Sala de recursos vira laboratório de inovação para promover a inclusão
Após participar de encontros de formação, educadores de Ipatinga (MG) colocam a mão na massa para criar jogos e materiais que facilitam a aprendizagem de todos
por Marina Lopes 6 de março de 2017
Desde o ano passado, após participar de um curso de formação continuada, a professora Nângella Simões viu a sala de recursos multifuncionais da Escola Municipal Hugo Duarte Coutinho, em Ipatinga (MG), se transformar em um verdadeiro laboratório de inovação. Para garantir a inclusão efetiva dos alunos com deficiência, o local do Atendimento Educacional Especializado passou a servir de apoio na criação de recursos que facilitam a aprendizagem de toda a turma.
Como responsável pelo laboratório, ela estava acostumada a trabalhar sozinha para produzir materiais e desenvolver atividades direcionadas apenas aos alunos com deficiência. “Era só eu e o aluno. Não tinha muita interação e troca de ideias com a professora regente”, recorda Nângella. De uns tempos para cá, no entanto, a concepção de desenho universal para a aprendizagem passou a fazer parte da sua rotina, incentivando a busca por múltiplas estratégias e recursos que são acessíveis para todos os alunos. “Hoje os jogos são tirados da sala de recursos e vão para a sala de aula”, conta.
De uma sequência didática diferenciada a um jogo ou material de apoio, as estratégias começaram a ser pensadas de forma colaborativa para ampliar a aprendizagem de alunos com deficiência ou não. “Nós abrimos as portas do Atendimento Educacional Especializado para a escola”, orgulha-se a educadora. A exemplo disso, no último ano, em parceria com a sua coordenadora pedagógica e uma professora do primeiro ano do ensino fundamental, Nângella desenvolveu um projeto sobre diversidade. Com sequências didáticas baseadas no livro “Da cor da Noite”, de Gleidiane Miranda, as educadoras colocaram a mão na massa para confeccionar recursos que facilitaram a compreensão da história por todos os alunos.
A cerca de 5 km dali, em outra unidade da rede municipal, a professora Maria Aline Silva Mendes também se envolveu nessa proposta de trabalho colaborativo. Em parceria com a coordenadora pedagógica e com a profissional responsável pelo Atendimento Educacional Especializado da Escola Municipal Levindo Mariano, ela desenvolveu um projeto de conscientização dos alunos sobre a importância de uma alimentação saudável. No decorrer da atividade, foram produzidos materiais didáticos e pedagógicos acessíveis para facilitar a compreensão da leitura e da escrita, considerando as necessidades específicas de cada aluno.
Antes de trabalhar em conjunto para confeccionar recursos, as trocas entre a professora regente do primeiro ano do ensino fundamental e a professora do Atendimento Educacional Especializado eram restritas a momentos específicos da rotina escolar. “Nós comentávamos sobre um aluno ou outro e falávamos das suas dificuldades no momento do recreio, mas era uma coisa informal”, avalia. Com o contato mais próximo, elas passaram a pensar juntas em estratégias para promover a inclusão na escola. “A sala de recursos passou a ser utilizada com mais frequência dentro da escola, ficou um espaço aberto que possibilita maior interação”, aponta ela, que hoje trabalha no laboratório da Escola Municipal Padre Bertollo, na mesma cidade.
Mão na massa para promover a inclusão
A proposta de transformar as salas de recursos multifuncionais de escolas municipais de Ipatinga teve início no final de 2015, depois que educadores da rede começaram a participar de formações realizadas pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com o MAIS (Movimento de Ação e Inovação Social). Com o objetivo de promover a inclusão efetiva dos estudantes com deficiência, as escolas foram estimuladas a rever suas práticas e implementar o Laboratório de Inovação e Criatividade para produzir recursos que favorecem a aprendizagem de todos.
“Foram abertos novos horizontes diante das concepções que as pessoas tinham de educação inclusiva”, avalia Izilda Rodrigues Viana, que durante a última gestão foi coordenadora da educação especial da rede municipal. Ela conta que, para tirar o laboratório do papel, as palavras de ordem foram trabalho colaborativo e desenho universal da aprendizagem. Tudo deveria ser pensando de forma coletiva para oferecer estratégias pedagógicas diversificadas, que respeitam os ritmos e preferências de cada estudante.
Com carga horária total de 80 horas, divididas entre atividades presenciais e a distância, a formação envolveu professores regentes, coordenadores pedagógicos e professores das salas de Atendimento Educacional Especializado. Cada uma das 34 escolas municipais, de educação infantil e ensino fundamental, que participaram dos encontros deveriam contar com a presença desses três profissionais. A ideia era estimular que eles aprendessem a planejar e a trabalhar em equipe para promover a inclusão dos alunos com deficiência. “Enquanto o professor regente percebeu que ele também era responsável pelo educando com deficiência, o professor do Atendimento Educacional Especializado viu que o trabalho dele vai além de atender esse aluno na sala de recursos. Isso é trabalho colaborativo”, destaca Izilda.
Alinhada com pesquisas educacionais recentes, que demonstram os benefícios da inclusão para toda a escola e apontam práticas de trabalho colaborativo como as estratégias mais exitosas para promover a aprendizagem de crianças com deficiência, a formação contou com momentos de discussão conceitual, reflexão e atividades práticas. “Nós começamos um projeto de pesquisa em que os professores tinham que escolher uma situação chave e propor uma prática. Se um aluno com autismo não quisesse entrar na sala de aula, a tarefa desses professores seria pensar em estratégias e recursos para que esse menino participasse das atividades junto com todos”, explica Talita Matos, uma das formadoras do curso Laboratórios de Inovação e Criatividade.
Após avaliar a inclusão nas suas próprias instituições, os educadores foram convidados a colocar a mão na massa e utilizar a sala de recursos multifuncionais como um laboratório para produzir materiais, jogos e simuladores. “Nós introduzimos noções básicas de eletrônica para que eles pudessem se sentir mais à vontade para fazer essas coisas. Tentamos fazer as pessoas perderem o medo de fazer”, diz Mariana Salles, designer de produtos e sócia do Our Home MakerSpace, que acompanhou o momento de prática da formação.
Ao trazer elementos da cultura maker para a formação, os professores foram envolvidos em processos colaborativos e experimentaram a construção dos seus próprios recursos didáticos. A experiência vivenciada no laboratório do município de Ipatinga demonstra como a tendência da educação mão na massa pode estar conectada diretamente com os princípios da inclusão. “A cultura maker tem um certo Q de inclusão, no sentido de que você não precisa ser um engenheiro para fazer uma luz acender ou consertar alguma coisa. Isso também passa pela ideia de que podemos pensar em objetos para todos os alunos participarem de uma atividade”, relaciona Mariana.
De acordo com a designer e sócia do makerspace carioca, quando os educadores perdem o medo de colocar a mão na massa, eles percebem que podem buscar conhecimentos, compartilhar ideias e pensar em diferentes estratégias para envolver todos os alunos, seja qual for a sua deficiência. “É essa cultura de fazer, e fazer junto com qualquer aluno”, diz.
Nas próximas matérias da série de reportagens sobre educação inclusiva, o Porvir irá apresentar como outras tendências educacionais ajudam na construção de ambientes educacionais que acolhem a diversidade e respeitam as múltiplas formas de aprender de cada aluno.
Quer saber mais sobre as atividades realizadas em Ipatinga? Veja alguns exemplos de projetos que foram construídos por educadores da rede municipal: