Aos 112 anos, escola recomeça e abre espaço para inovação
Para acompanhar as transformações de uma sociedade veloz e conectada, Elvira Brandão começou a apostar em novos métodos que fortalecem o protagonismo dos alunos
por Marina Lopes 14 de abril de 2016
Pouco depois de completar o seu primeiro centenário, o Colégio Elvira Brandão, na zona sul de São Paulo, percebeu que precisava mudar para sobreviver aos próximos cem anos. Há quatro gerações sob a responsabilidade da mesma família de educadores, o colégio está em processo de reinvenção para acompanhar as rápidas transformações do mundo atual. Com o desafio lançado, o caminho foi se abrir para a inovação.
Dos espaços aos métodos pedagógicos, a escola começou a fazer mudanças graduais. As paredes foram ganhando cores, a recepção ficou mais visível e as salas de aula passaram a ter novas configurações.
No final do ano passado, todas as carteiras do ensino médio foram vendidas. Junto com os professores e a equipe de gestão, os alunos foram chamados para redesenhar as suas salas, trazendo para esse ambiente mesas redondas, sofás e bancadas. Além de escolher modelos, cores e disposição dos novos mobiliários, eles também ficaram responsáveis pela pintura de uma das paredes da classe.
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Em uma das salas de terceiro ano, por exemplo, as carteiras enfileiradas foram substituídas por mesas de trabalho colaborativo. Uma das paredes também foi decorada com a expressão Carpe diem, que do latim significa aproveite o dia. “A gente sentou, planejou e foi atrás de quais móveis seriam comprados”, conta Victoria Rizzo, 16. Segundo a aluna, que diz ainda não estar muito acostumada com a nova disposição da sala, a decoração escolhida pela turma foi inspirada na história do filme “A Sociedade dos Poetas Mortos”, de Peter Weir. Com um visual totalmente diferente, outra classe já traz cadeiras coloridas e um abacaxi de óculos desenhado no fundo da sala.
As transformações na estrutura física reforçam a aposta em novas metodologias. As aulas deixaram de ser centradas na figura do professor, e os alunos começaram a ser vistos como centro do processo educativo. Aliás, ao caminhar pelos corredores, as intervenções e desenhos feitos por eles chamam a atenção de qualquer visitante. Quadros e lousas espalhados pela escola também são um convite para desenhar, deixar recados e até mesmo aprender.
As mudanças tiveram início com a chegada do novo diretor, Renato Júdice de Andrade, que recebeu a missão de ajudar construir um novo modelo de escola. “Há uma diferença muito grande em se criar uma escola inovadora e se transformar em uma escola inovadora”, explica Andrade, ao refletir sobre os desafios encontrados ao longo do percurso.
Mudanças nas aulas
E os desafios são muitos, como aponta o diretor. Desde lidar com os questionamentos dos pais, que estavam acostumados com outro formato de escola, até preparar a equipe pedagógica. “Os profissionais que estão aqui foram contratados e acostumados a trabalhar em outra lógica. Aí você vira e fala ‘vamos fazer diferente’. Isso é desafiador na mesma proporção em que é gostoso”, diz.
O professor e coordenador de matemática Pedro Robert, que trabalha há quase 14 anos no colégio, acompanhou um pouco deste período de transição. Ao se lembrar da primeira reunião que sinalizou uma mudança de direção no trabalho pedagógico da escola, ele conta que foi uma mistura de ansiedade com empolgação. “Eu fui completamente embriagado com essa motivação. Eu estava fechado com aulas, acompanhando sempre o livro. Hoje eu penso educação.”
Estimulado a pensar em novos formatos de aulas, que pudessem transformar os alunos em protagonistas, o professor teve a ideia de criar o projeto Master Líder. Com uma proposta inspirada na competição de culinária MasterChef, ele divide a sala em grupos e passa orientações apenas para alguns líderes, que são trocados a cada período. Eles recebem a tarefa de conduzir os conteúdos e decidir como eles serão apresentados aos colegas, enquanto o professor assume o papel de mediador e ajuda a tirar eventuais dúvidas.
Recentemente, a aluna Giovanna Cabral, 13, foi uma das líderes na sua turma do oitavo ano, com a missão de apresentar ângulos correspondentes aos colegas. “Foi bem interessante porque eu acho que ganhei muito mais responsabilidade. A gente nunca teve essa experiência antes”, conta a menina, que já estuda na escola desde o primeiro ano. “O ensino deles era muito formal, um pouco diferente do que é agora. Eu aprendo mais assim”, reflete.
Entre outras mudanças que foram incorporadas na escola, o sinal que marcava a troca de aulas também foi deixado de lado. “Antes era um sinal que batia. Agora tem um relógio que a pessoa olha quando dá a hora”, comenta Luis Otávio, 7, aluno do terceiro ano do ensino fundamental. Acostumado a ouvir o barulho que marcava o final do recreio, ele diz que começou a prestar mais atenção no horário. Só acabou se distraindo uma vez. “Eu fui ver a sala dos grandes e fiquei sete minutos atrasado. Mas quando eu voltei, eu avisei”, revela com espontaneidade.
Ao ser questionado sobre o que achou das novas salas, ele dispara: “eu entrei lá. Achei mó gelada. Bem diferente das outras salas. Ao invés de ter uma lousa e umas cadeiras, tem uma coisa assim, tipo uma estante. Tem umas mesas, umas cadeiras, um sofazinho e uma mesa pequena com computador”, descreve. Mas o que chamou mesmo a atenção do menino nas mudanças da escola foi a biblioteca, que antes “era escura”. Agora, com suas janelas de vidro e a nova decoração, “está bem mais legal”.
Mão na massa
Um espaço que também ganhou uma cara totalmente diferente foi o laboratório de informática, que foi transformado em um espaço maker. Os computadores, que antes ficavam confinados em um mesmo espaço, foram distribuídos pela escola. “O laboratório de informática nesse espaço não tinha mais significado. A gente melhorou a infraestrutura de Wi-Fi na escola para utilizar dispositivos móveis. A tecnologia permeia o trabalho do professor em sala. Ele não precisa parar para ir até o laboratório de informática”, explica a gestora de tecnologia educacional, Celise Correia.
Além de caminhar com a proposta de incluir atividades mão na massa no currículo, a gestora de tecnologia conta que a metodologia do ensino híbrido já começou a ser implantada de forma gradativa com as turmas do ensino fundamental. No entanto, isso tem sido desafiador e também tem exigido investir na formação dos professores.
“No começo do ano passado foi um susto. Depois eu percebo que a gente já está tendo uma acomodação em relação aos professores e alunos”, recorda Ana Cristina Whintaker, responsável por projetos culturais, formações e eventos da escola. “Eu acho maravilhosa essa mudança. Eu estava um tempo desiludida com a educação. Quando eu vi que essa proposta era de fato real, voltou o brilho nos olhos.”
Junto com os novos projetos da escola, a educadora organizou uma rede de compartilhamento de conhecimento entre funcionários, pais e alunos. Por meio dessa proposta, Katia Campanile, que é mãe de duas alunas, passou a se aproximar da escola para iniciar um trabalho de alfabetização com a equipe de profissionais da limpeza. O envolvimento foi tanto, que hoje ela é contratada pela escola para cuidar da área de voluntariado.
Todas as experiências ainda são recentes e trazem desafios. Mas, segundo o diretor Renato Júdice de Andrade, existem indícios de que a escola está no caminho certo. Em dezembro do ano passado, o Elvira Brandão foi reconhecido pelo MEC (Ministério da Educação) entre as 178 instituições educacionais brasileiras inovadoras. “Foi uma mensagem de incentivo: ainda falta muito, mas vocês estão no caminho certo”, conclui.