Como empreendedores e governo podem se encontrar em tempos de crise
Representantes do MEC e do Governo de São Paulo falam no 1º Edtech Day sobre seus planos para 2016
por Vinícius de Oliveira 29 de abril de 2016
De um lado, dois representantes do poder público. Do outro, na plateia, empreendedores querendo entender o que governos buscam quando o assunto é tecnologia educacional. Entre eles, uma crise econômica que diminuiu os investimentos, mas deixou algumas oportunidades abertas, especialmente para quem tiver na manga soluções para garantir eficiência mesmo com orçamento enxuto.
No debate que fechou o primeiro Edtech Day, evento realizado em São Paulo (SP) que reuniu empreendedores, investidores, representantes de fundos, consultores, poder público e integrantes de instituições privadas, Marcos Toscano, coordenador-geral de mídias e conteúdos digitais do MEC (Ministério da Educação), e Olavo Nogueira, coordenador de informação, monitoramento e avaliação da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, deram uma amostra da estratégia que os governos têm adotado para adquirir tecnologia em tempos de crise: em primeiro lugar, cautela. Em segundo, parcerias. Só em um último momento é possível começar a pensar em investir e, mesmo assim, com sobras de um orçamento altamente comprometido com salários e manutenção de escolas.
Para o representante do MEC, a crise política dificulta a aprovação de novos projetos, mas o plano para 2016 é formar uma rede em parceria com o CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira), o Consed, órgão que reúne secretarias estaduais, e a Undime, formada por dirigentes municipais, para organizar o ecossistema em torno das soluções digitais e balizar futuros instrumentos de compra. “A ideia é colocar em contato as pontas do mundo da tecnologia educacional: o governo, as startups e a academia. As universidades, que tem um papel tradicional dentro dos ambientes do MEC, avaliariam os recursos educacionais”, disse Toscano.
Segundo ele, é necessário “tirar as universidades de um ambiente puramente acadêmico onde elas querem pensar soluções sem compreender que já existe um mercado dinâmico, já trabalhando em cima disso, e buscar com que entendam seu novo papel junto ao mercado de empreendedores. Hoje em dia, elas trabalham em um mundo à parte”.
Essa aliança também é importante para outro projeto do governo federal, anunciado recentemente como MECflix. Uma nova plataforma vai integrar cinco repositórios de recursos digitais que atualmente não conversam entre si. “Inicialmente, começamos a ligar esses repositórios em um único buscador para ter uma federação, com origem reconhecida”, diz Toscano. Entre esses repositórios estará a Escola Digital, um projeto dos institutos Inspirare, Natura e Península, além da Fundação Telefônica.
Até o final do ano, a intenção do MEC é que a biblioteca inclua somente recursos livres e gratuitos, avaliados por universidades, acompanhados por ficha técnica e exemplos de uso pedagógico. Em um segundo momento, que depende de mudança na legislação, a ferramenta serviria para diversificar o mecanismo de compra de soluções educativas digitais. “Com isso, a gente consegue gerar uma porta de entrada para o empreendedor que vai ter seu produto exposto, num ambiente em que o gestor e o estudante vão ter acesso. Eles vão poder saber o que existe naquela área, comparar e escolher o que adotar”, disse Toscano.
Em recado para empreendedores, Toscano diz que é necessário evitar vícios cometidos com a distribuição de materiais didáticos. “Hoje, a gente distribui o livro e não sabe se ele foi usado ou não, e qual foi seu impacto no desempenho da criança”. O diretor do MEC também recomenda que as soluções levem em consideração as dificuldades de conectividade (com até 22 computadores por aluno e internet de 2 Megabits por segundo de velocidade) e a formação de professores. “Apesar de existirem uma série de produtos disruptivos que focam nos estudantes, não se esqueçam dos professores. Para o sistema público de ensino, uma solução que não passa pelo professor é basicamente inviável”.
São Paulo
Olavo Nogueira deu exemplos de iniciativas tomadas recentemente pela Secretaria de Educação Estadual de São Paulo. Em um primeiro momento, são consideradas opções que não geram custos para o governo e são arcadas por empreendedores. “Não é todo mundo que tem essa capacidade, mas no ano passado a gente fez isso com a Geekie [ que levou a ferramenta Geekie Lab, com simulados do Enem] para alunos da terceira série do ensino médio”. Outra solução neste sentido foi a plataforma Currículo +, nome usado pelo governo paulista para a Escola Digital que o MEC promete integrar aos seu repositório nacional.
Um segundo caminho usa a estrutura própria, no caso a Prodesp (Empresa de informática do Governo do Estado de São Paulo), que desenvolve ferramentas de gestão. “[A Prodesp] é um parceira para soluções que precisam ser construídas de maneira muito customizada para secretaria, […] principalmente na parte de sistemas [recursos humanos e financeiros]”.
A terceira opção é a de compra propriamente dita. Como exemplo, Nogueira cita uma ferramenta que começa a ser usada para o transporte de estudantes que é baseada em georreferenciamento para economizar combustível e tempo com rotas mais eficientes dos ônibus escolares.
Por fim, o representante do governo paulista deu pistas para onde empreendedores podem direcionar suas atenções. “Pode ser um investimento em tecnologia que daqui a alguns anos vai diminuir o investimento em materiais didáticos. A segunda frente é a que diminui o gasto com avaliações. Hoje em dia, a correção de avaliações em larga escala é uma loucura e, dado o contexto de infraestrutura das escolas, será que a gente consegue baratear isso de forma significativa? É na crise que a máquina pública se movimenta para fazer alguma coisa diferente e inovar”.