Como a empatia impacta a dinâmica de atividades desde a educação infantil
Pesquisas mostram que a empatia é fundamental para que as boas práticas decolem e realizem mudanças realmente transformadora
por Tiago Eugênio 22 de novembro de 2019
Mais conteúdo, mais exercícios, mais repetição e testes podem até resultar em uma nota maior, todavia não prepara o aluno de forma integral, muito menos desenvolve nos estudantes competências necessárias para enfrentar os desafios da vida real.
Além disso, há de se convir que o modelo de educação tradicional, focado estritamente na performance e recompensa individual, é bastante obsoleto em face dos achados recentes da ciência que convergem para um novo modelo de ser humano cooperativo e empático por natureza.
Associado ao universo de interfaces e possibilidades oferecidas pelo mundo digital, a educação sofre pressão por todos os lados para se ressignificar como práxis, isto é, como caminho para formação de cidadãos ativos, conscientes e felizes no mundo.
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Não é para menos que os currículos escolares sofrem atualmente uma espécie de primavera metamórfica. Surgem currículos com nomes novos com a clara intenção de exibir uma noção de interdisciplinaridade, integração entre disciplinas e abertura de novos espaços para experimentação e reestruturação do processo de ensino e aprendizagem.
Na verdade, o nome do currículo não é o mais importante. O calcanhar de Aquiles reside mesmo na maneira como as relações são estabelecidas entre os atores que formam o ecossistema de aprendizagem, isto é, entre os professores e os estudantes.
Nesse ponto, a empatia é fundamental para que as boas práticas decolem e realizem mudanças realmente transformadoras. Vejamos alguns exemplos de como a empatia pode funcionar na sala de aula.
Num curso primário, imagine uma sala de aula na qual alunos de oito anos estão sentados em torno de um bebê que está em uma esteira no chão. Eles o observam atentamente e discutem o que ele poderia estar sentindo ou pensando naquele momento e por que começou a chorar de repente. Pois isso é exatamente o que acontece em uma aula do programa escolar “Roots of Empathy” (Bases da Empatia, em tradução livre), uma das propostas curriculares de ensino de empatia mais bem-sucedidas e premiadas do mundo, criada pela educadora canadense Mary Gordon.
Nesse programa, o professor é um bebê. O foco está em ativar continuadamente os neurônios-espelho das crianças a partir de um aprendizado essencialmente experimental. Cada turma, literalmente, “adota” um bebê, que o visita regularmente ao longo do ano escolar. Durante o curso, os alunos observam o desenvolvimento do bebê, bem como discutem suas reações emocionais e mudanças na visão de mundo. Os pais, que sempre acompanham as crianças, são em geral questionados e os dados coletados pelos estudantes, discutidos.
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O programa prevê também trabalhos artísticos e teatrais baseados em empatia, o que as ajuda a dar o salto da tentativa de compreender os sentimentos e as perspectivas do bebê para a tentativa de compreender os de seu colega e da comunidade mais ampla.
Diversos estudos mostraram efeitos positivos do “Roots of Empathy”. Em um estudo feito na Escócia em 2010, foi verificada redução de comportamentos de bullying durante os intervalos, melhora do relacionamento entre os pares e com os pais e até elevação das notas. O estudo constatou também um aumento de 55% em comportamentos pró-sociais entre as crianças, como compartilhar e ajudar o próximo – o que levou o governo escocês a expandir o “Roots of Empathy” por todo o país.
Os psicólogos Daniel Goleman e Peter Senge, autores do livro “O foco triplo: uma nova abordagem para a educação” (Objetiva, 2016), defendem que a escola e a sociedade devem ajudar as crianças a desenvolver foco em três aspectos: em si mesmas, nos outros e no mundo. Os autores compartilham experiências simples e eficazes.
Por exemplo, na escola primária de New Haven, em Connecticut (Estados Unidos), as crianças são organizadas em uma roda de conversa no início da aula e costumam expressar o que sentem naquele dia. Segundo os autores, essa simples atitude faz com que os alunos criem o hábito de autoconsciência. Quando as crianças nomeiam as emoções com precisão, elas têm mais clareza acerca do que ocorre em seu íntimo. Os “amiguinhos da respiração” é outro exercício compartilhado. Nele, cada criança leva um bichinho de pelúcia para a sala de aula, deita-se no chão e coloca o boneco sobre a barriga. A tarefa é bastante simples. A criança deve inspirar e observar o bichinho subindo, enquanto conta de um a quatro. Em seguida, deve observar o bichinho descendo com a expiração, contando novamente. Foi verificado que o número de conflitos aumentava dos dias em que a sessão dos “amiguinhos da respiração” não ocorria.
Sincronismo fisiológico
Para enriquecer ainda mais essa discussão, pesquisas recentes têm mostrado também que a maneira como os estudantes são organizados socialmente exercem um efeito significativo sobre o sucesso de uma atividade didática. Sabe-se que durante as interações sociais um alto grau de sincronia entre indivíduos é um indicador-chave do envolvimento cooperativo.
A sincronia pode ser definida como a coordenação e modulação de comportamentos e estados afetivos entre indivíduos que interagem em um ambiente social como o de uma sala de aula. Essa sincronia pode ocorrer também no nível fisiológico, a partir de respostas autônomas, indicando o nível de excitação fisiológica mediado pelo funcionamento cerebral. Desse modo, o exame do nível de sincronia entre os estados fisiológicos deles em uma sala de aula pode indicar o nível de engajamento desses alunos nas tarefas de aprendizagem.
A equipe do neurocientista Ross Cunnington, da Universidade de Queensland (Austrália), vem realizando pesquisas interessantes nessa linha, testando o efeito de estratégias pedagógicas sobre o entendimento de conceitos científicos e o uso destes para resolução de problemas por estudantes australianos.
Os dados qualitativos, coletados pela gravação em vídeo e observação in loco, são cruzados com medidas quantitativas dos estados fisiológicos das crianças, coletados por uma pulseira sem fio que utilizada pelos participantes, registra movimento, temperatura, atividade eletrodérmica e frequência cardíaca, medidas relacionadas fortemente a processos de atenção, concentração e memória no cérebro, além de engajamento e cooperação durante as atividades propostas.
Foram comparados dois estilos de organização social de estudantes: “pequenos grupos cooperativos” e o modelo “classe inteira”, no qual os alunos tiveram liberdade para fazer contato com todos os outros. Com base no registro da sincronia fisiológica entre as crianças, os cientistas criaram redes gráficas de conectividade. Esse tipo de análise tem sido amplamente utilizado na neurociência para avaliar interações e sincronia entre regiões cerebrais.
Cunnington adaptou essa metodologia para analisar a sincronia em cada contexto social observado em sala de aula. Os resultados mostraram que o nível de sincronia fisiológica entre os estudantes foi maior no contexto de “sala inteira”, no qual todos estabeleciam conexões com todos.
Portanto, no que diz respeito à sincronia fisiológica, como reflexo e indicador de envolvimento dos alunos durante a aprendizagem, é mais apropriado pensar em atividades pedagógicas que envolvam todos os alunos. Por outro lado, nesse cenário, a ação individual do estudante pode ficar comprometida.
No contexto da aprendizagem, em grupos menores, é mais fácil o aluno se expressar, sentir-se ouvido por outros, envolver-se em discussões e investigações científicas mais focadas para pensar e construir significados sobre a própria aprendizagem. Logo, isso significa que pensar em atividades em que o aluno é organizado em pequenos grupos cooperativos também é importante.
O problema está no senso comum de que apenas a divisão em grupos pequenos seja suficiente para assegurar o engajamento pleno dos estudantes.
Pode ser que o segredo esteja em não mirar as extremidades, mas sim o ponto de equilíbrio. É acreditar no poder da hibridização e na mistura de sistemas logísticos, simbólicos e linguísticos para assegurar a boa aprendizagem. Seguindo a mesma linha de raciocínio, na mesma pesquisa, os pesquisadores verificaram que o sucesso da aula dependeu, sobretudo, do número de estímulos e estratégias utilizadas pelo professor.
A aprendizagem foi eficaz com o uso de diversos estímulos e estratégias, como, por exemplo, texto, exposição oral, imagens gráficas, animações, áudio, vídeo, modelos tridimensionais e simulações virtuais. Os alunos tiveram também a oportunidade de confeccionar painéis – registrando ideias (o que sabemos? o que queremos aprender?, o que aprendemos?, como nós aprendemos?) – storyboards, fazer registro em fotos, construir modelos e tabelas, gravar entrevistas e planejar apresentações cinestésicas (performances).
No passado, a maioria dos estudos de imagem neural de processos sociais se limitou a apresentar estímulos controlados para um indivíduo, geralmente em um ambiente de laboratório. Pesquisas como as da equipe de Cunnington mostram agora múltiplos cérebros interagindo e apontam métodos para quantificar a vida social em curso.
Em diferentes níveis de análise, do microscópico mundo das células ao ecossistema caótico do movimento das pessoas, as pesquisas têm, na verdade, corroborado ideias de visionários antigos da educação como Lev Vygotsky, John Dewey, Seymour Papert e Paulo Freire, que, muito antes de tomarem qualquer conhecimento sobre empatia, neurônios-espelho ou poderem registrar dados biométricos em suas investigações, afirmaram que o jeito mais elegante e eficaz de aprender é por meio das interações sociais.
Tiago Eugênio
Psicobiólogo com formação em Game Based Learning pela Quest To Learn em Nova York. Cofundador do Movar Educação, Detecta.app e Plataforma Educacional Neurons. É professor de neuroeducação e gamificação do Instituto Singularidades, UNIFESP, USP e Santa Casa. Autor do livro "Por Dentro dos Jogo: o impacto dos games sobre o cérebro e as relações sociais".