Seduzir para educar: como o aluno se torna protagonista?
Evento Educação 360º, que aconteceu no Rio de Janeiro (RJ), reuniu educadores e gestores que se destacam em promover uma aprendizagem que faça sentido
por Camila Leporace 26 de setembro de 2016
Na terceira edição do evento Educação 360o, que aconteceu no Rio de Janeiro (RJ), nos dias 23 e 24 de setembro, a professora Jonilda Ferreira, que começou a dar aulas para o ensino médio sem ter licenciatura, e o designer André Bello, criador de um projeto voltado para a educação, receberam uma espécie de “bênção” do educador português José Pacheco. Sandra Niel de Melo Ponce, diretora da Escola Classe 314 Sul, de Brasília, e a vice-diretora Bernadete Caparica mostraram como educação de qualidade pode acontecer em uma escola simples, mas que conta com muita dedicação da equipe. Os quatro participaram do debate “O aluno como protagonista”, mediado pelo jornalista Antônio Góis e que contou com a participação da pedagoga Cleuza Repulho, além do professor José Pacheco.
Quando uma pessoa se candidata a fazer parte da equipe de Pacheco – criador da Escola da Ponte, em Portugal, e conselheiro do Projeto Âncora, em São Paulo (SP), mas diz a ele que não tem formação em pedagogia, ele acha melhor assim. Pacheco é conhecido por questionar a escola como ela é, com seu formato arraigado que se perpetua desde a Revolução Industrial. Ele colocou para a plateia questões para todos pensarem. Por que a escola é dividida em ensino fundamental e médio? Por que no fundamental as crianças têm apenas um professor e depois passam a ter oito ou nove? Por que o professor do ensino básico ganha menos do que o do ensino médio? Será que o fato de todos os ministros da Educação terem sido do sexo masculino não acabou influenciando os rumos da área, que é marcada fortemente pela presença feminina? Enquanto essas questões não têm respostas prontas, ficou o exemplo do cotidiano de educadores que lidam com os obstáculos e procuram fazer o seu melhor.
Acreditar como primeiro passo
André Bello é criador do projeto Acredite!, iniciativa que tem como objetivo desenvolver valores ligados ao protagonismo, ao empreendedorismo e à transformação nos jovens para lhes munir de ferramentas necessárias ao mundo em que vivem. Ele traça um paralelo entre o design e a educação para destacá-los como poderosos instrumentos de transformação, mas ressalta a flexibilidade que diferencia o design nesse processo. Bello destaca que, no design, errar é estar mais próximo do acerto. Enquanto isso, na escola tradicional, o erro gera punição.
A ideia para o Acredite! surgiu quando a filha de André nasceu. Hoje com 11 anos de idade, Ana Helena é parceira do pai, e se juntou a ele no palco do evento para mostrar o vídeo que gravou para o projeto. Por meio de um livro levado às escolas, as crianças das instituições pelas quais o projeto passa são instigadas a responder à pergunta “Qual é o seu maior sonho?”. Ana Helena destacou o conceito de identidade e falou sobre a importância de os jovens pensarem sobre o que querem de verdade para suas vidas.
“O projeto Acredite! se propõe a transmitir os conceitos de design para a educação das crianças, para que elas sejam agentes de transformação através de uma metodologia flexível. Despertar as inteligências adormecidas dentro das crianças é possível. A construção de uma nova responsabilidade coletiva é o resultado”, diz Bello, que contou ter buscado inspiração nos games, storytelling e no entretenimento.
Protagonismo do aluno com incentivo do professor
Na roda de debates “O aluno como protagonista”, o professor teve seu papel revisto, e mais uma vez lhe foi atribuída uma função chave para que o aluno encontre o espaço de que precisa para assumir uma posição mais firme em sua educação, envolvendo-se de maneira mais ativa. Nesse contexto, autoestima e estímulo constante são fundamentais.
É o que prova a dedicada professora Jonilda Ferreira, da cidade de Paulista, na Paraíba. Ela esteve no Educação 360o para abordar as experiências dos alunos da Escola Municipal Cândido de Assis Queiroga, onde leciona matemática. Desde 2005, os alunos da professora se destacam em Olimpíadas de Matemática no Brasil e no exterior, tendo conquistado 14 medalhas de ouro, nove de prata, 39 de bronze e 112 menções honrosas.
Sem acesso a universidades próximas que oferecessem curso de licenciatura, Jonilda havia cursado ciências exatas quando foi convidada a ser professora de matemática para alunos do ensino médio na escola localizada naquela cidade de 12 mil habitantes em que a zona rural é maior que a urbana. Foi um desafio e tanto, segundo ela conta.
Se a matéria aterrorizava os alunos, para Jonilda a angústia de conseguir ensinar era muito maior. Mas ela fez questão de buscar uma maneira de envolvê-los e acabar com o trauma associado à disciplina. Aos poucos, começou a introduzir aulas práticas na rotina, procurando contextualizar o ensino da matemática. Notou um aumento no interesse dos alunos e passou a incentivá-los a pensar mais, a fazer mais perguntas a eles mesmos em vez de pedirem respostas prontas.
Jonilda levou seus alunos ao supermercado, à pizzaria, ao posto de gasolina e até à cozinha da escola para baterem bolos – e assim trabalharem o conceito de porções. “Mudar a dinâmica da aula, fazer pequenas inovações é fundamental para despertar o interesse dos alunos”, conta a professora. Contrariando o ditado popular que diz que “santo de casa não faz milagre”, o filho de Jonilda foi o primeiro a conquistar uma medalha em Olimpíadas de Matemática para sua cidade. Tornou-se comum o encontro de jovens para estudar na casa da professora, com seu filho.
Escola de gente feliz
Na Escola Classe 314 Sul, de Brasília – que vem se destacando no Ideb e conquistou nota 7,3 em 2015 –, os 300 alunos, sendo 39 com deficiência, recebem atenção especial da diretora Sandra e da vice-diretora Bernadete. Elas definem a instituição como “escola de gente feliz”, e dizem que ali fazem nada mais do que o “arroz com feijão”, mas bem feito, com o objetivo de garantir uma boa formação para os estudantes.
José Pacheco questiona a divisão entre jardim de infância, ensino fundamental e médio. E foi pensando na mudança radical com que as crianças se deparam ao deixar o jardim e entrar na escola que Sandra e Bernadete pensaram em maneiras de tornar a situação e o espaço mais acolhedores para os alunos recém-chegados. Eles são recebidos pelos alunos que estão para deixar a escola, e que, portanto, um dia se sentiram da mesma maneira. Mas reduzir essa sensação de estranhamento foi apenas um dos desafios das educadoras na escola.
“O que faz a criança que tem acesso a todo tipo de tecnologia à disposição dela ter prazer de ir para a escola? Percebemos que precisávamos entrar na cabeça das crianças, tendo em mente que elas são a razão do nosso trabalho. O que é significativo para elas? Ver as crianças em primeiro lugar como seres humanos únicos, completos”, conta Sandra. Para as educadoras, uma escola capaz de seduzir os alunos é “prazerosa, contextualizada, significativa, valoriza talentos, prepara para a vida, motiva e incentiva práticas diferenciadas”.
Sandra e Bernadete deram cor à escola de Brasília – real e metaforicamente. Tendo em mente o que agrada aos mais jovens, criaram espaços de oficinas, mesas de xadrez, casas de bonecas, espaços para dança, futebol e jogos. E decidiram envolver toda a comunidade de pais, alunos, professores e funcionários para que, integrados, eles se sentissem parte da escola. Por isso, realizam nada menos que treze projetos ao longo de um ano letivo.
Uma vez por semana, toda a escola se reúne para a prática da leitura. Autores se fazem presentes para contar histórias, jogadores de xadrez aparecem para jogar com as crianças, os pais participam de diversas atividades com seus filhos no ambiente escolar e comparecem em massa às reuniões. A instituição tem a preocupação constante de fazer o professor se sentir valorizado e respeitado, e de tornar a escola um ambiente de todos aqueles que estão envolvidos com a educação dos alunos. Tudo indica que está dando mais do que certo.