Como o jornalismo pode ser praticado como metodologia de ensino?
Em livro recém-lançado, o jornalista e professor Bruno Ferreira mostra como os princípios do jornalismo e da educomunicação podem tornar a aula mais ativa, estimulando a investigação e a curiosidade
por Ana Luísa D'Maschio 7 de abril de 2022
“Conjunto de conhecimentos e ações que visam desenvolver ecossistemas comunicativos abertos, democráticos e criativos em espaços culturais, midiáticos e educativos formais (escolares), não formais (desenvolvidos por ONGs) e informais (meios de comunicação voltados para a educação), mediados pelas linguagens e recursos da comunicação, das artes e tecnologias da informação, garantindo-se as condições para a aprendizagem e o exercício prático da liberdade de expressão.” A definição oficial da palavra educomunicação foi incorporada oficialmente ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras, recentemente, em julho de 2021. Mas a prática educomunicativa já é comum nas salas de aula há mais tempo.
Jornalista e professor, Bruno Ferreira traz na bagagem mais de uma década de pesquisa e trabalho sobre o assunto. E acaba de reunir teoria e prática no recém-lançado livro “Jornalismo e educação: competências necessárias à prática educomunicativa” (Editora Appris). Na obra, Bruno aborda como o jornalismo pode ser entendido como método de ensino. “Apuração e checagem, procedimentos essenciais à prática jornalística, podem inspirar a aprendizagem baseada em investigação e fomentar a participação e a autoria de estudantes”, afirma.
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Para o autor, a educomunicação é uma ética, uma forma de conduzir as coisas de modo a ser mais democrático, incentivando uma interlocução mais aprofundada. “Um educador pode ser educomunicador se suas aulas são comunicativas, incentivando os estudantes à autoria coletiva, utilizando-se de mídias e recursos da cultura digital para essa finalidade, estimulando que os estudantes investiguem a realidade e as comunique de forma crítica e criativa a uma audiência real”, ressalta Bruno. Confira a entrevista e as sugestões para levar jornalismo e educomunicação para a sala de aula:
Porvir – Há quanto tempo você vem estudando o tema?
Bruno Ferreira – Informalmente, estudo há pelo menos 11 anos. Em abril de 2011, comecei a trabalhar ao mesmo tempo como editor de uma revista e como educador de jovens sobre jornalismo, no âmbito de um projeto de educomunicação, a Revista Viração. Desde então, venho procurando embasar teoricamente minha prática profissional. Fiz uma especialização em Educomunicação pela ECA/USP (Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo) entre 2013 e 2014, depois um mestrado em Ciências da Comunicação, também na ECA/USP, entre 2017 e 2019. Depois disso, fiz uma licenciatura em Educação Profissional de Nível Médio pelo IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo), porque à época também lecionava em cursos técnicos e profissionalizantes, o que foi ótimo para entender mais sobre teorias e diretrizes de educação e também sobre currículo.
Porvir – Em linhas gerais, quais são as principais conexões entre jornalismo e educação?
Bruno Ferreira – Vou começar respondendo a partir do jornalismo, que eu sempre entendi como instância educadora, pois o noticiário forma o cidadão, interfere em sua tomada de decisão e é uma forma, talvez a mais cotidiana de todas, de entender a realidade social. O jornalismo, portanto, educa, pois colabora para a formação da visão da sociedade sobre si mesma. Eu escolhi o jornalismo, entre outras coisas, depois de ouvir um jornalista dizer que escolheu a carreira porque ela permite aprender sempre. Cada nova pauta é um aprendizado, pois o jornalista precisa apurar, conversar com pessoas, coletar evidências da realidade e sistematizá-las em um discurso. Então, o jornalismo pode inspirar métodos de ensino mais ativos, baseados em investigação, o que já acontece em projetos extracurriculares de educomunicação e em práticas de educação midiática vinculadas ao cotidiano da sala de aula.
Porvir – E quando falamos de educomunicação? Como o termo se encontra com o jornalismo e a educação? Qual a ligação dessa tríade?
Bruno Ferreira – Eu entendo que jornalismo e educação se encontram no âmbito da educomunicação, isto é, dentro de uma proposta libertadora de educação que tem a comunicação, num sentido amplo, como alicerce. Jornalismo e educação, neste caso, trabalham pelo exercício do direito humano à comunicação, pela liberdade de expressão e pela participação política e social de crianças, adolescentes e jovens em diversos contextos educativos, formais e não formais. Ao assumirem o papel de comunicadores e repórteres em um contexto específico, seja do cotidiano escolar, seja cobrindo um evento, essas crianças e jovens praticam o jornalismo para terem o direito de serem ouvidas garantido, sistematizam novos aprendizados e mobilizam outros atores sociais a partir dos conteúdos que produzem. Tudo isso em um contexto educativo, com objetivos definidos sobre o proveito que devem tirar do contexto em que atuam dessa forma.
Porvir – A obra traz um levantamento sobre o trabalho de educomunicadores. Quantos foram ouvidos? Qual a intenção em retratar esses perfis?
Bruno Ferreira – Esse levantamento foi o objeto da minha dissertação de mestrado. Quis entender por que e como jornalistas trabalham no campo da educomunicação. Por isso, observei 9 jornalistas trabalhando nessa perspectiva em 5 diferentes iniciativas do terceiro setor brasileiro e de uma escola particular. Além disso, entrevistei 21 jornalistas-educadores ou educomunicadores para saber deles o que julgam necessário para trabalhar com educomunicação e de que forma o repertório jornalístico contribui com essa prática social. A intenção foi justamente traçar as competências necessárias para trabalhar com educomunicação para além da formação em jornalismo e do domínio de conhecimentos e técnicas próprias dessa carreira.
Porvir – Quais as competências necessárias, de acordo com a publicação, para a prática educomunicativa?
Bruno Ferreira – Acho importante frisar que meu livro explora essas competências a partir do jornalismo, uma vez que o campo da educomunicação é fortemente composto por jornalistas. Em 2017, quando eu era diretor de Assuntos Profissionais e Formação Continuada da ABPEducom (Associação Brasileira de Profissionais e Pesquisadores em Educomunicação), fiz um levantamento com os associados da época para traçar um perfil dos educomunicadores filiados à organização. Jornalistas eram a maioria dos associados, comprovando uma desconfiança minha. Digo isso para reforçar que muitos repertórios são bem-vindos à educomunicação, mas no contexto das minhas pesquisas olho especificamente para o repertório do jornalista e para as contribuições deste ao campo.
Dito isso, as competências que jornalistas exercem na prática educomunicativa são essencialmente comunicativas. Aqui novamente entendemos a comunicação de uma forma ampla, para além das mídias. No âmbito dos conhecimentos, um jornalista-educomunicador precisa conhecer sobre o campo da comunicação, entendendo a mídia como meio de promoção de transformação; sobre educação numa perspectiva freiriana, alicerçada no diálogo, na escuta do educando e no incentivo à sua participação, além de entender sobre direitos humanos e estar atento aos debates dos movimentos sociais. No âmbito das habilidades, esse profissional é autor, como todo jornalista é, mas é também um mediador, no sentido de estabelecer uma relação processual com seus interlocutores, promovendo espaços de reflexão de modo intencional e coletiva. E, por fim, no âmbito das atitudes, é um profissional empático, que busca exercer a alteridade no seu cotidiano pessoal, que está disposto a construir coletivamente, a descolar-se do ego e da autoria individual para ser partícipe de processos mais horizontais, o que reflete na gestão inovadora e democrática das iniciativas que integraram meu objeto de análise.
Porvir – Qual o caminho para se tornar um educomunicador?
Bruno Ferreira – A educomunicação é, para mim, uma ética, uma forma de conduzir as coisas de modo a ser mais democrático, incentivando uma interlocução mais aprofundada. Dessa forma, um jornalista pode ser educomunicador quando qualifica a escuta de suas fontes, quando não apenas tira delas o que precisa para uma matéria, mas se promove um processo mais profundo de diálogo com elas e entre elas, permitindo que se escutem mais e aprofundem a compreensão sobre sua realidade no momento da apuração e não apenas quando esperam que suas reportagens, o produto final do processo jornalístico, gerem transformação ao repercutir na sociedade. No livro eu exploro exemplos nesse sentido. E um educador pode ser educomunicador se suas aulas são comunicativas, incentivando os estudantes à autoria coletiva, utilizando-se de mídias e recursos da cultura digital para essa finalidade, estimulando que os estudantes investiguem a realidade e as comunique de forma crítica e criativa a uma audiência real.
Porvir – Como os professores podem aproveitar o livro para levar boas práticas para as a sala de aula? Quais suas sugestões?
Bruno Ferreira – O livro aborda como o jornalismo pode ser entendido e praticado como método de ensino e como apuração e checagem, procedimentos essenciais à prática jornalística, podem inspirar a aprendizagem baseada em investigação e fomentar a participação e a autoria de estudantes. Apresento situações reais, das quais participei como educador, para ilustrar essas reflexões. Discuto ainda por que desinformação e fake news são questões às quais a educação precisa dar atenção atualmente e como o incentivo às práticas dos procedimentos jornalísticos como forma de aprender mais ativamente podem contribuir para formar um cidadão mais crítico e atento com relação à informação que recebe e mais responsável sobre a informação que produz.