TIC Kids Online: frequência de acesso à internet por crianças gera novos alertas
Pesquisa destaca a importância de discutir publicidade e enfatiza o papel das parcerias na promoção de um uso seguro da internet por crianças e adolescentes
por Vinícius de Oliveira 29 de outubro de 2024
Com 93% da população brasileira de 9 a 17 anos sendo usuária da internet, seja pelo celular, computador ou, cada vez mais cedo, pela televisão, entender os hábitos e os riscos online aos quais estão expostos — muitas vezes quando estão sozinhos, trancados em seus próprios quartos — tem sido um ponto de atenção para pesquisadores, famílias e educadores. A pesquisa TIC Kids Online, conduzida pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), departamento do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), trouxe novos dados que ajudam a entender esse cenário. A edição 2024 do levantamento revela, por exemplo, que cerca de 40% dos jovens de 11 a 17 anos não conseguem reconhecer conteúdos patrocinados, indicando uma lacuna nas habilidades digitais necessárias para uma navegação crítica e segura.
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Esse contato com conteúdos personalizados por algoritmos tem ocorrido em idades em que o cadastro nas plataformas ainda não é permitido. Plataformas digitais, como o YouTube, são amplamente utilizadas por jovens de 9 a 12 anos, mas muitos encontram dificuldades para identificar conteúdos publicitários, como vídeos de unboxing (nos quais uma pessoa abre a embalagem de um produto e compartilha sua experiência) e materiais voltados à venda de produtos. Essa dificuldade se torna ainda maior quando esses conteúdos estão “disfarçados” entre vídeos de entretenimento que facilmente prendem a atenção de crianças e adolescentes.
Em 2024, a pesquisa investigou, pela primeira vez, a frequência de uso das plataformas digitais por essa faixa etária. O estudo revelou, por exemplo, que 70% dos usuários de 9 a 17 anos utilizam o WhatsApp regularmente, sendo que 53% acessam a plataforma várias vezes ao dia. O YouTube, o Instagram e o TikTok também têm altas taxas de uso, o que reforça o papel central das redes sociais na rotina dos jovens.
Frequência de uso “várias vezes ao dia” ou “todos os dias/quase todos os dias”, por faixa etária: |
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Crianças de 9 a 10 anos YouTube: 70% WhatsApp: 52% TikTok: 34% Instagram: 23% Crianças de 11 a 12 anos YouTube: 71% WhatsApp: 52% Instagram: 42% TikTok: 41% Adolescentes de 13 a 14 anos WhatsApp: 73% Instagram: 78% Adolescentes de 15 a 17 anos WhatsApp: 91% Instagram: 81% Perfil próprio em plataformas digitais – usuários de 9 a 17 anos WhatsApp: 69% Instagram: 63% TikTok: 45% YouTube: 42% Facebook: 19% Discord: 8% X (antigo Twitter): 7% Percepção sobre uso de redes sociais 72% acreditam que podem usar redes sociais sozinhos. Apenas 57% dos responsáveis compartilham essa percepção. |
Mediação parental
Nesse contexto, a mediação parental desempenha um importante papel na proteção de crianças e adolescentes na internet. Embora cerca de 30% dos responsáveis utilizem ferramentas de controle parental, 60% afirmam que verificam manualmente aplicativos e históricos de navegação. A comunicação entre pais e filhos é essencial, com as meninas frequentemente buscando mais orientação. Além disso, é mais comum que crianças mais novas recebam orientação ativa, mesmo que adolescentes também enfrentem riscos significativos, como assédio e discursos de ódio, conforme apontado no “Guia Escola Livre de Ódio”, publicado pelo Porvir.
Esses dados destacam a necessidade de educadores e famílias acompanharem criticamente o consumo digital infantil, avaliando tanto os benefícios quanto os riscos dessa exposição. O estudo revelou que 30% dos usuários de 9 a 17 anos têm responsáveis que utilizam recursos para bloquear ou filtrar conteúdos, incluindo sites (34%), aplicativos (32%) e contatos por chamadas ou mensagens (32%).
Além disso, 61% dos responsáveis monitoram regularmente o celular das crianças, sendo essa prática mais comum entre os mais novos. A pesquisa também aponta que 51% dos responsáveis impõem regras de uso dos dispositivos e 30% recorrem à suspensão do uso do celular. Entre aqueles que cuidam de usuários de 9 a 10 anos, 83% ensinam sobre segurança online, e 86% conversam com as crianças sobre suas atividades na internet — percentuais que caem entre adolescentes de 15 a 17 anos.
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Riscos online
Entre os jovens de 9 a 17 anos, 29% relataram ter enfrentado situações ofensivas no ambiente digital. Desses, 31% conversaram com pais ou responsáveis sobre o ocorrido, 29% com amigos da mesma idade, 17% com irmãos ou primos e 13% não compartilharam com ninguém. Além disso, 12% relataram ter sido tratados de forma ofensiva, e 42% afirmaram ter presenciado situações de discriminação online.
Em relação ao contato com desconhecidos, 30% dos jovens disseram ter interagido com pessoas que não conheciam pessoalmente, principalmente por meio de redes sociais (15%) e mensagens instantâneas (14%).
Em entrevista, Luisa Adib, coordenadora da TIC Kids Online Brasil, destacou o papel da mediação parental e da educação digital na minimização dos riscos e na promoção de uma navegação segura. Segundo Adib, “assim, crianças e adolescentes podem contar com o suporte necessário e, a partir de cada etapa de desenvolvimento, desenvolver tanto habilidades quanto resiliência para lidar com os riscos que venham a enfrentar no ambiente digital”. No entanto, a especialista reforça que o que acontece em casa é apenas parte do processo. Por isso, defende que a educação e a mediação digital devem ser uma responsabilidade compartilhada entre escola, família e poder público.
A 11ª edição da pesquisa TIC Kids Online Brasil entrevistou, presencialmente, 2.424 crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, além de seus pais ou responsáveis, em todo o território nacional. As entrevistas foram realizadas entre março e agosto de 2024.
Porvir – As crianças desta geração dividem sua atenção entre a TV com programação linear e uma programação guiada por algoritmos. O que isso muda na forma como consomem conteúdo e informação? Existem riscos?
Luisa Adib – No Brasil, quase a totalidade das crianças e adolescentes que utilizam a internet acessa a rede pelo telefone celular, alcançando 98%. Entretanto, ao longo da série histórica da pesquisa TIC Kids Online Brasil, observamos um aumento na proporção de acesso à internet por meio da televisão. Esse crescimento ocorre em todas as classes socioeconômicas. Ainda que seja mais expressivo entre as classes A e B, com 80%, 57% dos usuários das classes D e E também relatam acessar a internet pela televisão.
Além disso, há uma proporção elevada de usuários que utilizam plataformas digitais com frequência. Por exemplo, o YouTube é acessado várias vezes ao dia por mais de 40% da população entre 9 e 17 anos. Os usuários mais frequentes dessa plataforma são, principalmente, crianças de 9 a 12 anos.
O uso frequente da internet pela televisão e a utilização intensa de plataformas digitais nos levam a investigar alguns riscos, como o contato com publicidade e propaganda online. Esses dados foram coletados em 2023. Quando perguntamos se a criança viu algum produto ou marca na internet, cerca de 60% relatam ter visto anúncios em redes sociais ou na televisão. No entanto, ao investigar o contato com tipos específicos de conteúdo multimídia – como vídeos de pessoas abrindo produtos ou visitando lojas –, a proporção chega a 81%.
Essa diferença entre os 60% que afirmam ter visto publicidade e os 81% que assistem a conteúdos divulgando marcas ou produtos revela uma dificuldade, por parte de algumas crianças e adolescentes, em reconhecer que certos conteúdos são, na verdade, de caráter mercadológico. Muitas vezes, esse tipo de material é inserido junto a conteúdos de entretenimento, o que dificulta a identificação do que é ou não patrocinado.
Além disso, um dos indicadores da pesquisa mostra que, para cerca de 40% dos usuários entre 11 e 17 anos, não é verdadeiro ou é apenas parcialmente verdadeiro que conseguem reconhecer quando um conteúdo é patrocinado. Esse é um novo desafio relacionado ao uso crescente da televisão e das plataformas digitais por crianças e adolescentes.
Por fim, a pesquisa também revela que uma parcela significativa desse público tem dificuldades em compreender como os conteúdos são disseminados, como os espaços online são projetados e de que forma seus dados podem ser utilizados para direcionar os conteúdos que consomem.
Porvir – Como a pesquisa avalia a mediação das famílias sobre os hábitos online de seus filhos? As famílias sabem o que observar ou a quais ferramentas recorrer para proteger, filtrar e monitorar crianças e adolescentes?
Luisa Adib – Em relação à mediação parental, a pesquisa TIC Kids Online Brasil coleta dados sobre a verificação, orientação e monitoramento das atividades online de crianças e adolescentes. Em 2024, medimos pela primeira vez o uso de recursos técnicos por parte dos responsáveis, como ferramentas para bloquear ou filtrar os sites que a criança pode acessar, controlar os aplicativos que ela pode baixar, limitar as pessoas com quem pode se comunicar, monitorar sites visitados e bloquear anúncios. Em média, esses recursos foram reportados como usados por cerca de 30% da população.
Por outro lado, ao investigar a verificação de aplicativos, contatos ou históricos de navegação sem o uso de recursos técnicos, essa proporção quase dobra, atingindo cerca de 60%. Isso revela que mais responsáveis realizam verificações diretamente, sem recorrer a ferramentas específicas, do que aqueles que utilizam recursos técnicos para essa finalidade.
Além disso, em 2024, a pesquisa coletou, pela primeira vez, dados não apenas sobre a orientação oferecida pelos responsáveis, mas também sobre o quanto eles percebem que a criança ou adolescente inicia conversas pedindo conselhos sobre como agir na internet. Isso inclui pedidos de orientação, relatos sobre situações desagradáveis ou busca por ajuda. De modo geral, os responsáveis relatam que as meninas pedem mais orientações sobre o uso da internet do que os meninos.
Entre os recursos técnicos utilizados, as ferramentas para limitar o tempo de uso da internet apresentaram as menores proporções, sendo reportadas por cerca de 24% dos responsáveis. No entanto, 60% dos responsáveis afirmam que costumam olhar o celular da criança para acompanhar o que ela está fazendo. Mais da metade também estabelece regras para o uso do celular. De maneira geral, as ações de orientação tendem a ser mais frequentes entre os mais novos, como crianças de 9 a 10 anos e de 11 a 12 anos, em comparação com adolescentes de 15 a 17 anos.
Essa tendência é observada tanto na orientação sobre o uso do celular quanto no início de conversas para entender o que a criança ou adolescente faz na internet e para explicar maneiras seguras de navegar. É importante destacar que as proporções dessas interações e orientações diminuem entre adolescentes de 15 a 17 anos, que são, ao mesmo tempo, os usuários mais frequentes e aqueles mais expostos a riscos relacionados ao uso intenso da internet.
Assim, ao pensar na mediação parental, é necessário considerar as etapas de desenvolvimento dos jovens. É igualmente relevante ter em mente que, embora muitos adolescentes possuam habilidades operacionais avançadas para participar dos ambientes online, nem sempre desenvolvem com a mesma intensidade habilidades sociais e informacionais, essenciais para uma participação segura e consciente nesses espaços.
Porvir – Como famílias e escolas podem iniciar esse diálogo sobre a vida online com crianças e adolescentes?
Luisa Adib – A mediação, tanto nas escolas quanto pelas famílias, pode adotar uma perspectiva mais restritiva ou ser baseada na mediação ativa. Esta última se centra no diálogo, no início de conversas e na tentativa de compreender o que a criança faz online. Observamos que a mediação ativa tem correlações mais positivas com o uso seguro da internet por crianças e adolescentes, especialmente porque muitos deles não compartilham situações ofensivas ou discriminatórias vividas na internet.
Isso reforça a importância de os responsáveis iniciarem diálogos e criarem espaços de confiança para que crianças e adolescentes se sintam à vontade para relatar suas experiências online. Assim, eles podem contar com o suporte necessário e, a partir de cada etapa de desenvolvimento, desenvolver tanto habilidades quanto resiliência para lidar com os riscos que venham a enfrentar no ambiente digital.
Porvir – Diante do uso intensivo das redes sociais, muitas vezes acessadas várias vezes ao dia, é possível continuar a acreditar na integração desses dispositivos de forma pedagógica? Ou, dada a forma como são usadas, fica difícil estabelecer combinados, especialmente em horário escolar?
Luisa Adib – O uso de celulares e da internet por crianças e adolescentes tem sido amplamente tratado no debate público, especialmente em relação à frequência com que acessam plataformas digitais. Há evidências de que, muitas vezes, a própria criança ou adolescente se sente desconfortável por ter passado tempo excessivo no celular ou por não estar verdadeiramente interessada no que está fazendo.
Essas questões têm motivado a busca por novas estratégias e formas de inserir o uso do celular e da internet na rotina das crianças e adolescentes. As preocupações são legítimas, pois existem riscos relacionados à participação online. No entanto, é essencial considerar outros pontos centrais no debate para promover um uso seguro e crítico da internet.
Entre esses pontos, destacam-se: como os dados são coletados e utilizados; o desenvolvimento de habilidades críticas para que crianças e adolescentes compreendam como os conteúdos são disseminados; o entendimento sobre como os ambientes online são projetados; e reflexão sobre que tipo de serviço e ambiente online deve ser desenvolvido, considerando a presença de crianças e adolescentes em plataformas específicas.
Repensar estratégias para inserir o celular na rotina escolar e familiar é importante. Entretanto, é necessário um conjunto de medidas que, além de organizar o uso, garantam que a internet traga benefícios reais para crianças e adolescentes.
Recomendações para educadores e responsáveis por crianças e adolescentes
- Fortalecer a mediação parental ativa:
- Os dados mostram que muitos pais ainda subestimam os riscos enfrentados pelos filhos na Internet. É necessário capacitar os responsáveis para que saibam dialogar sobre experiências digitais e monitorar o uso sem recorrer a controles excessivos.
- A pesquisa sugere que orientações mais frequentes, como ensinar sobre privacidade e comportamento seguro online, podem melhorar o bem-estar dos jovens.
- Incluir práticas de educação digital nas escolas:
- A educação precisa preparar os estudantes para lidar criticamente com a informação online e desenvolver competências como letramento midiático e habilidades informacionais.
- A recomendação é integrar o uso de ferramentas digitais em atividades pedagógicas para que os alunos possam aprender a navegar com segurança e se comunicar de forma ética nas plataformas online.
- Promoção de campanhas educativas sobre riscos online:
- O estudo recomenda a criação de campanhas públicas que informem sobre riscos digitais, como cyberbullying e fake news, e orientem as crianças e adolescentes sobre como buscar ajuda quando necessário.
- O estudo recomenda a criação de campanhas públicas que informem sobre riscos digitais, como cyberbullying e fake news, e orientem as crianças e adolescentes sobre como buscar ajuda quando necessário.
- Implementação de políticas públicas para o uso seguro da Internet:
- Sugere-se ainda a formulação de políticas específicas que promovam o uso seguro da Internet, tanto no contexto escolar quanto doméstico. A inclusão de recursos tecnológicos acessíveis para monitoramento e filtros de conteúdo também é recomendada.
- Sugere-se ainda a formulação de políticas específicas que promovam o uso seguro da Internet, tanto no contexto escolar quanto doméstico. A inclusão de recursos tecnológicos acessíveis para monitoramento e filtros de conteúdo também é recomendada.
- Equilíbrio no tempo de uso das tecnologias:
- O relatório destaca a necessidade de abordar o uso excessivo da Internet e seus impactos na saúde mental e física dos jovens. Recomenda-se orientar tanto famílias quanto educadores sobre estratégias para promover hábitos saudáveis, equilibrando atividades online e offline.