Ansiedade matemática tem origem em casa e na escola
No Encontro da Rede Nacional de Ciência para Educação, Susan Levine, professora da Universidade de Chicago (EUA), mostra como o medo dos números começa com estereótipos
por Vinícius de Oliveira 3 de agosto de 2018
Se alguém decidir elencar o que mais coloca medo nos estudantes, existe grande chance de que provas estejam no topo da lista. Em seguida, matemática. Na terceira posição, pode aparecer uma combinação das duas anteriores: prova de matemática. Esse pavor que causa aquele “branco” ou esquecimento repentino diante dos números é objeto de estudo da psicóloga Susan Levine, da Universidade de Chicago (EUA). Na palestra de abertura do Encontro Anual da Rede Nacional de Ciência para Educação, a pesquisadora ressaltou a importância da interação com a criança em casa e na escola para combater os efeitos deste mal que, ainda que não de forma intencional, pode passar de pai para filho.
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Superar essa barreira psicológica, segundo a pesquisadora, é fundamental à medida que grande parte das carreiras estará ligada à área conhecida como STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na sigla em inglês). “Ter uma população confiante e competente em habilidades matemáticas é muito importante para proporcionar inovação e crescimento econômico. A matemática é a base de todas as disciplinas que formam o STEM”, disse a pesquisadora. E mesmo para tarefas do dia a dia, ressalta, podem parecer um pesadelo quando é necessário calcular orçamento, um período para atingir objetivos, ou mesmo construir um móvel ou preparar uma receita na cozinha.
De acordo com Susan, existem pessoas que sentem pavor só ao ouvir a palavra matemática. Exames de imagem também já conseguem detectar a ativação de áreas do cérebro relacionadas à resposta em pessoas com alto nível de ansiedade matemática. Não é surpresa, porém, que esse comportamento tenha origem no mau desempenho matemático nos anos escolares. Mais tarde, esse sintoma resulta em professores que dedicam menos tempo ao ensino da matemática ou pais que acham menos importante falar de números em conversas com as crianças em casa.
A grande questão é que a atitude de professores influencia diretamente as crianças. Um estudo com a participação de Susan que compara a ansiedade matemática em diferentes carreiras mostra que ela é particularmente alta em educadores de ensino fundamental 1. “Os professores do ensino fundamental amam as crianças, querem ensiná-las, mas também podem escolher dar aula nas primeiras séries porque não sentem que conseguem ensinar matemática para estudantes com idade mais avançada”, disse. “Isso não é culpa dos professores. Essa ansiedade também é causada pela maneira com que a matemática é ensinada na escola”.
Outra consequência é que, pouco a pouco, os alunos começam a repetir estereótipos. Ao analisar 17 docentes de 1º e 2º ano, foi descoberto que meninas que tiveram professoras com ansiedade matemática começaram a se considerar inferiores aos meninos, inclusive desenhando um personagem do gênero masculino como alguém bom em cálculos e outro feminino que se destaca em leitura (Leia o estudo).
Esforço em casa
Para Susan, combater esse medo é uma tarefa que deve começar com uma interação qualificada dentro de casa, entre a família e a criança. Essa conversa deve ir além da contagem e incluir vocabulário espacial (mais, menos, pequeno, grande, em frente ou atrás). “As crianças precisam aprender os princípios cardinais. 1, 2, 3, onde 3 não é o objeto para o qual se está apontando, mas o tamanho do conjunto. Adultos podem ficar surpresos e ficar orgulhosos quando a criança conta até 10, mas logo veem que ela não entende direito o significado dessas palavras, que são muito abstratas”, explica.
Fatores socioeconômicos
Compreender esse conceito pode ser algo que surge rápido, logo aos 3 anos, ou demorar um pouco mais, até os 5, de acordo com estudos mencionados pela pesquisadora. E esse caminho também é influenciado por questões socioeconômicas. Pesquisas mostram que crianças de baixa renda estão atrasadas em todos os aspectos relacionados à matemática. Por meio da gravação da interação de pais e seus filhos em 58 lares nos EUA, foi descoberto que aqueles que ocupam um nível socioeconômico superior proporcionam 60 vezes mais estímulos em termos de linguagem numérica que os de baixa renda.
Isso se manifesta em problemas simples, como “Johnny tem duas moedas e seu pai lhe dá mais uma. Com quantas moedas ele fica no total?”. Segundo a professora, a dificuldade de uma criança de baixa renda responder à questão está relacionada a problemas verbais. Quando é pedido para a criança colocar três moedas sob uma caixa tal como um adulto fez, a diferença inexiste, o que comprovaria a hesitação diante da linguagem matemática.
Ajuda da tecnologia
As pesquisas em que Susan atuou também mostram que pais com ansiedade matemática alta ajudam demais na lição de casa dos filhos também prejudicam o aprendizado. Para resolver isso, pesquisadores adotaram o aplicativo chamado Bedtime Math (Matemática para hora de dormir), que contextualiza conceitos matemáticos por meio de narrativas. Ao final do período de intervenção, a diferença de desempenho dos pais com alto e baixo nível de ansiedade matemática desapareceu. Um ano depois do estudo, poucos ainda continuam a usar o app, o que não é propriamente uma notícia ruim. “Esses pais podem ter mudado seu comportamento e agora esperam que seus filhos se saiam bem e valorizam a matemática”.