Projeto de horta pedagógica motiva crianças a refletir sobre alimentação saudável
Professora de Curitiba (PR) conta como trabalhou de forma interdisciplinar por meio do plantio de hortaliças
por Suellen Oriana Kricky 26 de junho de 2019
Sou professora de ciências e matemática em um colégio de Curitiba (PR) onde é muito comum encontrar crianças que nunca mexeram na terra, desconhecem o nome dos vegetais e até mesmo o sabor que eles têm. Outro ponto que chama cada vez mais a atenção é a baixa qualidade nutricional do lanche trazido de casa pelos estudantes. Neste contexto, como forma de trabalhar a interdisciplinaridade e aprendizagem integral, tive a ideia de desenvolver uma horta pedagógica na escola. A intenção era que os estudantes colocassem a mão na massa e, no final do projeto, reconhecessem o valor daquele trabalho, com os frutos produzidos, trabalhando também a educação financeira.
Deste modo, incentivei as crianças a pesquisarem em casa sobre os tipos de agricultura existentes no Brasil. Em complemento à pesquisa, assistimos ao vídeo “A História de João das Alfaces”, produzido pelo Embrapa. Para finalizar o planejamento inicial, trabalhei o tema em sala e, a partir daí, foi feito um debate e, de comum senso, decidimos que o modelo agroflorestal seria utilizado para nossa horta. A sugestão partiu das próprias crianças, que argumentaram ser o mais sustentável.
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Após a escolha do modelo agroflorestal, o primeiro passo que propus foi entender o que é biodiversidade observando o bosque que se encontra dentro do colégio. Os estudantes perceberam que na natureza há diversos tipos de vegetais que convivem no mesmo espaço. O colégio conta com um espaço que já vinha sendo utilizado como horta e este foi o local escolhido para cultivarmos nosso projeto.
Um fato curioso é que alguns alunos notaram que em uma parte do espaço havia sido plantada apenas couve e que as folhas estavam tomadas pelos pulgões, então aproveitei para discutir como evitar a proliferação desses insetos nos vegetais com receitas de repelentes naturais. Também havia muitas joaninhas no local e aproveitei para trabalhar cadeia alimentar, pois crianças nesta faixa etária acham que as joaninhas são herbívoras e puderam comprovar na prática qual seu alimento preferido (algumas espécies se alimentam de outros insetos) .
A intenção era que os alunos escolhessem o que seria plantado, tendo em vista uma cartilha da Embrapa que traz a época de plantio de hortaliças e relacioná-la com nosso clima, porém devido ao curto prazo, acabei tendo que fazer esta escolha com outra professora.
Com relação à preparação do solo, contamos com a ajuda de um funcionário responsável pela manutenção da escola. Ele delimitou os canteiros e carpiu o terreno. Na falta de um funcionário assim, acredito que poderia ser feito um mutirão fora do período de aula para preparação do terreno. Iniciamos o cultivo da horta cobrindo o solo com a matéria orgânica disponível no colégio, resgatando com as crianças a função de proteção do solo contra a erosão e ressecamento que ela exerce.
A direção da escola financiou o projeto e quando as mudas e sementes chegaram, os estudantes foram orientados a fazer o plantio e a semeadura. Com muita empolgação, foram plantadas na cenoura, babosa, beterraba, rúcula, alho-poró, abobrinha, alface verde e roxa, tomate, rabanete, couve erva doce e até limoeiros.
Ao longo do desenvolvimento da nossa horta, a cada duas semanas, as crianças acompanharam a germinação das sementes e o crescimento das mudas, retirando as plantas concorrentes e mantendo a reposição da matéria orgânica sob o solo. Também havia uma pessoa responsável pela rega diária.
Em dois meses já tínhamos matéria-prima suficiente para fazer uma salada. Foi uma experiência e tanto, pois a grande maioria das crianças aprovaram. Um efeito muito positivo foi que crianças que apresentavam certa resistência a verduras, foram incentivadas a experimentar e, para nossa surpresa, quase todas aceitaram, comeram e ainda pediram mais.
Finalizando o semestre, era hora da colheita e… de fazermos uma torta de legumes! Como não conseguimos plantar todos os ingredientes, levei os estudantes a uma feira orgânica e aproveitei para trabalhar a educação financeira aplicada a compra dos produtos, trabalhando com sistema monetário e cálculo mental (calcular o troco, por exemplo). Cada estudante levou 5 reais e tivemos que organizar o orçamento para aquisição do restante dos ingredientes para a torta.
Ainda no campo da educação financeira, trabalhei com o objetivo de que os estudantes percebessem a diferença de preço entre os produtos orgânicos e os convencionais e seu custo-benefício. Entrevistamos um produtor rural orgânico que mostrou como é definido o preço dos seus produtos e as crianças aprenderam que antes de pensar em um valor de venda, é preciso calcular quanto se paga de tributos, transporte, funcionário e aluguel da barraca.
Com o desenvolvimento do projeto, percebi gradativamente o desenvolvimento da autonomia das crianças para argumentar. Eles não só repensaram seus hábitos alimentares, como sensibilizam suas famílias a respeito dos problemas apresentados. Também ficou evidente o quanto as crianças aprenderam a respeitar o ambiente, os pequenos produtores e a sua própria saúde.
Suellen Oriana Kricky
Formada em Ciências Biológicas pela PUC-PR com especialização em Educação Ambiental e Conservação da Natureza. Professora há 10 anos, trabalho com estudantes do quarto ao nono ano na rede pública e privada de ensino.