Do papel à prática: iniciativas mostram como a educação midiática já acontece nas escolas
Em debate durante a 3ª Semana Brasileira de Educação Midiática, representantes do MEC e das redes estaduais compartilharam experiências que demonstram a integração da cultura digital ao dia a dia escolar
por Ana Luísa D'Maschio
28 de outubro de 2025
O ano de 2025 marca um ponto de virada para a educação digital e midiática no Brasil. Em fevereiro, com a aprovação da Resolução nº 2 do CNE (Conselho Nacional de Educação), o país passou a contar com diretrizes operacionais que orientam estados e municípios a incorporar o tema de forma sistemática à educação básica.
Até o final de 2025, todas as redes de ensino deverão revisar seus currículos para incluir competências relacionadas à leitura crítica de mídias, ao uso ético e responsável da tecnologia e à formação para a cidadania digital.
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Para reunir boas práticas, políticas em construção e pesquisas sobre o assunto, a 3ª Semana Brasileira de Educação Midiática, promovida pelo MEC (Ministério da Educação), pela Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) e pela representação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil acontece até o próximo dia 31 de outubro.
Sob o tema “Mobilizar uma geração para a cidadania digital”, o evento tem sede em Brasília, transmissões ao vivo pelo canal do MEC no YouTube e atividades concomitantes em diferentes cidades.
Levantamento nacional destaca práticas e políticas em andamento
Nesta terça-feira, 28, o Porvir acompanhou dois debates. Na mesa “Panorama da educação midiática no Brasil”, a diretora da Agência Porvir, Tatiana Klix, apresentou uma prévia do Mapa Brasileiro de Educação Midiática, desenvolvido pelo Porvir em parceria com Secom, Unesco e Embaixada do Reino Unido. A iniciativa oferece práticas e referências para implementar ações nas escolas.
“O mapa existe para mostrar que já existe muita coisa acontecendo e para inspirar outras redes e educadores a fazerem parte desse movimento”, explicou Tatiana.

O trabalho teve início em 2024, quando a Secom e a Unesco Brasil lançaram uma chamada pública nacional para mapear iniciativas voltadas à educação midiática em escolas, universidades, organizações e governos. O processo resultou em 496 propostas inscritas, vindas de todas as regiões do país, desde pequenos projetos escolares até programas de larga escala implementados por redes estaduais.
Em 2025, o Porvir assumiu a curadoria editorial e metodológica do levantamento, com a tarefa de validar, classificar e sistematizar essas iniciativas. Após eliminar duplicidades e organizar as informações, foram consolidadas 227 experiências e recursos que compõem a primeira versão do Mapa, que deve ganhar em breve uma seção no site da Secom.
O site reunirá materiais, guias, jogos e o recurso de geolocalização para facilitar trocas regionais e atualizações, permitindo que novas experiências sejam incluídas ao longo do tempo.
De acordo com Tatiana, a proposta é revelar como diferentes setores estão contribuindo para o mesmo objetivo, incluindo universidades e organizações da sociedade civil que atuam em extensão e formação docente, governos que criam políticas e redes públicas que já colocam a educação midiática em prática nas escolas.
“Essas experiências ajudam a traduzir a Resolução do CNE em práticas concretas. A educação midiática já está acontecendo — e o mapa quer ampliar o acesso a essas referências para que toda escola encontre um ponto de partida e siga adiante”, afirmou Tatiana.
| 5 práticas já cadastradas no Mapa Brasileiro da Educação Midiática |
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Rede Mocoronga de Comunicação Popular (PA): Jovens ribeirinhos da região do Tapajós produzem conteúdos sobre saúde, sustentabilidade e cultura local. Com mais de 30 anos de atuação, a rede forma comunicadores populares e promove oficinas de mídia e desinformação em comunidades amazônicas. Vozes Daqui de Parelheiros (SP): Agência de comunicação criada durante a pandemia no extremo sul de São Paulo. Forma jovens para produzir conteúdos audiovisuais sobre o próprio território. Coar Notícias (PI): Iniciativa de checagem de fatos voltada ao letramento midiático por meio da linguagem regional, valorizando a realidade das regiões Norte e Nordeste. Seu manual de checagem é utilizado em escolas e universidades. Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis (SC): Com 24 anos de história, promove o audiovisual entre crianças, oferecendo oficinas e debates com professores sobre leitura crítica da mídia. Educom.Indígena (MT): Projeto da Universidade do Estado do Mato Grosso que promove trocas de saberes entre estudantes indígenas e não indígenas, com oficinas de produção de podcasts e reflexão sobre o uso da tecnologia nos territórios. |
Dados apontam avanços e desafios da educação midiática
Coordenadora da pesquisa TIC Educação,, desenvolvida pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação),Daniela Costa apresentou resultados obtidos entre agosto de 2024 e março de 2025 em mil escolas (com 10.700 entrevistas). O uso seguro e crítico da internet com as equipes é realizado por 56% dos gestores, sendo que 46% incluem educação midiática nas pautas pedagógicas. Ao mesmo tempo, 70% dos alunos do ensino médio usam IA generativa (como ChatGPT e Gemini) para pesquisas; do lado docente, 43% recorrem à IA no planejamento.
O desafio, de acordo com a pesquisadora, é sair do debate para a produção autoral: apenas 4% dos professores desenvolvem projetos como jornais, podcasts ou agências estudantis. “As escolas estão prontas para dar o próximo passo, mas os professores precisam de formação, tempo e apoio institucional”, apontou Daniela. “A educação midiática não é um tema a mais, mas uma forma de ler, escrever e participar do mundo contemporâneo”.
Currículos vivos e conectados às realidades locais
Representante do MEC, Marina Kovács reforçou que a implementação da Resolução do CNE deve partir das realidades locais e das experiências que as redes já vêm desenvolvendo. A orientação, segundo ela, é não reinventar a roda, mas contextualizar as práticas e torná-las significativas.
“Ensinar educação midiática é partir da vida local. O Espírito Santo, por exemplo, insere cultura digital a partir da panela de barro e da moqueca capixaba, tornando a aprendizagem viva e conectada à cultura do território”, exemplificou.
Essa visão foi reforçada na mesa “Do Papel à Prática: Currículos de Educação Digital e Midiática em Ação pelo Brasil”, mediada por Ana Dal Fabbro, coordenadora-geral de Tecnologia e Inovação na Educação Básica do MEC, e Mariana Filizola, coordenadora-geral de Educação Midiática da Secom.
O debate apresentou experiências curriculares de diferentes estados. “A atualização curricular é necessária para aproximar a escola da vida do estudante, que hoje está profundamente inserida no mundo digital”, analisou Ana.
Espírito Santo: currículo integrado e protagonismo docente
O Espírito Santo é um dos primeiros estados do país a criar um currículo integrado de computação e cultura digital, que vai da educação infantil ao ensino médio.
O documento está alinhado à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e à Política Nacional de Educação Digital, estruturado em três eixos: cultura digital, pensamento computacional e mundo digital.
Segundo Aleide Cristina de Camargo, da Secretaria Estadual de Educação, o diferencial está na abordagem transversal: “O currículo foi pensado para que a cultura digital não ficasse isolada. Cada área do conhecimento contribui para o desenvolvimento de competências digitais e midiáticas, de forma integrada e contextualizada.”
“Mais do que entregar um documento, nosso foco é fortalecer o protagonismo dos professores e criar condições reais para que a educação digital aconteça nas escolas”, afirmou Aleide. A implementação é gradual, com formações docentes, assessoramento às redes municipais e investimentos em infraestrutura e comunicação.
Ceará: cultura digital como política de estado
No Ceará, a educação digital é uma política consolidada. Desde 2023, o componente “Cultura Digital” é obrigatório em todas as escolas de tempo integral, inserindo competências midiáticas no currículo.
Segundo Paulo de Souza, da Seduc, o programa segue a Política Nacional de Educação Digital e já alcançou 120 mil estudantes e 1.200 professores em 381 escolas.
“O objetivo é formar jovens que usem a tecnologia com propósito. A cultura digital precisa ser vivida, não apenas ensinada”, destacou.
Criado em parceria com o Instituto Palavra Aberta, o currículo se baseia em competências: ler, escrever e participar. Uma rede de formação com Agentes de Gestão e Inovação atua nas 23 coordenadorias regionais, em diálogo com a Coordenadoria de Direitos Humanos, que organiza ações sobre internet segura e cidadania digital.
Entre os resultados, um vídeo produzido por estudantes sobre brincadeiras perigosas e desafios virais mostra como a aprendizagem se conecta à vida cotidiana. “Quando os alunos produzem conteúdo sobre temas que atravessam suas vidas, tornam-se protagonistas e agentes de transformação digital”, avaliou Paulo.
Bahia: das agências escolares à cidadania digital
Na Bahia, a educação midiática nasceu dentro das escolas, com o projeto “Agências de Notícias na Escola”, criado em 2023. Hoje são 250 agências, com 1,5 mil estudantes e 200 professores produzindo vídeos, podcasts e reportagens sobre suas comunidades.
Segundo Iuri Rubim, Assessor Especial para IA na Educação da Secretaria de Educação do Estado, a lógica é “de baixo para cima”: “Nosso modelo é um mundo invertido — começamos da prática para o papel.”
A iniciativa transforma estudantes em produtores críticos de mídia, fortalecendo o pertencimento e a expressão. Com apoio dos Institutos Anísio Teixeira, Palavra Aberta, da Unesco e da Secom, já alcança quase 900 mil pessoas com os conteúdos das escolas.
“O que se produz nas escolas não é apenas conteúdo. É pertencimento, é voz”, afirmou Iuri. Mais de 800 professores já foram formados, e o componente curricular de educação digital e midiática será implantado em 2025 em toda a rede.
Mato Grosso do Sul: inovação construída a partir da escuta
O Mato Grosso do Sul desenvolve seu currículo de educação digital, midiática e computacional em regime de colaboração com os municípios, com escuta ativa dos professores.
Segundo Paulo Cezar dos Santos, superintendente de Informação e Tecnologia da Secretaria de Estado de Educação, o processo reuniu 1.881 contribuições docentes e 34 municípios. “Nosso currículo nasce dentro das escolas, com a escuta de quem vive o chão da sala de aula.”
O estado também criou o cargo de professor coordenador de práticas inovadoras, em todas as escolas, com dedicação exclusiva à inovação pedagógica.
Rio de Janeiro: criatividade e protagonismo como eixo da aprendizagem
No Rio de Janeiro, a integração entre mídia e educação é liderada pela MultiRio, empresa pública que há mais de 30 anos atua como ponte entre comunicação, tecnologia e aprendizagem.
Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, desenvolve o GET (Ginásio Educacional Tecnológico), rede com 275 escolas voltadas à formação digital e criativa.
Segundo Maurício Martins, da MultiRio, cada escola tem um Colaboratório, espaço equipado com recursos audiovisuais. “É ali que os estudantes exercitam o pensamento crítico, a criatividade e o protagonismo.”
Entre os projetos estão a narrativa interativa “E agora? Um rolê digital”, o jogo “Dá o Papo”, a série “Entre Mídias” e a Andar (Agências de Notícias dos alunos da Rede), onde produzem notícias e entrevistam personalidades públicas.
“A educação midiática é uma experiência cultural que envolve professores, estudantes e famílias. É a escola se reconectando com o mundo”, afirmou Maurício.





