Faculdade usa artes para desenvolver potencial criativo de professores
Criada a partir de experiências da pedagogia Waldorf, Faculdade Rudolf Steiner dá início a curso de pedagogia voltado para educação integral
por Marina Lopes 23 de fevereiro de 2018
A aula começa às 18h, quando o professor propõe a leitura de um texto do autor francês Émile Durkheim, considerado um dos fundadores da sociologia moderna. A turma ainda está um pouco quieta, mas logo se envolve em um debate acalorado: a tarefa do dia é fazer a análise sociológica do discurso do presidente Michel Temer sobre a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Após um breve intervalo, todos seguem para o atelier de artes, onde começam a trabalhar com linhas, curvas e vivências corporais. Diferente do que se possa imaginar, os alunos não estão em um curso de artes plásticas ou ciências políticas. Eles fazem parte da primeira turma de pedagogia da Faculdade Rudolf Steiner, de São Paulo (SP).
No Alto da Boa Vista, zona sul da capital, a faculdade divide um espaço arborizado de 16.666 m² com a Formação de Professores Waldorf, o Instituto de Desenvolvimento Waldorf e a Escola Waldorf Rudolf Steiner, pioneira dessa pedagogia no país. Com o objetivo de formar professores para enfrentar os desafios educacionais atuais, a instituição levou a experiência acumulada da pedagogia Waldorf para o ensino superior, investindo na formação integral dos alunos, que são estimulados desde o início do curso a participar de atividades no campo das artes plásticas, da música, do movimento, do teatro, da dança e dos trabalhos manuais.
Leia mais: Desafios e caminhos para a formação de professores no Brasil
“Já sabemos que as matérias cognitivas não são suficientes, elas não levam um professor longe. Ele também precisa desenvolver um outro lado do seu ser, que trabalha as emoções, as relações, o diálogo e o autoconhecimento para que possa estar diante de um criança de forma integral”, explica a diretora da faculdade Melanie Mangels Guerra, que também está na coordenação do curso de pedagogia, atualmente com 32 alunos matriculados.
Com mensalidades no valor de R$ 1.498, as aulas da primeira turma de pedagogia tiveram início no dia 5 de fevereiro. A matriz curricular do curso conta com 3837 horas, distribuídas em 73 disciplinas. Para ir além da cognição, a grade está dividida em três eixos: a formação cultural, que contempla os conhecimentos humanos, sociais e educacionais no campo da história, psicologia, fenomenologia, antropologia, sociologia e filosofia; a formação pedagógica, que envolve o domínio metodológico e didático para a sala de aula; e a formação artística e social, que trabalha a exercitação artística, musical, corporal e de ferramentas para gestão eficiente de processos educacionais.
Abertura a outras correntes pedagógicas
Embora tenha surgido a partir de experiências da pedagogia Waldorf, o curso também tem a proposta de abordar linhas de pensamento diversas. “A ideia é que a gente consiga entender as diferentes vertentes pedagógicas e também perceber onde é que a pedagogia Waldorf se estabelece”, diz o professor de sociologia da educação Marcelo Rito.
“Aqui tem muito debate. Em outras faculdades não vi tanto essa abertura”, aponta a aluna Konstanze Andriessen, 21, que afirma não ter a pretensão inicial de trabalhar em uma Waldorf, mas de levar as metodologias e ferramentas aprendidas para a escola pública. Depois de cursar três anos de licenciatura em biologia no campus de uma tradicional universidade privada de Campinas, ela conta que se frustrou com o método acadêmico tradicional de formação de professores. “Não tinha um debate político, social e cultural”, avalia ela, que diz ter sido atraída ao novo curso de pedagogia pelo tratamento holístico do ser, que trabalha corpo, alma e espírito.
Desenvolvimento do olhar artístico de professores
Como um dos elementos de destaque da pedagogia Waldorf, a faculdade trouxe para o currículo de pedagogia uma série de disciplinas que envolvem o corpo em movimento e as artes. “O ser humano não é apenas um ser que pensa, ele também tem que sentir e fazer. As artes fazem isso de maneira belíssima. Dentro do trabalho artístico, podemos pensar, sentir e fazer, além de ter uma ferramenta muito interessante para o autoconhecimento e o autodesenvolvimento”, sugere a professora de artes Luciana Betti.
Ao avaliar a contribuição das artes para a formação de professores, ela afirma que essa linguagem ajuda na compreensão do mundo e também no desenvolvimento de um olhar mais refinado. “O professor também é um ser que precisa observar e apresentar o mundo para os seus alunos.” A aluna de pedagogia Alexa Nader Rotermumd, 21, que estudou Escola Waldorf Rudolf Steiner, também concorda com esse posicionamento. “A ideia não é formar artistas. Aqui não é uma faculdade de artes plásticas, mas isso vai despertar um olhar artístico, que um dia foi despertado em mim [na escola]”, diz.
Leia mais: Cursos de formação de professores mudam currículo e usam novas metodologias
Durante uma oficina de artes acompanhada pelo Porvir, a turma de pedagogia foi estimulada a encontrar uma maneira visual de representar o próprio nome. No final da aula, cada aluno apresentou o seu trabalho e explicou o quanto ele tinha a ver com a sua própria personalidade. Leda Maria Meirelles, 47, foi para a frente da sala e mostrou um desenho que colocava em contraste duas tipografias bem distintas: enquanto Leda era escrito com letras pretas, sérias e bem marcadas, Maria ganhava um ar lúdico, com contornos coloridos e em formato de bolhas. A ilustração, segundo ela, representa bem o momento de transição que está vivendo, ao deixar o mundo corporativo para ingressar em um curso de pedagogia. “Eu tenho um pouco de dificuldade com artes e música porque vim de um colégio tradicional e fiz engenharia, ou seja, totalmente exatas”, conta ela, que tem uma filha estudando na Escola Waldorf Rudolf Steiner.
Diálogo entre teoria e prática
Além do trabalho com as disciplinas artísticas, a faculdade também adota estratégias para colocar os alunos em diálogo com a teoria e a prática docente. Em projetos de atuação, eles serão incentivados a fazer essa articulação durante a execução de atividades propositivas e investigativas que atuam em diferentes realidades sociais. Além disso, todas as turmas serão acompanhadas por um tutor, que busca acompanhar, identificar e apontar soluções para questões individuais e grupais dos alunos.
Para acompanhar o desenvolvimento da turma durante o período de primeiras práticas em sala de aula, do segundo ao sétimo semestre do curso os alunos terão uma disciplina de supervisão de estágio, que aprofunda reflexões sobre a prática e propõe soluções criativas para desafios encontrados por eles. De acordo com a diretora, Melanie Guerra, a proposta é conseguir formar um pedagogo bem desenvolvido no âmbito cultural, pedagógico, artístico e social.