Em projeto interdisciplinar, estudantes criam tijolos sustentáveis usando casca de coco
Combinando matemática, química e biologia, projeto de escola sergipana quer reconstruir casas de pau a pique usando tijolos naturais
por Makel Bruno Oliveira Santos 31 de outubro de 2024
Como professor, meu objetivo é integrar conhecimentos de diferentes áreas, como biologia, química e sustentabilidade, para promover uma abordagem interdisciplinar capaz de envolver diretamente os estudantes. O projeto “Fibra de coco nucifera: uma alternativa sustentável na produção em tijolos de solocimento”, foi inspirado no território onde vivemos.
Aqui em Umbaúba (SE), no Colégio Estadual Prefeito Anfilófio Fernandes Viana, onde dou aulas, temos estudantes que são filhos de agricultores e residem na zona rural. Certa feita, eles trouxeram para a sala de aula uma problemática que observam na própria comunidade: o descarte inadequado da fibra de coco, resíduo comum na região. Durante uma aula sobre sustentabilidade, pedi aos alunos que propusessem uma solução para essa questão. Ali surgiu a ideia de produzir tijolos de cimento fortalecidos com fibra de coco.
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A partir dessa proposta, começamos a trabalhar de forma interdisciplinar, unindo matemática, biologia e química, com a intenção de expandir os conhecimentos da turma nessas três dimensões, além de solucionar um problema real da comunidade. Eu queria que os alunos percebessem que aquilo vivenciado fora da escola também pode ser trazido para a sala de aula e debatido em um ambiente de aprendizagem.
Especificamente, nós trabalhamos com os seguintes temas:
Sustentabilidade
O tema foi apresentado como um eixo central, abordando práticas sustentáveis na construção civil e destacando a importância da reutilização de resíduos naturais.
Porcentagem
Trabalhamos com porcentagem para calcular a quantidade de fibra de coco necessária em relação aos outros componentes do tijolo. Também utilizamos porcentagens e dados estatísticos, pois fizemos uma pesquisa de opinião pública com moradores da zona rural. Por meio de perguntas socioeconômicas, buscamos retratar quantos ali moravam em casas de taipa, quantas pessoas moravam na mesma casa e se tinham problemas com proliferação de pragas, como o barbeiro, inseto comum no território.
Com esse levantamento, queríamos conhecer o perfil dos moradores e também saber se qual seria a aceitação deles aos tijolos que iríamos produzir. A nossa ideia era entender como substituir as casas de taipa (também conhecida como pau a pique) por casas construídas com o tijolo.
Desvio padrão
Utilizamos o desvio padrão (uma medida que expressa o grau de dispersão de um conjunto de dados) para analisar a variação nos resultados dos testes de resistência e durabilidade dos tijolos. Isso nos ajudou a entender melhor a consistência e a qualidade do material que produzimos.
Poluição do solo
Com essa dimensão, quisemos explorar os impactos ambientais do descarte inadequado da fibra de coco. Discutimos como a reutilização desses resíduos pode mitigar esses efeitos negativos e melhorar a gestão ambiental na comunidade.
Alinhamento com a BNCC e o currículo de Sergipe
O projeto está alinhado com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o currículo de Sergipe. Os documentos promovem competências gerais, como a valorização da diversidade, a responsabilidade socioambiental e o desenvolvimento de pensamento crítico e da resolução de problemas.
A BNCC destaca a importância da contextualização do conhecimento, a interdisciplinaridade e a aprendizagem baseada em projetos, elementos presentes nesta iniciativa. Da mesma forma, o currículo de Sergipe incentiva a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos em sala de aula, fortalecendo a conexão entre teoria e prática e preparando os alunos para enfrentar desafios reais em suas comunidades.
Etapas do projeto
- Coleta e preparação das fibras de coco
Para iniciar o trabalho, fizemos a coleta das fibras de coco. Elas são descartadas em terrenos baldios que ficam próximos às casas de três alunos que integram o projeto. Feita a coleta, as fibras foram submetidas a um processo de desfibramento, utilizando ferramentas apropriadas para separar a fibra do coco. Com as fibras soltas, elas são deixadas ao sol para secar e eliminar a umidade. Assim a qualidade do material é garantida para as próximas etapas.
- Estudo das propriedades do coco
Com as fibras separadas, realizamos testes para analisar a qualidade do material arenoso e, em seguida, estudamos as estruturas morfológicas do coco para entender melhor as propriedades físicas.
- Produção dos tijolos
Primeiro, preparamos uma mistura homogênea de fibra de coco, cimento e água – que resulta no solo cimento. Os alunos participaram ativamente de todas as etapas, desde a preparação da mistura até a moldagem e secagem dos tijolos, utilizando moldes específicos para garantir a uniformidade.
- Testes de qualidade
Realizamos uma série de testes para avaliar a qualidade dos tijolos produzidos. Analisamos tamanho, densidade, massa específica, desvio padrão, absorção de água, resistência à compressão axial, variação de temperatura, dilatação volumétrica, acústica, e outros fatores como durabilidade por molhagem e secagem, e resistividade elétrico-volumétrica. Também fizemos um teste comparativo entre tijolos produzidos com e sem fibra de coco, para avaliar o desempenho de cada material.
Um dos estudantes, que é carpinteiro, construiu uma prensa de madeira para facilitar a produção dos tijolos. Nós seguimos os procedimentos indicados pela Associação Brasileira de Cimento Portland e deixamos o material secar por sete dias. Em apenas uma hora, conseguimos produzir até 16 tijolos de forma manual.
Efeito nos estudantes
Os alunos participaram ativamente, da pesquisa inicial à implementação prática e a realização dos testes. Esse envolvimento direto permitiu que eles aplicassem teorias científicas na prática, desenvolvendo habilidades críticas e criativas.
Desde 2023, quando começamos o projeto, os alunos têm realizado oficinas nos povoados próximos à escola, ensinando os moradores a produzir os tijolos de forma sustentável.
Além disso, estamos visitando outras escolas para compartilhar com outros alunos da rede estadual o que aprendemos, e estimular outras turmas a reproduzir o que fizemos aqui. Em uma dessas visitas, lançamos uma proposta em que os estudantes produzam tijolos para a construção de um jardim interno.
Impactos locais e ações futuras
Estima-se que aproximadamente 6,7 milhões de toneladas de cascas de coco sejam descartadas todos os anos no Brasil. O país é o quinto maior produtor de coco no mundo e Sergipe aparece como o quarto estado com maior número de produção.
Nosso projeto inova na forma de promover a aprendizagem ao integrar conhecimentos de diversas áreas e envolver os alunos em um projeto prático com relevância direta para a comunidade. A utilização de materiais de baixo custo demonstrou que é possível desenvolver soluções sustentáveis e eficazes com recursos limitados.
Durante a implementação da proposta, enfrentamos algumas dificuldades, como a variabilidade na qualidade das fibras de coco coletadas e a necessidade de ajustes na proporção dos materiais utilizados para garantir a consistência dos tijolos. Tivemos um grande desafio para conseguir os materiais como cimento e a prensa, já que o laboratório da escola não está equipado para esse tipo de projeto. Precisei, inclusive, comprar materiais com meu próprio dinheiro. No entanto, conseguimos superar essas dificuldades com ajustes contínuos e muita experimentação.
Reconhecimento e próximos passos
A comunidade recebeu a iniciativa de forma positiva, reconhecendo o valor do projeto tanto do ponto de vista educacional quanto ambiental. A abordagem prática e interdisciplinar foi bem acolhida, e os resultados obtidos destacaram a importância de promover a sustentabilidade e a inovação no ambiente escolar.
Os testes realizados demonstraram que os tijolos produzidos com fibra de coco apresentaram propriedades físicas e mecânicas satisfatórias, contribuindo para a conscientização sobre a importância da gestão de resíduos e a viabilidade de soluções sustentáveis na construção civil.
O projeto teve um impacto significativo tanto nos alunos quanto na escola. Para os alunos, houve melhorias no aprendizado, desenvolvimento de habilidades críticas e criativas, e uma compreensão aprofundada de sustentabilidade e ciência aplicada. Eles também passaram a compartilhar com suas famílias, especialmente a questão do reaproveitamento de resíduos e a prática sustentável. Eles se engajaram ativamente, aprendendo a trabalhar em equipe e a resolver problemas práticos.
Para a escola, o nosso projeto inspirou outras práticas interdisciplinares, promovendo um ambiente de inovação e sustentabilidade. O clima escolar melhorou com a participação ativa dos alunos em iniciativas comunitárias, deixando um legado de conscientização ambiental e inovação prática.
Apesar de (ainda) não termos feito nenhuma construção, foi possível provar que o nosso tijolo é eficiente, de baixo custo, sustentável e resistente.
Apresentamos o nosso projeto em duas importantes feiras de ciências: A Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), em São Paulo (SP), e na MilSet Brasil, em Fortaleza (CE). O nosso projeto tem ganhado relevância e muitas pessoas nos procuram perguntando se queremos receber mais cascas de coco. Porém, essa não é a nossa intenção. O que queremos é mostrar para quem descarta esses resíduos que eles podem ter um destino melhor e mais sustentável.
O próximo passo é patentear o nosso projeto. Com isso, esperamos conseguir mais apoio – inclusive financeiro – para avançar e construir algo de fato com nossos tijolos.
Makel Bruno Oliveira Santos
Possui graduação em Ciências Biológicas - Licenciatura Plena pela Universidade Tiradentes (2009) e em Pedagogia pela FACIBRA (Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz) (2019). É especialista em Docência e Tutoria a Distância pela Universidade Tiradentes (2010) e em Gestão Educacional pela UNINASSAU (2020). Possui pós-graduação em Educação Infantil e Anos Iniciais do ensino fundamental pela UNICESUMAR. Concluiu o mestrado em Ensino de Ciências e Matemática pelo PPGECIMA (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Atua como assessor pedagógico no Colégio Esplendor, em Aracaju (SE). Leciona Biologia, Química e Física para turmas do ensino médio no Colégio Estadual Prefeito Anfilófio Fernandes Viana, em Umbaúba (SE). Também é professor do programa PREUNI/Secretaria de Estado da Educação nos municípios de Umbaúba (SE) e Itabaianinha (SE). É professor efetivo do município de São Cristóvão (SE) e coordenador pedagógico na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Martinho de Oliveira Bravo. Recebeu o selo do Prêmio Educador Transformador - 2ª Edição.