Como lidar com a indisciplina e melhorar o clima escolar
Entenda as causas da indisciplina, conheça estratégias para melhorar a gestão de sala de aula e saiba como estabelecer acordos coletivos
por Marina Lopes / Ronaldo Abreu 23 de maio de 2023
A indisciplina representa um dos principais desafios enfrentados por educadores de todo o país. De acordo com a Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem, conduzida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil é o país que mais perde tempo em sala de aula tentando controlar os alunos tidos como bagunceiros.
O estudo identificou que os professores brasileiros dedicam, em média, 20% do tempo de aula tentando resolver problemas de comportamento da turma. Isso corresponde a 35 dias letivos perdidos ao longo do ano. Mas qual é a abordagem mais adequada para lidar com essa questão?
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Para o professor e pesquisador Joe Garcia, doutor em educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é fundamental superar as visões e estratégias baseadas apenas no controle social. “Nos parece mais produtivo pensar os desafios representados por indisciplina e violência como oportunidades para uma profunda revisão em nossas visões e práticas pedagógicas”, defendeu o educador no artigo Indisciplina e violência nas escolas: algumas questões a considerar, publicado na Revista Diálogo Educacional.
Punir é uma solução para a indisciplina?
Apesar da literatura educacional ter avançado nas discussões sobre indisciplina, muitos educadores ainda apostam na ideia de que o fortalecimento unilateral da autoridade é a resposta para conter os comportamentos inadequados. “Na atualidade, ainda persiste, entre muitos educadores, a ideia de disciplina como algo que solicita processos de controle e punição, tendo em vista garantir a manutenção de um determinado estado de ordem”, relatou Joe.
Esse tipo de intervenção é resultado de um modelo tradicional de ensino que entende a disciplina como um conjunto de regras para conter comportamentos inadequados. Nesse entendimento, a sala de aula ideal seria silenciosa, organizada e praticamente imóvel. Mas será que esse tipo de ambiente favorece a aprendizagem? Como desenvolver competências como comunicação, argumentação, empatia e cooperação em um espaço de controle punitivo?
Grandes pensadores e educadores adeptos de uma escola nova, como John Dewey e Maria Montessori, não excluem necessariamente a disciplina, mas chamam atenção para um novo papel do educador como um mediador da aprendizagem, capaz de promover a autonomia e a responsabilidade dos estudantes. Diante dessa perspectiva, a disciplina passa a ser entendida como um processo em que os sujeitos participam ativamente do estabelecimento de regras de conduta, considerando valores e objetivos a serem atingidos pela turma.
A disciplina permite entrar na cultura da responsabilidade e compreender que as nossas ações têm consequências
“A disciplina não é um conceito negativo; ela permite, autoriza, facilita, possibilita. A disciplina permite entrar na cultura da responsabilidade e compreender que as nossas ações têm consequências”, reforça Silvia Parrat-Dayan, pesquisadora da Universidade de Genebra (Suíça), no livro “Como enfrentar a indisciplina na escola”.
Cultura da responsabilidade e acordos coletivos
Na Escola Dom Constantino Luers, em Campo Alegre (AL), a construção de uma cultura da corresponsabilização foi um dos caminhos encontrados para lidar com a indisciplina. Com o envolvimento de todos os estudantes, foi construído um contrato de convivência. “Eles mesmos opinavam como deveriam ser as regras para cada setor, para cada problema na escola”, contou a diretora Valquiria de Assis, em um vídeo apresentado pelo Banco de Soluções, do Observatório de Educação do Instituto Unibanco. A partir daí, toda vez que um estudante infringia alguma regra, a equipe gestora convidava para uma conversa e relembrava dos acordos.
A participação também foi um caminho para reduzir a indisciplina e ampliar o envolvimento dos estudantes na EPG Manuel Bandeira, em Guarulhos (SP). Quando Solange Turgante Adamoli assumiu a direção da escola, ela investiu na gestão democrática para construir relações de maior autonomia com os estudantes.
“No início de cada ano, professores se debruçam a ‘fazer combinados’ com suas turmas. Porém, o que vemos é uma lista de regras feitas por adultos que é repetida ano após ano, e respondida com uma regra após a outra com um sonoro ‘não pode’ no piloto automático. ‘Combinar’ é definir com, e não impor para. Uma boa roda de conversa com alguém disposto a ouvir o que as crianças têm a dizer é muito mais significativa”, contou em um artigo que escreveu para o Porvir.
Entendendo as causas da indisciplina
Para o autor Joe Garcia, a forma como a indisciplina se manifesta na escola pode ser analisada dentro de três grandes dimensões: as condutas dos alunos nas diversas atividades pedagógicas, os processos de socialização e os relacionamentos dos alunos na escola e o contexto do desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
De acordo com ele, a indisciplina não é um fenômeno estatístico que mantém as características ao longo do tempo. Esse fenômeno tem evoluído nas escolas e apresentando diferentes formas de manifestação.
Isso traz um questionamento: o que é indisciplina hoje e quais são as suas causas?
É muito difícil encontrar uma causa única para a indisciplina, mesmo que seja manifestada sempre a partir do mesmo sujeito. As causas podem ser externas à escola, como a violência social, o ambiente familiar e a influência exercida pelos meios de comunicação. Ou também podem ser internas, envolvendo elementos como o ambiente escolar, as emoções, as condições de ensino e aprendizagem, as relações, o perfil dos estudantes e a sua capacidade de se adaptar aos esquemas da escola.
Ações para melhorar o clima escolar
Ter esse olhar e compreender as diferentes causas da indisciplina ajuda a planejar estratégias de mudança. E, para a intervenção ser efetiva, esses caminhos necessariamente passam pelo envolvimento da comunidade, da família, da escola, do professor e do estudante.
Na avaliação de Telma Vinha, professora do departamento de psicologia educacional da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é preciso investir em relações de afeto e de confiança, além de compreender outras questões que podem estar envolvidas no comportamento externalizado por crianças e adolescentes.
Não é uma atitude de um professor ou de um diretor [de forma isolada], mas sim procedimentos institucionais que, quando coordenados, conseguem promover mudanças a médio e longo prazo.
“Temos que atuar com diversos públicos para mudar o clima [escolar], precisamos de procedimentos coordenados. Não é uma atitude de um professor ou de um diretor [de forma isolada], mas sim procedimentos institucionais que, quando coordenados, conseguem promover mudanças a médio e longo prazo”, afirmou em entrevista ao Clube Porvir, em maio de 2022.
No infográfico a seguir, apresentamos o conceito de clima escolar. Cadastre-se abaixo para receber as partes 2 e 3 que reúnem dicas práticas para sua sala de aula: