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Inovações em Educação

Por que ouvir os estudantes é essencial para enfrentar a crise do clima

Possibilitar que crianças e jovens atuem como Guardiões da Natureza é incluí-los no debate, reconhecendo suas habilidades, ideias e novas perspectivas para a preservação ambiental

por Ruam Oliveira ilustração relógio 31 de outubro de 2025

O relatório Global Tipping Points 2025, divulgado no início de outubro deste ano, soou um alerta importante: o planeta Terra pode ter ultrapassado seu primeiro ponto de não retorno quando o assunto é mudanças climáticas. O motivo é o branqueamento de recifes de corais devido ao aumento da temperatura dos oceanos. 

O relatório, escrito por 160 cientistas de diversos países aponta: “Já com um aquecimento global de 1,4 °C, os recifes de corais de águas quentes estão ultrapassando seu ponto de inflexão térmico e sofrendo uma perda sem precedentes, prejudicando os meios de subsistência de centenas de milhões de pessoas que dependem deles”. 

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Apesar do cenário complexo, a escola continua sendo um espaço de esperança também em relação ao futuro do planeta. 

“Sabemos que não vamos conseguir salvar tudo. Algumas coisas, experiências, lugares e animais vão se perder. A gente não vai conseguir salvar tudo, mas tudo o que conseguirmos salvar vale ser salvo”, apontou Danilo Moura, especialista em clima e meio ambiente do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), durante roda de conversa na 5ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa, promovida pela RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), em Brasília. 

Mesmo que seja difícil a reversão, o que Danilo propõe é que as mudanças climáticas sejam incluídas nos currículos escolares de maneira transversal. “A educação ambiental não é uma disciplina, ela faz parte de história, geografia, ciências, literatura… De alguma forma, a relação com o ambiente deve estar integrada no currículo”, pontuou. 

A vida e os desafios das mudanças climáticas 

Impactada pelas enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024, a professora Miriam Waszak, compartilhou com a platéia o quanto foi difícil este período, e que a necessidade de reconstrução a fez olhar de uma maneira diferente para como o tema aparece na sua vida e prática pedagógica. “Eu demorei 7 meses para voltar para casa”, contou. “As crianças chegavam dizendo ‘não quero saber de matemática, ciências, história, geografia’. Tudo que elas mais queriam era abraçar. Tínhamos que ouví-las”, completou. 

Dentro deste contexto, o acolhimento tornou-se também assunto da escola. Assim como introduzir o cuidado com o ambiente, o bairro em que cada um vive ou simplesmente incentivar pequenos gestos como recolher o lixo no chão do pátio da escola. 

A RBAC desenvolve este ano o projeto “Guardiões da Natureza”, que visa inspirar crianças, adolescentes e jovens a compreender e aprender cada vez mais sobre o papel de cada um em relação ao meio ambiente. A ação é desenvolvida em parceria com a SEDUC-PA (Secretaria de Educação do Estado do Pará), que em 2023 incluiu um currículo de educação ambiental em todas as etapas de ensino.  

Apesar de ser uma campanha para este ano, Miriam argumenta que o objetivo deve ser contínuo, não apenas associado a datas específicas. 

“Além da nossa pequena casa onde a gente mora, é extremamente necessário cuidarmos da nossa casa chamada Terra, que está tão afetada, pedindo socorro. Muitas vezes as pessoas têm consciência, mas no agir é totalmente diferente. Não adianta ser consciente e não ter ações”, comentou. 

A educadora lembrou que, em muitos casos, há um trabalho sendo desenvolvido no ambiente escolar, mas que não é continuado dentro de casa, o que dificulta que as mentalidades mudem. 


De olho no meio ambiente

Mudar de mentalidade significa deixar de fazer determinadas atividades. Célia França, professora integrante da diretoria de inovação da Seduc-PA e do Ciseb (Centro de Inovação e Sustentabilidade da Educação Básica) – espaço planejado em vistas de modernizar o ensino público paraense com foco em tecnologia e sustentabilidade –, conta que muitos projetos que recebem são apresentados como sustentáveis, mas utilizam materiais que degradam o meio ambiente como EVA, canudos entre outros. 

“Quando lançamos o Guardiões da Natureza lá no Pará, muitos trabalhos víamos que tinham esses materiais”, disse. A educadora compartilhou a experiência do paraense na inclusão da educação ambiental no currículo e da importância do Ciseb para o estado. “O Ciseb nasce com a perspectiva de democratizar o acesso às tecnologias”, disse. 

Ainda dá tempo?

Para combater as mudanças climáticas será necessário criatividade, competência e planejamento. O representante da Unicef ressaltou que a crise do clima é “o desafio que vai definir as próximas gerações”. “A escala e a velocidade das mudanças necessárias para limitar os danos causados pelas mudanças climáticas não têm precedentes na história humana”, afirmou.

O especialista avalia que é importante ter dimensão da gravidade: eventos como as chuvas intensas que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado vão se repetir. As ondas de calor vão se tornar mais frequentes, e a ocorrência de eventos extremos vai aumentar, mesmo que todos os acordos internacionais sejam plenamente cumpridos.

Para quem é criança ou adolescente hoje, o desafio de existir no mundo é muito diferente do que era há 30 anos. “Estamos diante de um cenário em que pode chover 600 mm em 24 horas e deixar um estado inteiro submerso, ou em que correntes fortes causam destruição, dependendo de quão preparada está a infraestrutura humana”, pontua. 

Entre os caminhos possíveis, Danilo destaca que incluir crianças e adolescentes no debate é um passo necessário para garantir a mudança. 

“Ao mesmo tempo, precisamos repensar como educamos as novas gerações para que possam atuar na economia do futuro. A forma como a economia global funciona hoje não é sustentável. Não será possível continuar nesse modelo se quisermos garantir um planeta habitável”, afirmou. 

Ao educar adolescentes, Danilo diz ser é essencial assegurar que, ao ingressarem no mercado de trabalho, estejam preparados para se integrar aos novos setores e indústrias verdes que surgem. 

“Esse é o momento de agir para não reproduzir os padrões de desigualdade do modelo atual. Queremos não apenas que as novas gerações estejam prontas para essa economia verde, mas que jovens do ensino público — negros, periféricos, indígenas e quilombolas — também façam parte dela. Precisamos construir um modelo de desenvolvimento que não repita as desigualdades, o racismo e a discriminação de gênero que ainda marcam o país”, completou.

Sobre a Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa

O evento, gratuito, é uma realização da RBAC, em parceria com o Centro SESI de Formação em Educação, o SESI Lab, a Casa Thomas Jefferson, o Instituto Catalisador, o MIT Media Lab e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Conta ainda com o patrocínio de Zoom Education for Life, Sebrae, Instituto Escolas Criativas e BTG Pactual, além do apoio do Ministério da Educação.

* O Porvir é parceiro de mídia do evento



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competências para o século 21, meio ambiente

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