Alunos fazem bonecos de si mesmos para valorizar autoestima
Professora relata como seus alunos do ensino fundamental desenvolveram projeto para refletir sobre empoderamento da criança negra
por Monaliza Furtado 2 de março de 2018
Minha prática pretende ser progressista e há sempre uma grande preocupação em transformá-la em um ato político, como sugere Paulo Freire, educador que me inspira desde que me apaixonei por educação. Nessa perspectiva, tenho proposto temas e projetos que promovem uma reflexão crítica sobre a realidade. Dentre outras propostas, no último ano trabalhei representatividade e empoderamento da criança negra com uma turma do quarto ano do ensino fundamental, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Esperança, em Montenegro (RS).
Iniciamos esse trabalho com um estudo sobre a letra da música “Bonecas Pretas”, da cantora Larissa Luz. Depois de assistir ao vídeo, também refletimos a cerca do clipe, que trata da importância da representatividade e, de certa forma, questiona conceitos de beleza pré-estabelecidos.
Pedi aos alunos que trouxessem suas bonecas e seus bonecos para a escola. Juntos fizemos uma análise das características físicas que eram comuns na maioria deles. Nos perguntamos se os mesmos se pareciam conosco, e se nos sentíamos representados por aqueles bonecos e bonecas. Fizemos também perguntas como: “Se eu não pareço com quase nenhuma boneca ou personagem em destaque, será que não sou tão bonito? Não sirvo como modelo? Como se dá a construção do conceito de beleza? Somos livres pra construir a ideia de bonito ou feio?”.
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Fizemos uma entrevista com toda a escola sobre as características físicas de cada aluno e também sobre o que consideravam “bonito”. Perguntamos sobre tipo de cabelo, cor da pele, forma do corpo, cor dos olhos, entre outras questões. Feita as entrevistas, tabulamos os dados e produzimos gráficos. Confirmamos nossa hipóteses de que , por exemplo, muitos achavam cabelos lisos e olhos claros mais bonitos, apesar da maioria dos alunos da nossa escola não terem essas características.
Essa atividade demonstrou também uma baixa autoestima de grande parte dos alunos. Nos deparamos com o constrangimento de vários deles para escrever sobre si mesmos e até mesmo olhar-se no espelho (sugeríamos para que eles se vissem e lembrassem como eram fisicamente).
Para continuar nossa pesquisa e reflexão, resolvemos procurar nas lojas que ficam próximas à escola bonecas ou bonecos que se parecessem com a gente, principalmente com quem menos se vê representada ou representado: a criança negra. Sobre essa nossa saída de campo produzimos um vídeo para o YouTube no canal da nossa turma:
Muita discussão foi feita até que se chegasse ao resultado final do vídeo. Houve uma escuta sobre os conhecimentos que os alunos traziam a respeito de youtubers conhecidos e como eles construíam seus vídeos. A escolha por essa linguagem deu sentido a vários conteúdos, como construção de texto, leitura e escrita, estudo de gramática, além da apropriação de conceitos de temas muito relevantes, como racismo, representatividade, empoderamento e gênero.
As crianças negras, principalmente, melhoraram significativamente o olhar sobre si mesmas, fator esse que me enche de alegria. Além disso, tivemos a visita de mulheres negras na escola para falar de cabelo, racismo e empoderamento.
Também construímos bonecos e bonecas que se pareciam conosco e nos representavam, em uma ação conjunta com as famílias. Os alunos demonstraram aquisição de conhecimento, principalmente, quando puderam apresentar o projeto às famílias na feira interna da escola.
Percebemos uma mudança de comportamento no sentido da construção de autoestima, empoderamento e diminuição de preconceitos. As falas trazidas pelos alunos e suas famílias trazem esperança e mostram um mundo que eles reconhecem como injusto, mas, sobretudo, revelam um senso crítico capaz de questioná-lo e transformá-lo.
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Monaliza Furtado
Professora da rede pública municipal há 18 anos. Também atuou por três anos em escolas estaduais. Tem formação em educação física, com especialização em mídias na educação. Possui experiência com séries iniciais do ensino fundamental. Participou por três anos de um projeto da Secretaria de Educação de Montenegro e de uma Comunidade Terapêutica de recuperação de adolescentes no uso de crack e outras drogas, onde criou estratégias para levar a escola até os meninos, que tiveram seus estudos validados com amparo legal dessa parceria.