Adolescentes da Fundação Casa lançam suas primeiras obras literárias
Com oficinas para estimular a criatividade e tirar ideias do papel, projeto Primeiro Livro forma 24 novos jovens autores
por Redação na Rua 29 de dezembro de 2015
Ana Luiza Basílio, do Centro de Referências em Educação Integral
Gabriel enfrentou muito cedo as adversidades. Aos 3 perdeu o pai, José, morto em um acerto de contas dentro de uma penitenciária, para onde havia ido após um assalto, cujo dinheiro iria para a compra de fraldas para filho pequeno. Já adolescente, o menino sofre discriminações ao buscar emprego, necessário para ajudar em casa e também pagar a escola de futebol que poderia aproximá-lo do sonho de se tornar jogador.
Diário de Inovações: Luis Junqueira relata histórias de adolescentes da Fundação Casa que estão deixando a criatividade fluir no papel
No entanto, não foi esse o caminho de Gabriel. Na adolescência, o garoto tem que lidar com decisão dolorosa de sua mãe, Cláudia, e do padrasto, Antônio, de enviá-lo para um orfanato, devido às dificuldades financeiras da família de mantê-lo e ainda prover o sustento do irmão mais novo, prestes a nascer.
Na instituição onde vai morar, Gabriel faz amigos, mas também lida de perto com a violência, além de ter inúmeras chances de “fazer coisa errada”, possibilidade que sempre o faz reviver a história e o desfecho trágico de seu pai. Talvez por isso, mantém-se afastado do crime. Já na fase adulta, ele reencontra sua mãe e, já distante da possibilidade de se tornar jogador de futebol, constitui uma família e tem um filho chamado Brayan, pessoa pela qual ele decide lutar por uma vida melhor.
Nas entrelinhas
Não dá para saber se Gabriel é somente um personagem fictício ou se revive alguns dos episódios daquele que lhe deu vida. O enredo integra o livro “Um jovem que aprendeu através das dificuldades”, escrito por Heitor*, 18 anos, que hoje cumpre medida socioeducativa em uma das unidades da Fundação Casa.
Heitor não foi o único a apresentar sua história. Outros 23 garotos, também internos ou ex-internos, lançaram seus livros na quarta-feira (16/12) na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo, encerrando mais uma etapa do Projeto Primeiro Livro, que tem como objetivo conceder autonomia a estudantes para que eles possam escrever e ilustrar suas primeiras obras literárias.
Para além das unidades da Vila Maria e Paulista da Fundação Casa, a iniciativa esteve presente este ano em cinco escolas de São Paulo e Alagoas. O trabalho previu oficinas de acompanhamento para realização das obras e a impressão de cerca de 300 exemplares para todos os participantes, ação possível graças ao orçamento de R$ 56 mil alcançado após campanha de financiamento coletivo via Catarse.
Perspectivas de desenvolvimento
Para Luis Junqueira, um dos criadores do projeto, o mais significativo é o percurso trilhado pelos garotos até chegarem aos livros. “Eles partem de uma ideia abstrata e trabalham até que ela vire um objeto físico, o que exige esforço, disciplina, criatividade. É muito significativo ver as famílias desses meninos lendo o livro que eles escreveram”, comentou.
Flora Assumpção, professora de desenho e ilustração do projeto, entende que a autoria é determinante para que os garotos se percebam como sujeitos capazes de construir algo, o que acaba por influenciar no processo de formação identitária deles. Para a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, também é forte a questão do protagonismo. ”Ao fazer o livro, o adolescente não é um sujeito passivo, o que dá a oportunidade para que ele se conheça e se sinta capaz de algo fora do mundo do crime. O jovem ser protagonista de sua vida é entender a sua relação com os espaços, as pessoas e suas escolhas”, colocou.
* Os nomes utilizados na matéria são fictícios.
*Fazem parte do Redação na Rua os sites Catraca Livre, Centro de Referências em Educação Integral, Guia de Empregos, Portal Aprendiz, Porvir e VilaMundo.