‘A universidade não me desafiava’
Em passagem pelo Brasil, criador do movimento UnCollege defende o desenvolvimento da meta aprendizagem
por Patrícia Gomes 5 de julho de 2013
O rosto imberbe e os traços ainda de menino denunciam o que o paletó (de moletom, está certo) tenta desmentir. O norte-americano Dale Stephens não é um jovem de 21 anos comum – e sua legião de seguidores é só uma prova disso. Muito cedo, aos 12, avaliou que o modelo de escola a que tinha acesso não servia para ele e ingressou em uma comunidade de aprendizagem alternativa. Com colegas mais ou menos da mesma idade, teve aulas na biblioteca e em parques da cidade, decidiu conjuntamente o que queria aprender, fez trabalho voluntário, aprendeu assuntos específicos com especialistas. Depois de seis anos, achou que era hora de voltar ao sistema tradicional e entrou na universidade. Mas se decepcionou. Há dois anos e meio, fundou o UnCollege, “um movimento social que ajuda as pessoas a hackearem a sua educação”, como ele mesmo gosta de definir. Em visita ao Brasil para um ciclo de palestras promovido pela escola livre Perestroika, Dale defende que as pessoas tenham acesso à meta aprendizagem.
“Quando favorecemos a meta aprendizagem, desenvolvemos a habilidade de aprender. Você aprende a aprender sozinho, achar mentores, pedir ajuda, se comunicar”, disse o jovem, que já não tinha conseguido encontrar essa abordagem na escola tradicional quando experimentou um desencanto ainda maior com a educação que lhe ofereceram na faculdade. “Pela primeira vez, eu estava com colegas que não queriam estar ali, aprendendo. A universidade não me desafiava”, lamenta Dale, que fez um semestre e, deprimido com o potencial que estava deixando de desenvolver, não voltou mais. “Quando contei que ia desistir, um colega me perguntou como eu ia fazer para beber cerveja e encontrar meninas – a única utilidade que ele via na universidade. Eu disse para ele que era possível ficar bêbado e fazer sexo na vida real também, que não era um privilégio do campus”, brincou.
Ao decidir não voltar, Dale não desistiu e pronto. Começou a registrar suas insatisfações sobre a experiência na universidade em um blog pessoal, já com o nome de UnCollege, que rapidamente passou a ser muito acessado por pessoas que viviam o mesmo drama. Com o burburinho que causou, o jovem começou a ser procurado pela imprensa. Um dia, comentou com o repórter que tinha um livro em mente e, no dia seguinte, uma editora escreveu para o jovem. “Eles queriam ler meus manuscritos, mas, na época, eu só tinha uma página de Word”, lembra ele, que organizou suas ideias e montou um projeto do que viria a ser o Hacking your Education, lançado em março último.
Durante os dois anos que passou pesquisando para escrever o livro, Dale entrevistou mais de 100 pessoas que em suas vidas profissionais faziam coisas para as quais não foram preparadas em um modelo tradicional de educação. “Falei com pessoas que cresceram em Chicago, em favelas de Mombai, na Califórnia, na Inglaterra. O que elas tinham em comum é que não se encaixavam no sistemas educacionais e tiveram de aprenderam a aprender. Pode ser até que se dê nomes diferentes, mas a necessidade de ter uma meta aprendizagem é um fenômeno global”, diz o jovem. Assim, com o seu exemplo e o de outras pessoas, o livro de Dale ensina jovens que se sentem despreparados para os desafios da vida real a “hackear” sua própria educação, no melhor sentido do termo. “O livro acabou sendo um guia muito prático para ajudar estudantes a encontrar suas próprias oportunidades”, afirma.
Outro produto que surgiu do período que Dale passou pesquisando foi um manifesto que rodou o mundo dando dicas a estudantes frustrados com os modelos educacionais nos quais estão inseridos. No documento, de 25 páginas, o jovem questiona a importância do diploma universitário, reflete sobre a importância de outros saberes que não estão contemplanos nem em escolas nem em universidades e mostra algumas ferramentas para se tomar as rédeas do próprio aprendizado. “Nunca deixei a escola interferir na minha educação”, escreveu Dale no manifesto, parafraseando o escritor norte-americano Mark Twain.
A partir das publicações, o UnCollege foi crescendo e deixou de ser apenas um blog. Começou a ser uma rede de pessoas que entendem que a educação não precisa depender de uma instituição de ensino. Foi então que Dale passou a oferecer encontros de um fim de semana em que trabalhava os conceitos de aprendizagem auto direcionada e busca autônoma por oportunidades de aprendizado.
O sucesso foi tanto que, depois de sete edições, o jovem se prepara para começar a oferecer, no mês que vem, o Gap Year, um programa de um ano de duração voltado a promover esse tipo de aprendizagem entre estudantes que acabam de sair do ensino ou que, como Dale, desistiram da universidade. “Tínhamos dez vagas para a primeira turma e tivemos 200 interessados”, comemora ele. “E para os que acham que isso de unschooling é coisa de americano, eu digo: temos oito nacionalidades distintas nesse grupo de 10 pessoas”. Por causa da procura, uma turma nova será iniciada a cada três meses.
E o interesse que a iniciativa de Dale atrai não vem apenas de jovens, mas também das instituições que ele critica. “Muita gente me pergunta sobre minha relação, hoje, com as universidades. É ótima. Elas adoram o que eu faço porque o que eu defendo é que as pessoas se preparem para a vida real”, diz o jovem, que também despertou a atenção do bilionário Peter Thiel, cofundador do PayPal e primeiro investidor externo do Facebook – o que pode ser um sinal de que vem coisa importante aí.