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Inovações em Educação

Escola mescla métodos por pensamento fora da caixa

Neuroeducação e Reggio Emilia são usados para incentivar criatividade em instituição criada pelo Blue Man Group em Nova York

por Filipe Prado ilustração relógio 11 de novembro de 2014

O que é possível esperar de uma escola de ensino infantil cujo foco de atuação é o desenvolvimento da criatividade, da curiosidade e do pensamento “fora da caixa”? Criada em 2006 por dois dos integrantes originais do mundialmente famoso Blue Man Group, um trio de músicos pintados de azul que leva a exploração musical e rítmica à plenitude, a Blue School combina diferentes metodologias de ensino inovadoras com o cuidado de manter a qualidade curricular. Localizada no centro de Nova York, a escola particular – e cara, com anualidade em torno dos R$ 85 mil – possui 228 alunos distribuídos em turmas de no máximo 15 alunos por sala de aula entre o jardim de infância ao 5º ano do Ensino Fundamental.

O diferencial do colégio, que tem por objetivo “reimaginar a educação em um mundo de mudanças”, deve-se principalmente à aplicação de pesquisas científicas ligadas à área de neurociência e neuroeducação em sala de aula. Crianças aprendem desde cedo a lidar com suas emoções e sentimentos e estudos provam a influência delas no aprendizado: enquanto sentimentos negativos atrapalham, os positivos tendem a melhorar a capacidade de atenção e de reter informações.

“Conectar o estudo do cérebro com a educação é extremamente valoroso ao entendimento do desenvolvimento e do aprendizado do aluno. Uma das estratégias bastante usadas é o treinamento da mente com Yoga, o que também ajuda a regular as emoções. Aprender a ter calma, trabalhar respiração e alongamento ajudam a regular emoções e aumentam concentração e atenção”, disse ao Porvir a professora Mariale Hardiman, diretora do núcleo de Neuroeducação da Universidade John Hopkins e que orienta professores que buscam esse tipo de especialização e também aos pais que desejam contribuir ativamente com a educação de seus filhos.

A Blue School considera-se um laboratório que conta com a participação ativa dos pais e da comunidade escolar. A ideia de que aprender é mais do que um ato individual, mas social, está presente constantemente no currículo pedagógico. Este princípio está diretamente associado a pesquisas que comprovam que estabelecer contato com um adulto em que confia na escola causa impactos positivos no processo de aprendizado.

“Muitas pesquisas mostram que os alunos sabem que, se há pessoas em quem possam confiar na escola, seja uma professora, ou um simples trabalhador, elas têm mais autoconfianca e se sentem seguros na escola. É importante para o desenvolvimento pessoal da criança”, explica Hardiman.

Outra prática pedagógica adotada é fazer com que a criança coloque-se no centro de um problema, seja de uma história literária como no estudo genético de sua própria família. Isso faz com que a criança mapeie e ilustre suas emoções, criando um sentimento de confiança com os colegas e fazendo-a sentir-se emocionalmente ligada ao ato de aprender.

Quando os alunos aprendem algo através da arte, eles lembram melhor do que se tivessem aprendido pelo método tradicional

No entanto, a Blue School chegou a receber críticas de pais descontentes com o excesso de atividades lúdicas e a falta de provas, o que acarretaria em prejuízo curricular. O colégio, por sua vez, começou a adotar avaliações em alguns anos e ressalta a preocupação de mesclar o que há de melhor na “nova” e na “antiga” educação: usar a curiosidade e interesse da criança como guia para o aprendizado, mas também garantir a absorção de todo o conteúdo estipulado no semestre; aprender através da experiência e do contato com o meio-ambiente, mas fazer com que a criança sinta-se segura no aprendizado; desenvolver a individualidade sem deixar que alguns alunos isolem-se do grupo.

“Fazemos com que nossos professores implementem essas novas ideias apropriadamente em sala de aula, modelando a curiosidade à exploração intelectual que desejamos que nossos alunos desenvolvam”, informa a escola.

O ano escolar na Blue School começa com um grande tema a ser desenvolvido, o que suscita interesse e leva os alunos à reflexão. O estudo da Odisseia, poema épico escrito por Homero, por exemplo, abarcou, de maneira interdisciplinar, estudos de literatura, gramática, geografia e história a alunos do 5º ano. Para realizar as pesquisas, os jovens buscam informação não apenas com o professor responsável ou nos livros didáticos, mas através de entrevistas com outras fontes e usando a própria curiosidade, em um estímulo ao autodidatismo.

A escola conta com professores auxiliares especialistas de diversas áreas (engenharia, arte, ciências, tecnologia, fotografia, teatro, sustentabilidade) que ajudam no desenvolvimento desses grandes projetos, como a criação do modelo de uma ponte, histórias em quadrinhos, a gravação de um filme, criação de museus e até um desidratador solar de comida.

“Quando pedimos que um aluno traduza um problema matemático, ele considera como essa dinâmica repete-se ao longo da história, ele experimenta na prática a ideia. Estamos ajudando-o a desenvolver agilidade de pensamento que corresponde a cada área temática”, explica um documento sobre a proposta pedagógica da Blue School.

Foco em criatividade e a influência Reggio Emilia

Uma prática pedagógica neurocientificamente embasada e utilizada pela Blue School é a de mudança de abordagem para tratar um problema. Encontrar soluções através da análise de perspectivas estimula um diálogo entre áreas distintas do cérebro, o que estimula a criatividade. Por esse método, a educação ocorre através do mesmo processo da criação artística, em que o surgimento de novas ideias antecede o processo teórico-intelectual.

“Quando os alunos aprendem algo através da arte, eles lembram melhor do que se tivessem aprendido pelo método tradicional. Organizar e exercitar as informações recebidas surte um efeito muito melhor na memória e na cognição do que apenas ler e reler um conteúdo para uma prova”, destaca Hardiman.

O método Reggio Emilia, que carrega influências dos pensadores Lev Vygostky, Maria de Montessori, John Dewey e Jean Piaget, além das 100 linguagens teorizadas por Loris Malaguzzi, está também bastante presente na BlueSchool: as crianças têm controle sobre a direção de seu aprendizado; aprendem através da experiência “real” de tocar e observar, do relacionamento com outras crianças e com materiais e brinquedos não estruturados, além do estímulo às diferentes maneiras de expressão.

Reggio Emilia é uma cidade italiana que submeteu-se a uma verdadeira revolução educacional para crianças de até seis anos de idade depois do término da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Pais desenvolveram uma escola para seus filhos explorarem e desenvolverem todas as suas potencialidades, o que fascinou Malaguzzi, que aprimorou e teorizou o modelo. O método, que nasceu da colaboração de toda a comunidade no processo educativo, hoje é implantado oficialmente em 40% da rede pública do município. A revista Newsweek apontou que, em 1991, as dez melhores escolas infantis do mundo eram de Reggio Emilia, que hoje a Fundação Reggio Children leva a 34 países.

Segundo a professora Maria Isbela de Moura, mestre em Educação e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), o modelo pedagógico deu certo pelo engajamento comunitário de diversos profissionais. “A colaboração dos pais das crianças para ajudar a resolver problemas e encontrar formas em que todos cooperam efetivamente, integrando diferentes experiências, é o que caracteriza esse modelo curricular. Nas escolas de Reggio Emilia, crianças, pais e educadores são todos “educadores” e “educandos”, em um processo de constante interação dentro e fora da escola”, explica ao Porvir a professora, que participa voluntariamente da formação de educadores do Centro da Criança e do Adolescente (CCA) da prefeitura de São Paulo.

Segundo Moura, que acaba de voltar da Itália depois de um estudo local sobre as escolas Reggio Emilia, os princípios básicos do modelo são baseados em: relação, interação e cooperação. As crianças são incentivadas a questionar, procurar respostas e tomar decisões visando à solução de problemas utilizando as diversas formas de linguagem – movimento, palavras, pintura, modelagem, música, interpretação, etc. – citadas por Malaguzzi.

Assim como a Blue School, essas escolas são planejadas para terem um espaço comum chamado “praça”, onde acontece todo o convívio comunitário. A estrutura física é pensada na busca de um ambiente educativo e lúdico, como o uso pedagógico da cozinha. “Toda escola tem um atelier, onde o artista ocupa um lugar de destaque e ajuda as crianças nas diversas técnicas artísticas, usando as mais diversas linguagens”, conta Moura, que também ressalta o papel fundamental que a documentação assume nessas escolas. “O documento implica observar, escutar, selecionar e interpretar documentos. Com a documentação, as crianças partilham com os pais e a comunidade suas experiências escolares”.


TAGS

engajamento familiar, escolas inovadoras, interdisciplinaridade, neurociência

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