Núcleo de Imprensa Jovem registra nova fase de escola pública em SP
Em escola da região sul da capital paulista, estudantes se envolvem com projeto de comunicação que incentiva o protagonismo e o planejamento para o futuro
por Ruam Oliveira 6 de outubro de 2022
Uma escola é como um organismo vivo. Existem múltiplas coisas ocorrendo e, por vezes, de maneira simultânea. São aulas para tratar sobre organelas, sobre as variações da língua portuguesa, sobre os planos para o futuro – no já conhecido componente projeto de vida…
No pátio, na quadra, na cantina. Existe sempre algo acontecendo.
Além disso, a escola é um lugar efervescente de ideias. Quando jovens têm espaço, liberdade e orientação, suas mentes tendem a florescer de muitas formas. E se engajam nessa elaboração.
Um desses exemplos é o projeto Imprensa Jovem, desenvolvido pela Escola de Tempo Integral Professora Adelaide Rosa Fernandes Machado de Souza, que fica no Grajaú, região sul de São Paulo. Pensado pelo professor Mário Barros e abraçado pela turma, a atividade começou em 2021, mas já mostra seus frutos.
O principal deles é o “Folha do Adê”, um jornal que traz pautas sobre o que acontece na escola e na região, e que tem como objetivo alcançar toda a comunidade escolar e seu entorno. Além das edições em texto, a turma também atua com vídeos e fotos para as redes sociais. O perfil no Instagram @folha_do_ade, por exemplo, é alimentado pelos alunos.
Para a vida toda
Ana Carolina Maciel foi estudante do Adelaide e viu seus objetivos se materializarem enquanto participava do projeto. Uma das primeiras a ingressar no Imprensa Jovem, Carol, como é mais conhecida pela turma, formou-se no ano passado e agora está no primeiro semestre de jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na região central da capital paulista.
Seu interesse pela área vem de longe: em 2019, já participava de um clube de imprensa organizado pelos estudantes, finalizado logo no ano seguinte. “Eu sempre quis ser jornalista, mas até então não tinha tido muito contato com a área”, comentou Carol.
Esse cenário mudou após o convite do professor Mário. Ela diz que, com um pouco de medo e incerteza, aceitou embarcar nessa jornada que tem feito parte da sua vida desde então. Agora universitária, ela ainda mantém laços com a escola e muito se deve à relação com o Imprensa Jovem.
“Eu ainda guardo o projeto dela comigo”, conta o professor Mário. Ele se refere ao projeto de vida desenvolvido pela aluna: Uma janela aberta tendo o jornalismo como vista.
Foi em uma eletiva ministrada pelo professor que a proposta foi ganhando corpo. Juntamente com outra professora, Mário preparou a eletiva “Bastidores do Jornalismo”. E a junção dessas duas experiências fez surgir o Imprensa Jovem.
“A gente começou a perceber que a questão da comunicação estava muito interligada [com o momento]. Estávamos retornando da pandemia, então resolvemos olhar para essa dificuldade dos alunos na competência leitora e na escrita trabalhando esse aspecto textual”, conta Mário.
Uma história e uma perspectiva
O nome “Folha do Adê” faz referência ao da escola e aos grandes jornais que circulam nacionalmente, entre eles a Folha de S. Paulo. A primeira edição do jornal trouxe um breve histórico da escola, que antes se chamava Escola Cohab Brigadeiro Faria Lima até mudar de nome, em 2006. Até 2018, quando passou para o programa de ensino integral, a escola atendia ensino fundamental 2, ensino médio e ensino de jovens e adultos. Atualmente, com cerca de 450 alunos, oferece vagas de ensino fundamental 2 e ensino médio integral.
A escola já amargou muitas situações difíceis. Entre elas, um risco de encerramento das atividades relatado por alguns professores, falta de estrutura e baixos índices de aprovação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Em 2015, os dados do Ideb nos anos iniciais apontavam que a escola tinha atingido um índice de 2,9 em uma meta para alcançar o 4. Esse é um número menor, inclusive, que em anos anteriores com índices de 3,4 e 3,7 em 2007 e 2009, respectivamente.
Mas o Adelaide tem seguido uma trajetória de crescimento. Os dados do Ideb para 2021 já são mais animadores. A escola atingiu nota 5,5, ultrapassando a meta de 5,1 estipulada. Os dados usados na reportagem são da plataforma QEdu.
Imprensa jovem olhando para o futuro
A participação em um projeto como esse já influencia na decisão futura dos jovens ligados a ele. Sarah Batista dos Santos, que está no 2º ano do ensino médio, já tem planos parecidos com os de Carol depois do envolvimento com a atividade. “O meu Projeto de Vida antes era sobre psicologia, mas aí veio o Imprensa Jovem e mudou tudo. Estou pensando em fazer algo no ramo da comunicação, ou até mesmo jornalismo, porque é realmente uma coisa da qual gosto muito”, comenta a estudante.
Ela se considera uma pessoa tímida e vê também uma grande contribuição do projeto em torná-la mais comunicativa e mais expansiva. “No Imprensa, a gente vai ajudando um ao outro. O que sabe mais ajuda aquele que está chegando”, diz. “Na hora de apresentar um trabalho, ir na frente [da sala], ou até mesmo em uma entrevista de emprego [essa experiência] conta muito”.
A exemplo dela, outros estudantes também veem na comunicação um lugar de atuação no futuro. Hellen Diniz, 2º ano, mudou-se para o Adelaide em março deste ano e um chamariz para ela foi o projeto Imprensa Jovem. Amiga da atual presidente do projeto, a estudante Myrla Figueiredo, do 2º ano, Ellen acredita que participar da iniciativa foi fundamental na hora de olhar para o futuro.
“Quando comecei a participar e realmente entender como funciona, acho que ficou um pouco parecido com a Carol. Eu entendi o que realmente quero fazer, que é jornalismo também. Acho que se eu não tivesse tido a oportunidade de participar do projeto, e de conhecer tantas pessoas como conheci, estaria em dúvida ainda”, conta Ellen.
Nem todos querem seguir o caminho da comunicação, mas veem que participar do projeto os auxilia principalmente em entender como se portar, escrever e organizar as ideias.
“Eu não vou fazer nada relacionado à comunicação, mas como sou vestibulanda, estar no Imprensa Jovem me ajudou a organizar meus conhecimentos, melhorou minha escrita e principalmente a forma como devo me comunicar oralmente”, conta Jamily Cristine Oliveira, que está no 3º ano do ensino médio.
Recentemente, Jamille se mudou de bairro, mas apesar da distância decidiu seguir estudando no Adelaide. Além do Imprensa Jovem, ela também atua em um clube de estudos organizado e promovido pelos próprios estudantes, o do qual ela é a presidente.
O colégio possui diversos destes clubes que vão desde futsal, passando por culinária e por atividades de leitura. Todos eles são organizados pelos próprios estudantes, que precisam apenas de uma autorização da coordenação escolar para entrar em funcionamento – todo o restante fica a cargo deles.
Rubens, que também está no 3º ano do ensino médio, quer seguir na área da medicina, mas relata que o projeto de imprensa é um dos que mais gosta atualmente na escola. Um outro projeto do qual gosta muito chama-se “Passaporte da Leitura”, no qual estudantes recebem uma simulação de passaporte onde devem incluir dados pessoais e leitura do momento. Neste projeto, alunos do 3º ano auxiliam os colegas mais novos, do 6º ano, no percurso de leitura.
O professor Mário Barros, que dá aulas de geografia e atualmente coordena o Imprensa Jovem, conta que os estudantes já estão bastante organizados e que, hoje, apenas supervisiona o grupo. Até mesmo as reuniões de pauta são programadas e discutidas pelos próprios estudantes.
Durante a visita do Porvir, os jovens realizaram uma “cobertura” das atividades, que incluiu uma apresentação, uma roda de conversa sobre os motivos que os fizeram participar do Imprensa Jovem e também uma visita a uma aula de língua portuguesa, que posteriormente virou material em vídeo. A visita à escola foi guiada pelos próprios estudantes.
Juventudes no centro
De acordo com o professor Mário, algumas iniciativas em parceria com outras escolas estão previstas para apresentar o modelo do projeto. Uma das escolas é a vizinha Escola Estadual Prof. Benedito Célio de Siqueira, também no Grajaú e que desenvolve uma proposta de Imprensa Jovem.
O Imprensa Jovem já chama a atenção de outras escolas e da Diretoria de Ensino Regional Sul 3, que conta com a atuação do projeto na divulgação de algumas atividades.
Os estudantes também atuam com cobertura externa em diversos eventos, sejam eles culturais ou no campo educacional. O mais recente deles foi a apresentação da fanfarra da escola no desfile de 7 de setembro.
Presidente do Imprensa Jovem, Myrla comenta que esse reconhecimento da Diretoria de Ensino é muito gratificante para todos eles. Participar de projetos assim é uma forma de crescer como indivíduo, diz.
O professor Mário conta que o protagonismo é a chave deste projeto e de outras iniciativas na escola, como é o caso dos clubes citados anteriormente. Um outro viés do Imprensa Jovem é desenvolver nos alunos mais velhos um caráter de responsabilidade e de compartilhamento com os mais novos.
“Tentar desenvolver o conhecimento em outras pessoas por meio desse projeto é maravilhoso. Mostra que eu não estou sozinha e que sozinha não teria sentido. Para a gente, a imprensa não é um fardo, é uma responsabilidade”, conta Myrla.
Nesse organismo vivo que é o ambiente escolar, poder estar em contato ativamente com diferentes temas e atividades é o que, para grande parte dos estudantes, faz com que seu interesse em ir à escola continue persistente e ativo.
Confira algumas edições do jornal desenvolvido pelos estudantes:
1ª Edição
2ª Edição
3ª Edição
4º Edição