Documentário mostra o ensino médio pela voz do jovem
"Nunca me sonharam" abre a mostra Ciranda de Cinema, em São Paulo, e entra em cartaz no próximo dia 8 – e pode ser assistido de graça
por Vinícius de Oliveira 23 de maio de 2017
Dizem que o jovem não tem interesse em nada, que não quer estudar, que não gosta da escola. Dizem muita coisa sobre o jovem e a escola pública. “Nunca me sonharam”, documentário que abre nesta quarta-feira, 24, a Ciranda de Cinema, em São Paulo (SP), inverte esse jogo para apresentar quem são os alunos que estão no ensino médio pelo depoimento dos próprios jovens. Dirigido por Cacau Rhoden (de Tarja Branca), o longa é uma iniciativa do Instituto Unibanco e produzido pela Maria Farinha Filmes (Muito Além do Peso, O Começo da Vida, Território do Brincar).
– Veja a programação completa da 4ª Ciranda de Filmes
“Nunca me sonharam” fala de jovens que estão em uma fase da vida que adultos entendem como rito de passagem e querem ter voz enquanto batem de frente com um modelo de ensino defasado, que pouco responde às suas necessidades atuais e em nada ilumina o que esperam para o futuro. O depoimento que mais bem expressa essa ideia – e que dá nome ao filme – vem do estudante Felipe Lima, de Nova Olinda (CE), que teme repetir a história de seus pais: “Eles nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar sozinho”. Nos relatos colhidos em mais de dez estados brasileiros, no entanto, uma diversidade de sotaques e olhares indicam o caminho para a mudança.
Desde o início, o filme contrapõe o senso comum e a reprodução do discurso da meritocracia, que traçam uma relação direta entre o sucesso e o esforço pessoal. A realidade, especialmente a do ensino público, é completamente diferente. Os jovens frequentam a escola pública porque ela é o único equipamento cultural a que têm acesso, porque é o lugar onde podem fazer refeições com regularidade, ter alguém para conversar, discutir medos e tentar escapar da violência que os cerca. Diante de dificuldades financeiras enfrentadas por suas famílias, eles precisam abandonar os estudos, mesmo que isso signifique colocar em risco a quebra de um ciclo de pobreza que se arrasta por gerações.
Com gravações realizadas durante o auge do movimento das ocupações das escolas e montagem feita enquanto o país discutia a reforma do ensino médio, “Nunca me sonharam” adota um caminho atemporal para contribuir com o debate. O filme apresenta um panorama sobre a escola pública que ajuda a entender o que causou a tomada das escolas e o clamor por mudança. “A nossa intenção era traçar um panorama, não datar e deixar em aberto as discussões sobre o ensino médio nas escolas públicas. No entanto, a força motriz que motivou as ocupações, a meu ver estão absolutamente retratadas no filme, como o desejo de protagonismo desses jovens”, diz o diretor Cacau Rhoden.
“Nunca me sonharam” pode até trazer a melancolia do ambiente escolar cercado por grades, sejam elas de ferro ou as impostas pelo horário de disciplinas que não fazem sentido ao mundo do jovem. Mas o filme também traz uma esperança contada por quem vive o chão da escola, como o professor do Rio de Janeiro (RJ) que se permitiu resgatar o interesse dos alunos que vandalizavam a escola convidando-os a um jogo de futebol. Ou então dos alunos Cocal dos Alves (PI), que sonham o que bem entendem, desde que começaram a participar de olimpíadas de matemática, geografia, robótica, astronomia…
“Ao longo da história, o país nunca sonhou a maioria de seus jovens. A gente tem melhorado […], mas em uma velocidade que expressa essa falta de sonho. O que é grave é que várias visões, mais progressistas ou mais conservadoras, tiveram a possibilidade de fazer mudanças desse ponto de vista, do sonho para todos, e não fizeram. Esse país é sem futuro enquanto não passar a sonhá-los”, disse Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, em debate logo após exibição do filme em sessão para a imprensa.
Como e onde assistir
Além da Ciranda de Cinema, o público terá outras duas maneiras de ver “Nunca me sonharam”. Uma delas é gratuita, por meio da plataforma Videocamp, que libera acesso a todos que queiram promover sessões coletivas, com público mínimo de cinco pessoas. A plataforma também disponibiliza materiais de apoio sobre temas relacionados às juventudes para discussões e materiais do filme para divulgação e mobilização. Ainda possibilita que professores compartilhem planos de aula com base no documentário. O filme está disponível para download ou exibição online, com legendas em inglês e espanhol.