“Não tem atalho para o sucesso acadêmico”
Cofundador da rede Kipp aposta em disciplina, estudo e bons professores para mudar vida de alunos em comunidades pobres
por Patrícia Gomes 11 de janeiro de 2013
“Não tem atalho para o sucesso acadêmico”, repete diversas vezes Mike Feinberg, vestido impecavelmente, apesar do calor paulistano dos últimos meses, com sapato, calça e blusa sociais, cinto e gravata preta – salpicada com dezenas de smiles. Feinberg esteve no Brasil contando como foi que uma ideia, nascida em 1994 de dois egressos do programa americano de formação de professores, o Teach for America, se tornou uma iniciativa com 125 escolas espalhadas pelos EUA e mais de 40 mil alunos de baixa renda beneficiados. E a solução encontrada pelas escolas Kipp, Knowledge is Power Program, passa pelo aumento do tempo que as crianças passam estudando, na valorização da disciplina, na capacitação dos professores e, acima de tudo, na apresentação da universidade como um sonho possível.
Antes de a fórmula se mostrar bem-sucedida, porém, Feinberg e seu colega, Dave Levin, precisaram gastar sola de sapato. “No início, batíamos de porta em porta perguntando: nessa casa mora algum menino de 9 anos? Se sim, matricula essa criança na nossa escola!”, lembra o educador da caça aos alunos que teve de promover para preencher as vagas das duas primeiras Kipp, em Houston e em Nova York. Pouco depois, a realidade já era bem diferente. Em 1999, as duas unidades foram consideradas as melhores escolas de suas respectivas regiões e já não eram mais Feinberg e Dave que iam atrás dos alunos, mas o contrário. Hoje precisam sortear os alunos por não terem vagas para todos os interessados, começaram a receber pedidos das famílias e até do poder público para replicar a experiência e são a maior rede de charters – escolas públicas de administração privada – dos Estados Unidos.
Essa procura, acredita Feinberg, tem a ver com a mudança que o fato de estudar nas Kipp traz para a vida das pessoas. “O que fizemos foi elevar as nossas expectativas sobre eles”, diz o educador, que se orgulha da composição de sua rede e dos resultados que alcança. De acordo com o mais recente relatório anual de desempenho das escolas Kipp, 87% dos matriculados na rede são de famílias com baixíssimo poder aquisitivo. Por outro lado, 33% dos alunos que completaram os estudos ali se formaram em um curso universitário de quatro anos de duração, superior à média nacional, que hoje gira em torno de 30,6% para jovens de 25 a 29 anos, e muito maior que a taxa de 8,3% alcançada por alunos oriundos de comunidades de baixa renda.
Sem acreditar em receita milagrosa, Feinberg diz que o resultado é, basicamente, fruto de trabalho duro. Para começar, as escolas têm uma grade horária de período integral, das 7h30 às 17h, duas horas de trabalho de casa por dia, além de atividades aos sábados. “Queríamos aumentar o tempo que eles tinham para se dedicar ao conteúdo tradicional, sem sacrificar o espaço dos esportes e das artes”, diz o professor. Estando mais tempo na escola e menos tempo na rua, a tendência é que os jovens tenham mais foco nos estudos. Feinberg chegou a duvidar que sua proposta fosse ter tanta aprovação, mas mudou de ideia um dia quando o seu telefone tocou. “Era um aluno pedindo mais dever de casa”, lembra ele.
E o foco nos estudos é levado tão a sério que se reflete, inclusive, na forma como os alunos se vestem: calça, camisa, cinto e gravata – sem a estampa irreverente de Feinberg, claro. “Eles usam uniformes porque não queremos que eles se distraiam”, diz o educador, que ressalta também que, estando uniformizados, cresce entre os alunos a sensação de pertencimento e acolhimento em um grupo preocupado em fazê-lo estudar e, com isso, ter uma vida melhor que seus pais. Além disso, a roupa os fazem ser reconhecidos de longe nas ruas das comunidades pobres onde moram. “Mas um aluno da Kipp é facilmente reconhecido não apenas por isso, mas também porque ele é gentil, cumprimenta as pessoas, olha nos olhos dela, se preocupa com quem está a sua volta”, afirma.
A valorização dos professores é outro ponto enfatizado pelo educador. Por serem escolas charters, elas têm autonomia para escolher seu corpo docente e remunerar melhor os que se destacam. Eles passam por capacitações em que aprendem a serem líderes na sala de aula. “Eles aprendem que não podem apenas ensinar o conteúdo tradicional, mas também devem estimular os alunos a agirem com garra, resiliência, autocontrole, otimismo, curiosidade. E alegria”, diz o educador, combinando seu sorriso com os da gravata.