Uma escola onde brincar e estudar caminham juntos
Conheça a Vivendo e Aprendendo, de Brasília (DF), que surgiu a partir da insatisfação dos pais com o modelo de ensino adotado durante o regime militar
por Juliana Lima 27 de janeiro de 2017
Uma escola sem grades, com crianças brincando livremente, pulando corda e descalças com os pés na terra seria possível nos dias de hoje? Será que as crianças ainda conseguem interagir sem a interferência de aparelhos tecnológicos? Ou será que tal concepção é muito utópica?
No começo da vida escolar, a maioria das instituições de ensino adotam certos padrões pedagógicos e estruturais, tais como disciplina, intervalos, sinais e notas. Em meio a tantas regras, a essência da infância, o brincar, acaba sendo deixado de lado. Com isso, desde pequenas as crianças começam a separar a hora de estudar da hora do brincar. A primeira é vista como uma obrigação a ser cumprida, enquanto a segunda é aquele momento de diversão que muitas vezes só é conquistado depois que os estudos já foram concluídos. Ou seja, estudar e brincar são opostos que não se misturam.
A Vivendo e Aprendendo, escola associativa de pais, localizada em Brasília (DF), busca desmistificar esse preceito, e mostra que diversão e aprendizagem podem caminhar juntas. A instituição surgiu em 1982, quando um pequeno grupo de pais e mães insatisfeitos com o modelo educacional do regime militar decidiu criar uma associação.
A base dos princípios pedagógicos está na cooperação e no associativismo, ou seja, todas as decisões são feitas em assembleias gerais. Famílias, educadores e funcionários também ajudam no processo de uma gestão coletiva.
Hoje a associação recebe crianças dos dois anos aos sete anos de idade nos períodos matutino e vespertino, totalizando 16 turmas. A infraestrutura, diferente da maioria das escolas tradicionais, conta com várias salas de aula dentro de um único prédio que abriga seis casinhas (laranja, rosa, azul, verde, amarela e roxa), parecidas com casas de bonecas, mas em proporções maiores. Cada uma delas representa um ciclo de aprendizagem, que é dividido por faixa etária. Assim, as crianças ganham um espaço próprio e, como as salas de aula são equipadas com banheiros, os pequenos logo cedo começam a ter autonomia para utilizá-los sem a interferência de um adulto.
Além de não usar uniforme, as crianças têm total liberdade para andar descalças, e até sem blusa, o que ajuda aliviar o calor em dias de altas temperaturas na capital do país. Também existem chuveiros e duchas para eventuais banhos, mas o que as crianças gostam mesmo é do banho de mangueira.
Pelo fato da escola não usar livros ou apostilas, a coordenadora Clarisse Rabello explica que muitos pais, principalmente aqueles que não conhecem muito bem a proposta do colégio, ficam inseguros em relação ao processo de alfabetização. “Na Vivendo e Aprendendo não utilizamos o termo alfabetização, e sim letramento. Desde pequenas, as crianças têm contato com a leitura e a escrita para estimular suas habilidades e capacidades. A última atividade do dia em todas as turmas é uma roda de história, com isso não interrompemos o natural processo de curiosidade da criança”, afirma.
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Outra característica marcante da escola são os dispositivos pedagógicos, como o “eu não gosto”. Quando uma criança não gosta de alguma atitude, ela é incentivada a falar para isso para o outro e explicar por qual motivo não gostou da atitude. Muitos adultos não conseguem expor seus sentimentos. Se uma criança é estimulada desde pequena a falar o que sente, quando crescer não irá encontrar tanta dificuldade para se expressar”, comenta a professora do ciclo três Lucilaine, também conhecida como Lêla.
A metodologia da escola é composta por projetos e atividades e, ao final de cada bimestre, um relatório de cada aluno é enviado aos pais. A rotina da Vivendo é composta por seis atividades: a roda inicial, primeira atividade, parque, lanche, o fora, a segunda atividade, e a roda de histórias. O momento do parque é considerado um dos mais importantes. Por isso, dura uma hora em ambos os turnos e ressalta a importância do ato de brincar.
A escola também se preocupa em oferecer uma alimentação saudável. “Quando as crianças entram na Vivendo sempre recomendamos aos pais para colocarem em seus lanches, alimentos naturais e saudáveis, ao invés dos industrializados, como balas e refrigerantes”, diz a coordenadora Clarisse. Com isso, a escola tenta ainda evitar possíveis conflitos entre alunos de classes sociais distintas causados pelo tipo de alimento que trazem de casa.
Na hora do lanche, as crianças apropriam-se de todo o espaço de aprendizagem e podem até usar as salas de aula. Cada uma é equipada com duas cestas de lixo, uma de lixo seco e outra de lixo orgânico, e também foi criada uma cesta de partilha, onde as crianças colocam o alimento que não querem mais para compartilharem com os seus amigos.
Cada fim de turno se encerra com uma roda de história, em que a leitura e literatura são valorizadas. A contação de histórias é feita tanto por educadores, como por crianças e pais. Além da rotina diária, durante a semana existem mais três eventos: o dia da culinária, o dia do natural, e o dia da vertical.
O dia da culinária, como o nome já diz, é o momento que os pequenos podem colocar a mão na massa e preparar algum prato, sempre com a supervisão de algum adulto responsável, e as crianças não podem mexer no fogão, ou com objetos perigosos. O dia do natural acontece quando todas as salas se juntam para lanchar – e compartilhar a comida. No dia da vertical, todos os alunos participam de um circuito de atividades elaboradas pelos professores.
A Vivendo realiza ainda três festas anuais (sem ligação com datas comerciais): a festa junina, o chá de livros, um momento que os alunos trazem seus livros e trocam com os colegas, e a festa da cultura popular.
Atualmente, a escola trabalha apenas com o ensino infantil. No projeto Vivendo Mais está planejada a expansão para a etapa do fundamental que, no entanto, depende de dinheiro. Para arrecadar fundos e colocar a iniciativa em prática, a escola está promovendo uma campanha de financiamento coletivo.