O que os games têm a ensinar aos alunos
Para diretor do Institute of Play, criador da Quest to Learn, jogos podem mudar a forma como nos relacionamos com o mundo
por Mariana Fonseca 9 de setembro de 2012
No primeiro dia de aula, os alunos são surpreendidos pela visita dos fantasmas do Museu Nacional de História Natural de Nova York. Os seres do outro mundo estão brigando nos porões do museu porque não conseguem se acertar quanto aos detalhes da Guerra da Independência americana. Colonos, ingleses e escravos têm pontos de vista diferentes sobre o tema e precisam que os alunos da Quest to Learn, escola pública de NY, os ajudem a resolver o conflito.
Na escola, criada pelo Institute of Play (ou Instituto do Jogar, em tradução livre), todos os conteúdos são passados aos estudantes por meio de games. Os cerca de 360 alunos do 6o ao 9o ano aprendem não só jogando, mas também desenvolvendo estratégias e criando seus próprios jogos. A escola, que faz parte de rede pública da cidade, é chamada de escola do futuro e vive com os mesmos recursos que as demais, contando apenas com oito profissionais extras contratados pelo instituto, especialistas em games e em currículo, que dão suporte aos professores da escola.
O instituto, fundado em 2007 por desenvolvedores de games comerciais, é uma organização sem fins lucrativos que acredita que, por meio dos jogos, pode “mudar a forma como as pessoas se relacionam com o mundo a sua volta”. Uma das especialidades do grupo – que atua não só com crianças, mas também com adultos e em plataformas on-line – é trabalhar games e avaliação, entendendo como os mais populares jogos comerciais criam poderosos ambientes de aprendizagem e ferramentas que podem ajudar nas avaliações de desempenho dos usuários.
“Umas das coisas mais poderosas que os jogos criam nas pessoas é o status de jogador. Quando se sentem jogadores, as pessoas estão empoderadas, não se importam de correr riscos que na vida real não correriam, perdem o medo de falhar”, explica Brian Waniewski, diretor de gestão do Institute of Play. Segundo ele, um dos objetivos do instituto é fazer com que “as pessoas se relacionem com o mundo em torno delas como se ele fosse uma fonte ininterrupta de oportunidades”. Em visita ao Brasil, Waniewski falou ao Porvir durante encontro no Instituto Natura, em São Paulo.
Que tipo de habilidades os jogos desenvolvem nas pessoas e por que eles podem melhorar o nosso relacionamento com mundo?
Uma das coisas mais poderosas que os jogos desencadeiam é o status de jogador. Como se fosse mágica, o “se sentir um jogador” empodera as pessoas que passam a correr riscos que não correriam na vida real. O medo de falhar não é um problema no jogo. Outra coisa interessante é o fato de o jogo passar uma sensação bem concreta do que é um sistema, de como operá-lo, e ainda de como tomar decisões e transformar o sistema.
E como o instituto foi fundado?
Os fundadores eram do Game Lab, uma empresa de design de games comerciais, e queriam algo mais social. Kate Salen, umas das fundadoras e autoras de diversos livros e artigos sobre games, tinha passado seis anos acompanhando os estudos da Fundação MacArthur sobre como a mídia digital influenciava o aprendizado e a forma como isso impactava na interação desses jovens com o mundo. As pesquisas levantaram muitas descobertas, entre elas a noção de que, para saber se o estudante ia se dar bem na escola, era necessário saber o quanto seus interesses ou paixões recebiam apoio para se traduzir em ações válidas. Em outras palavras, como a paixão de um aluno por culinária pode ajudá-lo a aprender mais na escola. Essas e outras constatações nos levaram a trabalhar o design de games como aprendizado.
E como nasceu o Quest to Learn?
Existia esse desejo de aplicar o aprendizado em uma escola tradicional. Foi ai que começamos com o Quest to Learn, uma escola pública que foi aberta no Chelsea, em NY, em 2009, reimaginada dos princípios do design, dos jogos como aprendizado, no pensamento sistêmico e na formação de atores ativos no mundo. Hoje temos 360 alunos, de 6o a 9o ano por lá. E mais uma escola aberta em Chicago, com outros 320 alunos.
Como é o dia-a-dia na sala de aula?
Os meninos não têm aula de ciências e matemática, o currículo é integrado e repensado com o foco na forma como as pessoas experienciam esses conteúdos no mundo real. Um matemático não só estuda matemática, ele fala sobre matemática, escreve sobre isso. Pegamos, por exemplo, as disciplinas de matemática, artes e inglês e colocamos juntas em uma aula que fala sobre as diferentes formas de se entender o mundo, números e letras. Além disso, todo início do trimestre os alunos recebem uma grande missão que será dividida em pequenos desafios ou quests ao longo das semanas. Uma das grandes missões que tivemos na disciplina que une estudos sociais e inglês foi a de resolver um conflito entre os fantasmas do Museu Nacional de História Natural de Nova York, que estavam brigando porque não se entendiam quanto aos acontecimentos da Guerra de Independência americana. Os estudantes foram chamados para ajudar. A briga se apoiava nas diferentes perspectivas que os fantasmas tinham sobre a guerra: um fantasma tinha sido escravo, o outro era da realeza inglesa e o outro era um colono americano. Eles tinham presenciado o mesmo evento, mas cada um contava uma história diferente sobre o que tinha acontecido e, principalmente, sobre o porquê tinha ocorrido. Os estudantes tinham que entender o ponto de vista de cada um e resolver o conflito. Isso leva uma necessidade de entender o problema, não decorar. Eles se engajam com o problema e querem aprender.
Quais são os conceitos em que se baseia a escola?
O instituto e a escola são baseados em pesquisas recentes sobre como as pessoas aprendem e o que elas precisam saber no mundo de hoje, no século 21. As pessoas que se entendem como designers, interagem com o mundo de uma forma diferente, não o aceitam como algo pronto, o veem como uma oportunidade para fazer algo. Esse é o conceito de design thinking que nos baseamos. Outra ideia que acreditamos é no aprendizado peer to peer, entre pares. Na trajetória mais natural de aprendizado, a pessoa precisa se interessar por algo, aprender, praticar, praticar, praticar e, quando já tem um domínio do conteúdo, ensinar. Ensinar é uma das principais formas de demonstrar e compreender o aprendizado. Por isso, tentamos construir nossas experiências de forma com que as pessoas compartilhem o que sabem.
Como são as provas ou avaliações das crianças?
Temos várias formas de medir o progresso dos alunos. O primeiro deles é o mesmo exame padronizado por que todas as escolas públicas de Nova York passam. Também temos nossas avaliações no fim de cada um dos desafios, nos quais os estudantes precisam produzir algo que vai nos dizer se eles desenvolveram as habilidade necessárias daquela atividade. Isso ajuda professores, pais e as próprias crianças a observarem o seu progresso. Além disso, temos os embedded assessments [avaliações incorporadas, em tradução livre] que ocorrem durante o processo de aprendizagem, de forma que muitas vezes os estudantes nem sabem que estão sendo avaliados. Nesse formato, os professores avaliam não só o que eles sabem mas também como usam seu conhecimento em ação.
Como vocês veem as mudanças na educação?
Nós nos vemos como designers e acreditamos em redesenhar a experiência do aprendizado. O futuro da aprendizagem é o nosso futuro. Cada vez fica mais difícil saber como o mundo vai estar em cinco anos, quais são as habilidades necessárias, qual o conhecimento importante para as próximas décadas. O verdadeiro desafio de quem está desenhando um processo de aprendizado é preparar os alunos para um mundo que não podemos ainda imaginar.