Com relato de Emicida, defesa de educação antirracista e transformadora abre Festival LED
Na abertura do Festival LED - Luz na Educação, professor é indicado como o principal agente a ser convencido da mudança
por Marina Lopes 8 de julho de 2022
Se nos versos da música AmarElo, Emicida canta que sonha “mais alto que drones”, nos tempos de escola ele já desceu por um tubo de esgoto para escapar das aulas – e de três inspetoras que tentaram colocar em xeque o seu plano de fuga. “Eu desci, abri a perna para não pisar naquela água podre e fui andando. Fiz um caminho inteiro e sai na outra rua”, conta o rapper, que por um tempo pensou em deixar de lado os estudos.
Por conta dos frequentes ataques relacionados a seu cabelo e a sua pele, o menino que gostava de desenhar, ouvir discos e conhecer histórias viu a motivação em estar na escola ficar cada vez mais distante. “Isso [a perseguição racial] me fez não sentir exatamente o prazer que os estudos poderiam me proporcionar.” Até que na quarta série, atual quinto ano do ensino fundamental, um encontro com a professora Rita de Cássia marcou e transformou a sua trajetória. “Ela se ligou que eu não gostava de ir para escola, mas gostava de histórias em quadrinhos. Ela passou a me dar todas matérias com histórias em quadrinhos”, lembra, com carinho. “Dona Rita de Cássia me deu um rumo, sem perceber que ela estava fazendo isso. Ela só não queria que eu ficasse dentro de um bueiro.”
Nesta sexta-feira (8), na abertura do Festival LED – Luz na Educação, promovido pela Globo e Fundação Roberto Marinho, em parceria com a plataforma “Educação 360 – Conferência Internacional de Educação”, da Editora Globo, Emicida subiu ao palco do auditório do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ), para contar sua história com a educação.
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Em uma conversa medidas por Aline Midlej, jornalista e âncora do Jornal das Dez, da GloboNews, ele fez coro com a professora Ângela Figueiredo, coordenadora do grupo de pesquisa Coletivo Angela Davis, e escritora e professora Conceição Evaristo, que participou a distância, para reforçar a importância do papel desempenhado por educadores para promover uma educação antirracista e capaz de dialogar com os interesses e necessidades dos estudantes.
Conceição Evaristo defende que o professor deve estar convencido de forma prática e emocional com a causa. “Se a pessoa não estiver convencida, não só a partir do seu intelecto, mas do seu próprio desejo e de uma certeza de que a justiça é necessária, não vai adiantar nada. Você pode preparar um professor e dar curso de doutorado, mas não vai resolver.”
Se a pessoa não estiver convencida, não só a partir do seu intelecto, mas do seu próprio desejo e de uma certeza de que a justiça é necessária, não vai adiantar nada
Mais do que teoria, ela diz que precisamos de práticas e do envolvimento coletivo. “A escola só se transforma na medida em que as classes populares e em que as famílias entenderem que nós somos um forte agente educativo”, garante Conceição, refletindo que durante quase toda a sua trajetória acadêmica não teve aula com educadores negros. A primeira foi a professora Laura Padilha, durante o doutorado em Letras (Literatura Comparada), na Universidade Federal Fluminense.
Leis como a 10.639/03, que traz para o currículo a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, a 11.645/08, que inclui a história e a cultura dos povos indígenas e originários, e a 12.711/12, que institui um percentual das vagas do ensino superior das universidades federais para pessoas negras, indígenas, com deficiência, que estudaram em escola pública ou baixa renda, são alguns exemplos citados por ela para mostrar que parte das últimas transformações que aconteceram na escola tiveram grande participação do movimento social, do movimento negro e do movimento indígena.
“As leis têm demonstrado uma capacidade muito grande, tanto da inserção de estudantes negros, como também na produção do conhecimento, na consciência política da desigualdade, seja ela em diferentes âmbitos, e na construção de estratégias para enfrentar essa realidade”, analisa Ângela Figueiredo. No entanto, ela considera que essas políticas também precisam ser apoiadas com recursos, manutenção de bolsas, investimento nas escolas, entre outras iniciativas.
Muitos são os desafios enfrentados pelas escolas, mas ela garante que é necessário ter coragem para enfrentá-los. “Precisamos perder a herança colonial de uma educação formada só para o acesso ao mercado de trabalho.” Além disso, a transformação também deve acontecer no campo da linguagem e das representações. “A educação, para a sociedade como um todo, passa pela construção de um novo vocabulário e também por práticas que combatem os estereótipos”, indica.
Dentro dessas práticas, também cabem novos temas e propostas pedagógicas que dialogam com a realidade dos estudantes. “A escola era completamente alienada em relação às questões de diversidade que a gente tanto trata hoje. Não dá para reproduzir e ajustar uma escola que é pensada em um contexto muito diferenciado. É preciso pensar em uma escola capaz de trazer temas mais interessantes, problemáticas da vida cotidiana, música, debates.”
E são justamente essas novas práticas, antirracistas e igualitárias, que tiraram Emicida do bueiro e criaram condições para que ele pudesse sonhar mais alto do que um drone. “Nada do que foi dito é novidade. O que falta é tomarmos a rédea da situação e ter coragem para mudar a realidade constrangedora que nos trouxe até aqui”, conclui.
* Jornalista viajou ao RJ a convite do Festival LED
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