Equilíbrio entre razão e emoção estimula a criatividade, diz Domenico de Masi
Sociólogo italiano foi o destaque da programação do Congresso LIV, realizado pela primeira vez de forma virtual, que debateu como as emoções e sentimentos podem aproximar as pessoas durante um momento marcado por incertezas e dúvidas sobre o futuro
por Maria Victória Oliveira 29 de maio de 2020
“A racionalidade não deve prevalecer sobre o emocional e o emocional não deve prevalecer sobre a razão.” O equilíbrio e a importância da percepção de ambos sentimentos foi uma das contribuições de Domenico De Masi, sociólogo italiano e convidado de destaque do Congresso Socioemocional LIV, realizado de forma online nos dias 28 e 29 de maio, que teve mais de 40 mil inscritos.
O bate-papo com a jornalista Flávia Oliveira teve início com a apresentação do conceito de ócio criativo, cunhado por De Masi. Ao contrário do que pode parecer, a expressão não significa ficar à toa, não fazer nada e com preguiça. Segundo o sociólogo, o ócio criativo é a plenitude do indivíduo integral, quando uma pessoa consegue conciliar três ações: o trabalho, a partir do qual cria-se riqueza; o estudo, que gera aprendizado e possibilita a aquisição de conhecimento; e o lazer, com o qual cria-se alegria e bem-estar.
A entrevista abordou diferentes contextos nos quais o conceito de De Masi pode ser aplicado. Diretamente de sua casa em Roma, na Itália, o especialista fez algumas análises que dialogam com o momento de crise vivido no momento inteiro devido à pandemia do coronavírus (COVID-19).
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As condições para o progresso
A desigualdade presente em diferentes âmbitos – trabalho, conhecimento, poder, oportunidade e direitos – cria, afirma De Masi, uma infelicidade em todas as pessoas. “O problema que temos é eliminar a visão neoliberal da economia e substituí-la por uma social-democrática, uma visão que se preocupa com a solidariedade humana. O progresso não acontece se houver competitividade, acontece se houver solidariedade. Todo grande progresso humano veio das atitudes solidárias.”
Ao mesmo tempo, o sociólogo sublinha a necessidade de considerar que, apesar de o mundo atual não ser o ideal e contar com grande potencial para mais desenvolvimento, é o melhor mundo até agora. “Temos tantas coisas bonitas que nos garantem viver mais tranquilamente hoje do que no passado. Isso não significa que este seja o melhor mundo possível, mas é, com certeza, o melhor que já existiu até hoje. Assim, não se trata de ser otimista ou pessimista, mas sim, realista. A análise sociológica da realidade diz que hoje temos a possibilidade de sermos mais felizes do que nossos avós e bisavós.”
O desenvolvimento possibilitado pela tecnologia, com máquinas que substituem o trabalho humano, criou mais tempo livre para a geração atual se comparado à realidade de antepassados. Mesmo assim, ainda há a sensação de que falta tempo no relógio para aproveitar todas as coisas que o mundo tem a oferecer. Para De Masi, o consumismo é o responsável pela humanidade sempre querer mais.
“A publicidade desperta em nós os desejos. O banco nos empresta dinheiro para que possamos satisfazer esses desejos. Devemos trabalhar para pagar aos bancos e, para trabalhar, precisamos correr, caso contrário não conseguiremos satisfazer as novas necessidades. Essa busca contínua cria uma desigualdade, isto é, uma desigualdade entre as necessidades e os recursos. Se nos contentássemos com os nossos recursos, estaríamos bastante satisfeitos”, explica.
Para o intelectual, é necessário priorizar necessidades do tipo qualitativo – de introspecção, meditação, reflexão, de amizade, amor, lazer, beleza e do convívio, em detrimento de necessidades quantitativas, que expressam a vontade por riquezas, poder e posses. “Essas necessidades são alienantes, porque não há nunca um ponto de chegada; sempre há alguém que tem mais do que eu e por isso a vida se torna uma busca interminável.”
O sociólogo completa. “No amor, estaremos os dois felizes. Eu não tiro nada de você, você não tira nada de mim. O mesmo acontece com a beleza. Se eu assistir a um pôr do sol, o meu olhar não o desvaloriza. Isso também acontece com o lazer e com a alegria; assim como para a introspecção, e para a amizade. São coisas que enriquecem e não tiram.”
O equilíbrio entre razão e emoção
Nascido em Rotello, na província de Campobasso, na Itália, Domenico de Masi dedicou grande parte de seus 82 anos aos estudos da sociologia, trabalho, ócio, criatividade e ciências organizacionais em diferentes ambientes acadêmicos na Itália.
Para o especialista, a aposta na ciência e na tecnologia ajudaram a resolver alguns e amenizar outros dos maiores desafios e problemas que acompanham o desenvolvimento dos seres humanos desde o princípio. “Os seres humanos, sempre tiveram, que enfrentar alguns grandes desafios: o desafio da fome, do esforço, da solidão, das doenças, da dor e da morte. Ainda não resolvemos o problema da fome no mundo, mas estamos mais próximos da solução. Já resolvemos bastante o problema da dor física, para a qual temos diversos analgésicos.”
Se antes essa gama de questões era enfrentada com crenças religiosas, mitos, superstições e arte, hoje predominam as soluções intelectuais. Segundo o sociólogo, a prevalência da razão data por volta de 1700, na vigência do movimento iluminista. “Desde aquele momento, a razão prevalece sobre a emoção. Vivemos agora em uma sociedade pós-industrial, o que é algo muito bonito, pois compreendemos que tanto a razão quanto as emoções são fundamentais, pois razão e emoção resultam na criatividade. Nós reavaliamos o emocional e valorizamos a racionalidade e conseguimos entender a importância de um e do outro. A racionalidade não deve prevalecer sobre o emocional e o emocional não deve prevalecer sobre a razão.”
O papel da escola
A escola é um dos lugares mais frequentados durante a infância e a adolescência. Não surpreende De Masi afirmar que instituições de ensino são peças fundamentais para a formação de um sujeito e futuro adulto que seja capaz de exercer o ócio criativo. “Não se deve preparar um adulto apenas para a emotividade, pois isso seria primitivo, e nem para a racionalidade, o que seria alienante. Mas sim um adulto voltado ao ócio criativo. Temos que formar um adulto que sabe conciliar bem: o estudo, o trabalho e o lazer; que sabe conciliar bem a emotividade com a racionalidade e que seja criativo.”
Aqui, resgata-se o conceito de necessidades quantitativas e qualitativas. As últimas são as que devem ser estimuladas por uma escola que investe na educação integral, com o ensino da emotividade e racionalidade, educando crianças de acordo com a necessidade de introspecção, meditação, reflexão, do lazer, amizade, amor, beleza e do convívio.
Durante sua participação no Congresso LIV, Domenico reforçou que, para que professores possam lecionar a partir do conceito de ócio criativo, é preciso misturar, continuamente, o trabalho, o estudo e o lazer. “Ao longo dos 40 anos em que ensinei, e enquanto dirigi a Universidade de Ciências da Comunicação, sempre tentei utilizar o ócio criativo. Posso dar uma aula muito entediante ou posso dar uma palestra muito alegre e divertida. Acredito que o ócio criativo imponha a necessidade de uma pedagogia feliz. A pedagogia deve enriquecer as coisas com significados. Ou seja, preciso deixar o meu aluno feliz porque ele precisa entender o significado das coisas. Se eu entender o significado das coisas, eu as amo muito mais.”
O aprendizado com a quarentena
Apesar dos inúmeros desafios impostos pela disseminação mundial do coronavírus, assim como a tristeza e luto pela perda de milhares de vidas, De Masi pontua que a doença trouxe alguns ensinamentos. Um deles é sobre a potência da natureza que, ao contrário do que o homem acredita, não está controlada e jamais será vencida pela raça humana.
Outro ponto de atenção é a relação entre tempo e espaço. “Antes tínhamos muito espaço: pegávamos avião, carro ou trem, mas tínhamos pouco tempo. Agora, o oposto: temos muito tempo, mas não espaço, pois estamos trancados em casa.”
Com isso, para o sociólogo, a crise instaurada pelo vírus possibilitou que fosse observada com maior atenção a importância de coisas essenciais, como a vida, a saúde, a democracia, a economia e um estado democrático solidário a todos, assim como o trabalho voluntário, o terceiro setor, as competências de virologistas que têm o conhecimento para indicar caminhos a serem seguidos, a tolerância e a comunicação, que deve ser pontual e tempestiva. “O vírus nos ensinou muitas coisas, mas isso não significa que aprendemos. O aprendizado não depende apenas do professor, mas também do aluno. É essencial que se veja, ao final, se o processo de aprendizado ocorreu ou não.”
O Congresso
Pela primeira vez online, o Congresso teve como tema #SentimentosAproximam. Ao todo, foram oito horas de conteúdo gratuito, pensado especialmente para debater como as emoções e sentimentos podem aproximar as pessoas durante um momento marcado por incertezas e dúvidas sobre o futuro.
Destinado a gestores educacionais, educadores, alunos, famílias e demais interessados em educação, o evento contou com a participação de especialistas, artistas e personalidades para debater o tema das competências socioemocionais e como é possível incentivar o desenvolvimento integral do ser humano.
Taís Araújo, atriz e mãe LIV; Alexandre Coimbra, psicólogo e terapeuta familiar; Daniel Becker, pediatra do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ e pioneiro na pediatria integral no Brasil; Lourdes Atié, professora e socióloga; Amyr Klink, escritor e navegador brasileiro; Joana London, psicóloga e gerente pedagógica do LIV; Caio Lo Bianco, diretor do LIV; Francisco Bosco, filósofo e escritor; Christian Dunker, psicanalista e professor; Maria Homem, psicanalista e professora; Ingrid Guimarães, atriz e mãe LIV; Renato Noguera, Doutor em Filosofia e Coordenador do Grupo de Pesquisa Afrosin (Afro Perspectivas, Saberes e Infâncias); e Cláudio Thebas, educador, escritor e palhaço e o cantor Lenine marcaram presença.
Quem não conseguiu acompanhar a programação ao vivo, ainda pode se inscrever para assistir as palestras gravadas.