escolar que valoriza o diálogo. Enquanto a arquiteta menciona que um pufe pode significar conforto, prazer e descontração, as carteiras enfileiradas transmitem as mensagens: “fica parado, presta atenção e olha para a lousa.” Ela também diz que “para as relações serem mais homogêneas e horizontais, os espaços têm que ser mais variados”, o que também pode dar uma pista dos tipos de diálogos que os estudantes desejam encontrar na escola.
Foco da escola
Os respondentes da pesquisa foram convidados a imaginar quatro ambientes educacionais: a escola que os faz aprender mais, que respeita as individualidades, que é inovadora e que os deixa felizes. Quando perguntados sobre qual deve ser o foco dessas instituições de ensino, em todas a opção mais indicada foi “Preparar para ENEM e vestibular”, seguida por “Preparar para o mercado de trabalho”. A estudante Jacqueline Ferraz Alves, 16, de uma escola privada de Lages (SC), que participou do grupo de jovens que ajudou a construir a pesquisa, explica por que esse deve ser um dos principais objetivos da escola. “Muitos alunos hoje param de estudar e vão trabalhar. Aí eles vivenciam uma realidade totalmente diferente”, afirma ela, ao mencionar o papel da escola de oferecer apoio para os jovens enfrentarem seus desafios futuros.
Segundo a socióloga Miriam Abramovay, isso reflete uma mensagem ouvida pelo jovem em casa e na própria escola. “Desde quando ele entrou no primeiro ano do ensino fundamental, foi preparado para fazer vestibular ou Enem e entrar na universidade. O que os adultos mais falam é que devem ser autônomos e começar a trabalhar o mais rápido possível”, disse.
Pelas mesmas razões, a socióloga afirma que é mais difícil para o jovem pensar que a escola deve ter um direcionamento para habilidades artísticas, relações humanas e sociais ou lidar com emoções (outras opções apresentadas como possíveis focos para a escola na pesquisa), “pois não foram criados para isso”. “Para eles, é como que se de outra forma não fosse possível aprender, fazer Enem ou entrar na universidade. Ao mesmo tempo, eles também reclamam dessa escola que eles têm. Ser jovem é muito contraditório”.
A socióloga Helena Singer, diretora nacional de Ações Estratégicas e Inovação do SESC, pondera que essa tendência não é necessariamente contraditória, já que existem possibilidades mais amplas de aprender fora da sala de aula, com pesquisas, explorações, indagações e produções diversas. “Treinar para exames não deveria ser o objetivo de escola nenhuma, e certamente também não é o objetivo dos estudantes. Quando eles dizem que querem estar preparados para o mundo do trabalho e preparados para continuar os estudos ou realizar os seus projetos, é óbvio que a escola precisa fazer isso, prepará-los para viver a vida hoje e dar ferramentas para que eles continuem se desenvolvendo sempre. Mas isso não se faz treinando para exame”, comentou, ao dizer que formatos que fogem do tradicional podem garantir a aprendizagem dos estudantes.
Conteúdos e currículo diversificado
O novo formato de educação imaginado pelos jovens também precisa contar com conteúdos diversificados. Eles reconhecem, por exemplo, a importância da matemática, para os fazer aprender mais. Por outro lado, quando pensam em uma escola que respeita individualidades, desejam que ela os ajude a desenvolver habilidades de relacionamento e a conhecer mais sobre política, cidadania e direitos humanos.
Para ter acesso a todos esses conteúdos, também dizem que algumas disciplinas devem ser elegíveis e outras obrigatórias, propostas pela escola. “O jovem quer diversificação, mas ele precisa do adulto para organizar sua vida. Isso acontece especialmente na educação que a gente tem hoje, em que não há um planejamento que o leve a ser autônomo”, diz Ítalo Dutra, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília.
Conectar a educação a interesses tão diversos, segundo Dutra, é factível mesmo com as dificuldades atuais da educação relacionadas à infraestrutura e formação docente. “Experiências em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Nordeste mostram que é possível atender a interesses individuais. Partes do currículo são organizadas por projetos ou temáticas e permitem a participação do estudante na construção da sua trajetória”.
Atividades práticas e professor
Críticos às aulas expositivas, em que são obrigados a adotar uma postura passiva, os estudantes manifestam o desejo por aprender através de métodos mais práticos e interativos. Para 36% dos participantes, a escola que mais contribui para a aprendizagem é aquela que oferece “atividades práticas e resolução de problemas”. Essa opinião é mais forte especialmente entre os mais velhos, porque, como explica Antonio Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), “a paciência vai acabando (risos)”. Segundo ele, com o passar do tempo, existe um anseio por maior responsabilidade e de fazer escolhas. “O jovem está construindo sua identidade e quer saber sobre si. Quando está muito descolado, como no caso de uma aula expositiva, extremamente teórica e que não tem nenhuma relação com sua vida, ele acaba se afastando”.
Isso não significa que os conhecimentos do professor sejam ignorados. Mesmo quando imaginam uma escola inovadora, apenas 14% dos jovens dizem que gostariam de aprender apenas com os colegas ou ter um professor como mediador. Para Batista, esse comportamento é natural. “A escola atual é baseada em textos, estejam eles no computador, tablet ou no quadro de giz e o professor sempre tem o papel de transmitir o conhecimento necessário para sua compreensão. No Brasil, a figura do professor é a que mais colabora para construir o ‘efeito escola’, pois quanto maior é sua capacitação, melhores serão os resultados”.
Tecnologia
Os jovens também trazem uma demanda forte pela inclusão da tecnologia nas escolas. Eles lembram da tecnologia quando refletem sobre métodos para aprender, recursos e conteúdos. A pesquisa mostra que eles querem usá-la dentro e fora da sala de aula. Para a diretora do Instituto Inspirare, isso reflete o desejo dos estudantes de conectar a escola com a sua realidade, como se eles falassem: “eu vivo em um mundo digital e a escola é analógica”, diz Anna. “Há uma dissociação muito profunda. Quase como se os meninos, ao chegar na escola, entrassem em outro universo. O que eles estão dizendo é: não dá para a escola se conectar com o meu universo sem perder a sua função?”, avalia.
Para quem pensa que a escola dos sonhos ainda está muito distante do real, Anna lembra que muitas demandas apresentadas pelos jovens na pesquisa já existem dentro das instituições, mas precisam ser potencializadas e incorporadas no cotidiano escolar. “Eles falam dos projetos, das atividades artísticas e esportivas, dos espaços que eles têm para fazer atividades fora da escola e da tecnologia. Não são coisas estranhas, eles já experimentam isso na escola. Talvez esse futuro esteja mais próximo do que imaginamos. Se cada escola puder identificar e potencializar o que está fazendo, que tem resultado e que pode gerar engajamento entre os alunos, vai ficar mais fácil identificar como essa mudança pode acontecer.”
O relatório completo da pesquisa, lançada nesta quinta-feira (22), pode ser consultado em porvir.org/nossaescola. Na página, os interessados em ouvir seus alunos também podem acessar e baixar o questionário da pesquisa. São parceiros de disseminação dos resultados a Mova Filmes e a Inketa, que produziram vídeos e uma plataforma virtual para ampliar o acesso dos interessados aos dados da pesquisa.
OBS: Esta reportagem foi alterada no dia 6/10/2016 porque uma nova leitura dos dados da pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção permite afirmar que quatro em cada 10 estudantes estão satisfeitos com as aulas e os materiais pedagógicos. Essa nova análise traça um cenário um pouco menos sombrio do que o divulgado na primeira versão da pesquisa – quando apenas um em cada dez estudantes afirmavam estar satisfeitos com as aulas e materiais pedagógicos.