Debate sobre ditadura é chance de ensinar valores democráticos
Crédito: Evandro Teixeira/CPDoc JB/Memorial da Democracia

Inovações em Educação

60 anos do golpe: Debate sobre as marcas da ditadura é chance de ensinar valores democráticos

Estimular a memória sobre as violações de direitos durante o período de ditadura no Brasil é uma maneira de incentivar a reflexão sobre esse período histórico e proporcionar o ensino sobre democracia e cidadania

por Ruam Oliveira ilustração relógio 15 de março de 2024

O próximo dia 31 de março marca os 60 anos do golpe militar no Brasil. Ao longo de duas décadas, o país esteve submetido a um regime totalitário que prendeu ao menos 50 mil pessoas, torturando vinte mil delas, segundo levantamento da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da SEDH-PR (Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República). 

Para além da efeméride, apresentar o contexto político, social, econômico e cultural que antecedeu e perdurou durante o golpe militar de 1964, é um compromisso da educação frente à memória do país. 

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A data também pode estimular a construção de debates sobre democracia e cidadania, temas ainda urgentes – dados à tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes atacaram as sedes dos três poderes em Brasília (DF), contrários à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil. 

“É preciso haver educação sobre política, educação democrática, que não tenha medo de falar das coisas”, afirma Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e ex-ministro da educação. Ele também sente que, de certa forma, ainda há um receio em tratar de temas da história recente em sala de aula.

O cientista político argumenta que é necessário explicar, por exemplo, as diferenças entre esquerda e direita, entre querer mais atuação do Estado e políticas sociais ou menos atuação do poder público. “São duas posições democráticas, eu tenho a minha preferência, mas reconheço o outro lado”, pontua. Contudo, o ex-ministro afirma que um corte radical deve ser feito quando se trata da ditadura militar brasileira. 

“Tradicionalmente, as ditaduras no Brasil foram de direita ou de extrema direita e devem ser denunciadas, mas não porque são de direita. Não há como ser neutro em relação à abominação que foi a ditadura. Tortura não é aceitável, censura não é aceitável e supressão do direito ao voto não é aceitável”, reitera. 

O tema na BNCC

O professor Jair Messias Ferreira Júnior, que dá aulas de História para os anos finais do ensino fundamental no Colégio Giusto 5, em São Paulo (SP), afirma que antes mesmo de apresentar o contexto sobre a ditadura militar, costuma reforçar conceitos sobre como funcionam os Três Poderes, o que é liberdade de expressão e o que são os direitos individuais. 

“Gosto que os alunos tenham o que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) chama de ‘atitude historiadora’, por isso costumo trabalhar a ditadura militar com a análise de documentos do período, como leis – Constituição de 1967, Lei Leila Diniz, o Ato Institucional número 5 –, músicas, depoimentos, charges, entre outros”, diz o educador. 

A abordagem do assunto requer preparação. Jair recorda que este é um dos temas que mais geram debates em aula, na casa dos estudantes ou até mesmo entre as equipes. “O importante, para evitar atritos, é planejar bem a aula, traçando os objetivos dela em paralelo com as habilidades da BNCC para o 9º ano. Ela possui cinco habilidades diretamente ligadas à ditadura militar”, destaca. 

A BNCC de história para o 9º ano elenca habilidades específicas para abordar o tema em sala de aula:
EF09HI18: Identificar e compreender o processo que resultou na ditadura civil-militar no Brasil e discutir a emergência de questões relacionadas à memória e à justiça sobre os casos de violação dos direitos humanos.

EF09HI19: Discutir os processos de resistência e as propostas de reorganização da sociedade brasileira durante a ditadura civil-militar. 

EF09HI20: Identificar e relacionar as demandas indígenas como forma de contestação ao modelo desenvolvimentista da ditadura.

EF09HI21: Discutir o papel da mobilização da sociedade brasileira do final do período ditatorial até a Constituição de 1988. 

EF09HI22: Identificar direitos civis, políticos e sociais expressos na Constituição de 1988 e relacioná-los com a noção de cidadania.

No ensino médio, a habilidade EM13CHS605, por exemplo, propõe uma análise dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “recorrendo às noções de justiça, igualdade e fraternidade, identificar os progressos e entraves à concretização desses direitos nas diversas sociedades contemporâneas e promover ações concretas diante da desigualdade e das violações desses direitos em diferentes espaços de vivência, respeitando a identidade de cada grupo e de cada indivíduo.”

Para entender o Brasil

Joelmir Cabral Moreira, coordenador de projetos educacionais na Politize!, (organização conhecida por sua plataforma online, que oferece conteúdos educativos sobre política), defende a inclusão da temática da ditadura militar no currículo para estimular a reflexão dos estudantes e a memória sobre esse período.

“No contexto brasileiro, temos sido testemunhas de diversas tentativas de ocultar e silenciar eventos históricos e grupos sociais específicos, manifestando um preocupante negacionismo que minimiza ou nega a existência de violências, sejam elas físicas ou simbólicas”, diz. 

Debater a respeito de questões políticas em sala de aula pode causar atritos, como indicou o professor Jair. Contudo, uma boa preparação garante que o tema seja tratado de maneira clara e sem distorções. Joelmir, que é mestre e doutor em História pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), afirma que professores devem ser, fundamentalmente, pesquisadores, seja para construir seus argumentos ou para facilitar o aprendizado em sala de aula. 

“É essencial que haja uma cuidadosa investigação e verificação do conteúdo a ser apresentado durante as aulas. Estamos abordando aqui não apenas o compromisso ético inerente à profissão, mas também a capacidade de orientar outras pessoas por meio dos conteúdos compartilhados”, diz. “A educação deve fundamentar-se em uma base científica sólida, particularmente para combater a desinformação, fortalecendo, portanto, o compromisso tanto da comunidade escolar quanto da sociedade em geral em discernir entre informações verdadeiras e distorcidas”, reforça. 

A história como elemento de aprendizagem

Há uma parcela da população que acredita que o período ditatorial no Brasil foi uma revolução e não de um golpe de Estado. “Tratando-se da classe média, é possível que haja uma visão mais favorável sobre a ditadura do que em outras classes, com argumentos como: na época a vida era mais tranquila, havia mais segurança ou somente quem fez alguma coisa errada é que foi perseguido”, lembra Renato Janine Ribeiro. 

No entanto, ele reforça que este é um pensamento baseado na ideia de que quando as pessoas não falam abertamente contra a ditadura, elas se protegem. “O professor não pode ser leniente com os temas da ditadura, da violação dos direitos humanos. Deve ficar claro que o regime militar não é uma questão de opinião, de ser a favor ou contra”, afirma. 

O professor Jair Messias tem como base de sua preparação pesquisas que possam aprofundar seus conhecimentos sobre o tema. Nesta ação, ele diz se deparar com sites com argumentos falaciosos que defendem a ditadura, como os citados por Renato Janine, incluindo a noção de que não se tratou de uma ditadura por ter havido alternância entre os presidentes. 

“Em uma aula eu costumo debater os dois conceitos com os estudantes: ‘golpe de Estado’ e ‘Revolução’. Eu gosto de trabalhar com os conceitos da Enciclopédia Britânica. Após a leitura da definição dos dois conceitos, converso com a turma sobre o Golpe de 1964 que, apesar de ter contado com apoio de parte da população do país, foi liderado por membros das Forças Armadas, com o apoio de parte do Legislativo. Todo golpe de Estado tem como principal característica o controle das forças armadas e das forças policiais, que foi justamente o que aconteceu a partir de 1964. Outra característica de um golpe é a derrubada de um líder democraticamente eleito, o que ocorreu com João Goulart”, exemplifica Jair. 

Como uma maneira de ilustrar durante as aulas que o ocorrido foi, de fato, um golpe militar, o educador tenta desmistificar a ideia de alternância de poderes, expondo que não houve eleições diretas e que o Congresso Nacional foi fechado.

A postura na sala de aula

Para Joelmir, é importante que dentro da sala de aula os educadores adotem uma escuta ativa quando os estudantes expressarem suas opiniões, de maneira a promover um ambiente de acolhimento na construção do conhecimento. 

“Diante das diversas opiniões que podem surgir sobre o assunto, faz-se necessário destacar a disciplina da história como uma ciência que se baseia em rigor teórico e metodológico para fundamentar todas as suas pesquisas em uma ampla gama de áreas de estudo. Portanto, qualquer tema histórico deve ser baseado em evidências científicas comprovadas”, salienta Joelmir. 

Existem pesquisas, livros e outros materiais que podem apoiar a inserção desse assunto em aula. “As revisões, discussões e pesquisas são conduzidas por especialistas da área, distinguindo-se do conhecimento popular moldado por tradições, experiências pessoais e interações sociais. Os profissionais aplicam rigor metodológico e se comprometem com teorias embasadas na observação e análise crítica das fontes históricas”, conclui.

Para se aprofundar no tema:


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bncc, ensino fundamental, ensino médio, história

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